Grávidas e encarceradas: realidade de gestantes em penitenciárias no Brasil é marcada por tortura e violência

Presa com bebê na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia) (Luiz Silveira/Agência CNJ)
Gabriella Lira – Da Cenarium

MANAUS – A realização do sonho da maternidade na vida de presidiárias no Brasil expõe casos de abusos físicos e psicológicos, além da falta de acesso a atendimento médico de qualidade. Em setembro deste ano, presas da Unidade Materno Infantil (UMI) Madre Tereza de Calcutá, no Rio de Janeiro, deram à luz algemadas. Casos como esses são comuns e algumas ainda são submetidas à cirurgia de laqueadura sem consentimento, segundo constatou o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ)

O ano de 2016 foi marcado por decretos e leis para amparo de mulheres grávidas encarceradas. O Marco Legal da Primeira Infância, por exemplo, exige o modelo de prisão domiciliar para mulheres presas provisoriamente quando gestantes, mães de crianças de até 12 anos, ou cujos filhos sejam Pessoas com Deficiência (PCD). 

No Rio de Janeiro, uma lei proíbe o uso de algemas, calcetas – a argola colocada no tornozelo de um prisioneiro que se une a sua cintura por meio de uma corrente de ferro ligando-o, por sua vez, a um outro prisioneiro – ou outro meio de contenção física durante o trabalho de parto da presa, seja em estabelecimentos de saúde pública ou privada. 

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Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Nascimento que, em 2007/2008, orientou um projeto de pesquisa no qual foram entrevistadas mulheres do sistema prisional do Amazonas, a problemática afeta a dignidade dessas mulheres que já se encontram em uma situação difícil.

“Quem executa a prisão dessas mulheres? São homens, policiais e delegados, sem compromisso com a educação, com a infância e com mulheres. Então, para esses homens, tratar com igualdade seria usar da mesma crueldade dos homens para aplicar nas mulheres”, diz ele.

“Já ouvi de carcereiros e agentes penitenciários que ‘se as mulheres querem igualdade, então, elas serão tratadas com igualdade’. É uma crueldade com a criança que vai nascer. Onde queremos chegar com isso? Que tipo de sociedade é essa que estamos construindo? Jovens mulheres são obrigadas a terem seus filhos em cárcere. Não teriam outras formas, estratégias de compensação do delito que elas cometeram?”, afirma o sociólogo.

No Rio de Janeiro, uma lei proíbe o uso de algemas, calcetas ou outro meio de contenção física durante o trabalho de parto da presa (Luiz Silveira/Agência CNJ)

Caso motiva lei

A história de Jéssica Monteiro, que, em 2016, tinha 24 anos e estava grávida de 9 meses quando foi acusada de tráfico de drogas após a Polícia Militar (PM) de São Paulo invadir a ocupação onde vivia e encontrar 90 gramas de maconha, motivou uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) a expedir um habeas corpus para todas as presas provisórias do País que sejam gestantes, estejam em trabalho de parto, no trajeto entre a unidade prisional e a hospitalar, após o parto, ou enquanto a gestante estiver hospitalizada.

Jéssica entrou em trabalho de parto na delegacia. Na mesma madrugada foi levada ao hospital e, depois, voltou para a cela suja, junto do recém-nascido Enrico. 

“Fui presa no sábado, grávida ainda. Quando cheguei na delegacia, já estava com dor. Dormi lá, no chão. Com o nervosismo por estar naquele lugar, no fedor, com bichos, só piorou. Acabei entrando em trabalho de parto com ele. Pediram para eu ter calma, não ter filho naquela hora”, conta Jéssica em entrevista ao site Brasil de Fato. 

A história da grávida de 9 meses, Jéssica Monteiro, de 24 anos, motivou uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF). (Arquivo/Agência Brasil)

Pesquisa

Na pesquisa conduzida pelo professor Luiz Nascimento, foi constatado que 90% das mulheres que estavam presas por tráfico não estavam envolvidas realmente com o crime: elas foram detidas transportando uma pequena quantidade de drogas.

“A autoridade policial (policiais e delegados) precisa saber identificar o tráfico de consumo. A pessoa ter um cigarro de maconha no bolso não quer dizer que é traficante. Se a autoridade policial atuar nesse contexto, um grande número de pessoas será detido e autuado como tráfico”, explica Luiz.

O sociólogo aponta ainda que outra questão é importante: parte dessas mulheres têm entrado no mundo das drogas por falta de opção, porque não têm emprego ou outras oportunidades para se desenvolverem.

“Não quero dizer com isso que elas não precisam ser autuadas, mas a gente tem um processo de encarceramento no Brasil que é absurdo, que não reduz a violência, não reduz a prática do crime e nem a prática do comércio ilegal de drogas, e ainda aumenta a desigualdade social e o abuso de autoridade”, afirma ainda. 

O crime de tráfico de drogas está previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, que descreve como conduta ilícita, proibindo qualquer tipo de produção, venda e compra de drogas sem autorização ou em desconformidade com a legislação. A pena prevista é de cinco a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 a 1,500 dias-multa. A mesma norma, no artigo 28, prevê a conduta ilícita de portar drogas para consumo próprio. Todavia, é considerada infração menos grave, não prevendo pena de detenção ou reclusão. 

Dados 

Os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e da Segurança Pública apontam que, no período de julho a dezembro de 2020, o Brasil tinha 668.135 mil presos, sendo 28.688 (4,29%) mulheres. Ao todo havia, neste período, 156 gestantes e parturientes, 76 lactantes e 502 crianças com suas mães. 

Arte: Ygor Fábio Barbosa
Arte: Ygor Fábio Barbosa

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