Grupo fabrica pão sem glúten e cria produto mais palatável e com alto valor nutricional

Uma das receitas desenvolvidas na Unifesp combina farinha de grão-de-bico e psyllium, um tipo de fibra solúvel. Rico em nutrientes, o produto foi bem aceito por consumidores em pesquisas qualitativas ( Vanessa Dias Capriles/Unifesp)

Com informações da Agência Fapesp

SÃO PAULO – O glúten é um complexo de proteínas encontrado em cereais como trigo, centeio e cevada. É ele que possibilita que os pães tradicionais sejam moldados em diferentes formatos e, uma vez assados, se tornem ao mesmo tempo flexíveis e crocantes. É o glúten também que, em associação com aditivos conservantes, confere a esses produtos uma duração relativamente longa em temperatura ambiente.

A intolerância ao glúten tornou-se, porém, um fenômeno epidêmico e de escala global. Por isso, a substituição de pães e outros produtos convencionais por similares sem glúten constitui atualmente uma forte tendência de consumo. O problema é que a maioria das opções disponíveis no mercado está longe de corresponder àquilo que os consumidores esperam em termos de aparência, cheiro, gosto e durabilidade. Uma linha de pesquisa voltada para a melhoria desses produtos vem sendo desenvolvida pela nutricionista Vanessa Dias Capriles, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no campus da Baixada Santista.

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O trabalho da nutricionista conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio da linha de fomento Apoio a Jovens Pesquisadores e também pela concessão de Equipamento Multiusuário. A pesquisa já resultou na publicação de 14 artigos em periódicos especializados, o mais recente deles na revista Foods.

“Reconhecemos atualmente três condições para as quais se indica dieta sem glúten: a doença celíaca, a alergia ao trigo e a sensibilidade não celíaca ao glúten. A doença celíaca é uma disfunção crônica, de origem genética, que afeta 1,4% da população mundial e pode desencadear distúrbios multissistêmicos, com complicações graves quando não tratada.

A alergia ao trigo é uma reação imunológica às proteínas desse cereal. Já a sensibilidade não celíaca ao glúten é uma condição que tanto pode ser provocada pelo glúten como por outros componentes do trigo, como os carboidratos rapidamente fermentáveis. Ao contrário da doença celíaca, não configura uma condição autoimune e seus sintomas, embora muitas vezes parecidos, não estão relacionados com complicações tão graves”, informa Capriles.

Tendência global

Para atender aos portadores dessas condições, mas também a um número muito maior de consumidores que, por motivos de saúde ou por mero modismo, resolveram eliminar, total ou parcialmente, o glúten de suas dietas, o mercado de alimentos sem glúten apresentou um crescimento espetacular, transitando de um pequeno nicho para uma tendência global.

“Mas o desenvolvimento desses produtos ainda constitui um grande desafio tecnológico. O pão elaborado com farinha de trigo tem importância milenar na alimentação humana. E as impressões sensoriais que ele provoca estão profundamente arraigadas nos padrões e hábitos das pessoas. Por isso é tão importante elaborar versões melhoradas desses produtos, pois as pesquisas mostram que os consumidores estão insatisfeitos com as características de aparência, odor, sabor, variedade e praticidade dos produtos atualmente disponíveis no mercado”, comenta Capriles.

Segundo a pesquisadora, além da qualidade sensorial deficiente, os pães sem glúten frequentemente apresentam pobre composição nutricional. “De modo geral, eles são elaborados com amidos refinados, como a farinha de arroz combinada com os amidos de milho, batata e mandioca. Apresentam baixos níveis inerentes de fibras alimentares, proteínas, vitaminas e minerais e maior teor de gordura. Em poucos países esses produtos são enriquecidos com micronutrientes”, afirma.

A pesquisa realizada na Unifesp buscou atender simultaneamente a três objetivos: melhorar o valor nutricional agregado, aumentar a aceitabilidade pelos consumidores e buscar soluções com viabilidade tecnológica.

“Utilizando diferentes técnicas de criação e otimização de produtos, conseguimos obter mais de 15 formulações que consideramos ótimas. São produtos que contêm de 50% a 100% de farinha integral sem glúten em sua composição e, por isso, apresentam um alto teor de fibras e maiores porcentagens de proteínas, vitaminas e minerais. Pesquisas qualitativas que fizemos com grupos de consumidores mostraram que os nossos pães integrais sem glúten tiveram aceitabilidade comparável à do pão elaborado com farinha de trigo”, conta Capriles.

O grupo pesquisou diferentes matérias-primas: farinhas integrais de cereais, como arroz, sorgo e milheto; de pseudocereais, como amaranto, quinoa e trigo sarraceno; e de outros vegetais, como grão-de-bico, feijão e pinhão. Outro foco do trabalho foi a incorporação de fibras alimentares na formulação. Dentre estas, destacou-se, pelos bons resultados, o psyllium.

Fibra solúvel

O psyllium é um material extraído da casca das sementes do arbusto Plantago ovata. Cada 100 gramas dele fornecem 80 gramas de fibra solúvel. Como é higroscópico, ou seja, absorve água, ele aumenta muito de volume em contato com líquidos, se expande e forma uma massa gelatinosa. Essas características o transformaram em uma espécie de “bola da vez” no campo dos chamados nutrientes funcionais, sendo indicado como coadjuvante no tratamento de várias doenças, de constipação intestinal a diabetes e aterosclerose.

“Chegamos a produzir um pão com 17% de psyllium. E a capacidade de agregar água possibilitou que a massa fosse moldada em diversos formatos, como ocorre com os pães de farinha de trigo convencionais, e não apenas como pão de forma. Em estudos mais recentes, associamos psyllium com farinha de grão-de-bico, obtendo resultados surpreendentes. Além da alta aceitabilidade e da rica composição nutricional, o novo produto destaca-se pela baixa resposta glicêmica [eleva pouco a glicemia na circulação] e pelo aumento do índice de saciedade em indivíduos saudáveis. Outro aspecto muito interessante é que ele manteve sua aceitabilidade mesmo após sete dias de armazenamento a temperatura ambiente”, destaca Capriles.

O próximo passo idealizado pela pesquisadora é firmar parcerias com o setor produtivo para transferir a tecnologia desenvolvida, bem como realizar novas pesquisas e desenvolvimento em colaboração.

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