Grupo extremista volta ao poder no Afeganistão após 20 anos

Exército afegão monta guarda contra o Taleban na província de Herat (Hoshang Hashimi/AFP)
Com informações da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO – O Taleban, grupo que virou sinônimo de radicalismo fundamentalista islâmico e conduziu uma vertiginosa campanha militar de duas semanas, derrubou o governo do Afeganistão 20 anos após ser expulso do poder pelos Estados Unidos.

Suas tropas entraram em Cabul pela primeira vez desde 13 de outubro de 2001, quando tiveram de se retirar da capital sob as bombas norte-americanas e britânicas que abriram caminho para forças adversárias da chamada Aliança do Norte. Desta vez, a entrada ocorreu sem resistência, apesar de relatos de tiroteios esporádicos na madrugada de domingo, 15.

Helicóptero americano Sea Knight deixa a embaixada dos EUA em Cabul
Helicóptero americano Sea Knight deixa a embaixada dos EUA em Cabul – Reuters

O ex-chanceler Abdullah Abdullah, chefe do Conselho de Reconciliação Nacional, disse que pediu ao Taleban para conversar antes de ocupar todo o centro da capital, mas o grupo deixou as periferias e entrou, alegando querer evitar saques e manter a ordem. O grupo afirmou que o palácio presidencial foi tomado, mas a informação ainda não foi confirmada pelo governo.

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Ao longo do dia, o presidente do País, Ashraf Ghani, ainda buscava uma solução negociada com os invasores, que prometeram moderação para incrédulos interlocutores. “Queremos uma transição pacífica e evitar derramamento de sangue”, afirmou à rede BBC um porta-voz taleban, Suhail Shaheen.

Não deu certo. Segundo o Ministério do Interior, Ghani deixou o País no começo da noite (fim da manhã no Brasil). Seu governo, iniciado em 2014 e visto como um marionete das forças ocidentais, colapsou. Como será formado o novo governo é incerto, mas o Taleban venceu a guerra.

Foram 19 anos, 10 meses e 3 dias desde aquele momento de derrota, que marcou o início da ocupação liderada pelos Estados Unidos. Washington buscava punir o grupo por ter abrigado a rede terrorista Al Qaeda, que ordenara os ataques do 11 de setembro de 2001, mas acabou atolada na sua mais longa guerra.

Assim como as bombas do Ocidente removeram o Taleban de Cabul em meros sete dias, a ausência delas entregou todo o Afeganistão de volta aos radicais em duas semanas exatas.

No domingo retrasado, aproveitando o virtual fim da presença militar americana no País após a decisão em abril do presidente Joe Biden de cumprir a retirada acertada por Donald Trump e o Taleban em 2020, os militantes deixaram as áreas rurais que dominavam parcialmente ao longo dos anos e fecharam cercos a capitais provinciais.

As tropas deveriam deixar o Afeganistão em maio, mas Biden postergou o prazo para o fatídico 11 de setembro deste ano. Depois, o adiantou para 31 de agosto, mas o Taleban aproveitou a deixa, disse que o acordo havia sido rompido e abandonou a promessa de não buscar a vitória militar.

A partir da sexta (6), as cidades caíram em dominó. Evitando deixar o norte do país como bolsão de resistência como nos anos em que governou, de 1996 a 2001, o Taleban investiu primeiramente na região de maioria étnica tadjique e uzbeque.

As regiões fronteiriças já estavam em mãos talebans, tanto que a Rússia virtualmente militarizou o seu aliado Tadjiquistão ao enviar forças para um exercício, evitando assim o transbordamento do conflito.

O sul e o sudoeste, áreas tradicionalmente associadas ao Taleban por serem majoritariamente da etnia do grupo, a pashtun, vieram a seguir. No sábado, 14, caiu o bastião noroeste de Mazar-i-Sharif e, nas primeiras horas do domingo, Jalalabad, a cidade que liga Cabul à fronteira do Paquistão.

Com isso, o Taleban entrou na capital. Apesar de alguns tiroteios relatados na madrugada, não houve a violência registrada nos cercos a cidades como Herat e Kashkar Gah.

Membro do Taleban na cidade de Gázni, no Afeganistão
Membro do Taleban na cidade de Gázni, no Afeganistão – Reuters

“Eles entraram com caminhonetes com metralhadoras .50 na caçamba. Muita gente foi para a rua, mas minha família está trancada em casa. Não sei o que vai acontecer”, disse à Folha Salem, funcionário do Ministério das Relações Exteriores. Ele, que é tadjique étnico, não tem para onde fugir.

“Falaram no ministério que o Taleban iria manter todo mundo empregado e que não haveria retaliações. Eu tenho dúvidas”, afirmou. Houve relatos de massacres de colaboradores ocidentais em algumas das cidades tomadas na ofensiva deste ano, como Spin Boldak.

Ghani viu comandantes militares fugirem da cidade, notadamente o poderoso senhor da guerra uzbeque Abdul Rashid Dostum —personagem da vida militar e política afegã desde os tempos da ocupação soviética (1979-89).

O presidente chegou a se encontrar com o enviado americano para a região, Zalmay Khalilzad. Ainda é nebuloso se haverá algum tipo de negociação com o que sobrou de seu governo.

Os talebans, segundo agências internacionais, prometeram livre saída para quem quiser deixar a cidade. A questão óbvia é: para onde, já que o resto do País está tomado pelo grupo?

A VOLTA DO TALEBAN AO PODER

1994 Grupo fundamentalista islâmico é criado no norte do Paquistão após a retirada das tropas da antiga União Soviética do Afeganistão, País fronteiriço

1996 Após confrontos com outras facções, os combatentes capturam Cabul, capital afegã, derrubam o regime do então presidente, Burhanuddin Rabbani, e instituem o Emirado Islâmico do Afeganistão

2001 Depois de cinco anos no poder, o regime colapsa com os ataques de uma coalizão militar liderada pelos EUA; os americanos alegavam que o Taleban dava proteção à rede terrorista Al Qaeda, que realizou os ataques de 11 de setembro ao World Trade Center

2012 Se organizando no exterior, principalmente no Paquistão, o grupo realiza um dos ataques de maior repercussão internacional: atira na estudante paquistanesa Malala Yousafzai, então com 14 anos, que se opunha publicamente ao Taleban

2020 Em fevereiro, grupo assina um acordo de paz histórico com os EUA, cujas tropas estavam no Afeganistão desde 2001, para tentar colocar fim a um conflito de quase 20 anos; em outubro, o republicano Donald Trump, então presidente, anuncia a retirada das forças americanas

2021 Em maio , o presidente Joe Biden inicia a retirada efetiva das tropas americanas; em agosto, o Taleban lança sua mais forte ofensiva em anos no Afeganistão e, em menos de três semanas, captura novamente a capital, Cabul

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