Idealizador de cerimônia das Olimpíadas nega zombar de Cristianismo; especialistas dizem que Jesus andava com excluídos


28 de julho de 2024
Idealizador de cerimônia das Olimpíadas nega zombar de Cristianismo; especialistas dizem que Jesus andava com excluídos
Apreciação à cultura Queer durante a abertura das Olimpíadas 2024 (Reprodução/Jeux Olympiques/Redes Sociais)
Carol Veras – Da Cenarium

MANAUS (AM) – A presença de pessoas LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual) em uma possível representação da Santa Ceia durante a abertura das Olimpíadas 2024, na sexta-feira, 26, continua causando polêmica nas redes. De um lado, críticas de religiosos e cristãos ao que consideraram uma “deturpação” da imagem. Do outro, a celebração da diversidade e inclusão de pessoas marginalizadas naquele momento, conforme observaram especialistas.

A representação foi criada com a ajuda de ícones da comunidade LGBTQIAPN+, caracterizados com vestes que remetem a um conceito divino. Havia um DJ no lugar que seria de Jesus e drag queens atuando como apóstolos. A encenação foi associada pelos espectadores à pintura da “A Última Ceia”, obra do italiano Leonardo da Vinci. O diretor artístico da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, Thomas Jolly, no entanto, afirmou que a obra não foi sua inspiração.

O diretor negou, neste domingo, 28, ter zombado do cristianismo durante o espetáculo. Ele citou que a ideia era remeter a figuras gregas. “Você nunca encontrará da minha parte nenhum desejo de zombar, de desmerecer nada. Quis fazer uma cerimônia que reparasse, que reconciliasse. Também que reafirmasse os valores da nossa República”, afirmou Jolly.

A porta-voz dos Jogos Olímpicos de Paris, Anne Descamps, também comentou sobre o episódio. “Claramente nunca houve a intenção de demonstrar desrespeito a qualquer grupo religioso. Ao contrário, eu penso como Thomas Jolly. Realmente tentamos celebrar a tolerância comunitária”, disse.

Olhando para o resultado das pesquisas que fizemos, acreditamos que essa ambição foi alcançada. Se as pessoas se sentiram ofendidas, estamos, é claro, realmente sentimos muito”, acrescentou ela, em coletiva de imprensa neste domingo.

Nas redes, internautas fizeram referência ao quadro “Le Festin Des Diex” (1635), do pintor renascentista Jan van Bijlert. Ainda na sexta-feira, 26, o perfil oficial dos Jogos Olímpicos no X (antigo Twitter) explicou que a cena remetia à Grécia antiga.

Segundo a publicação, “a interpretação do deus grego Dionísio destaca a insensatez da violência entre os humanos”. Portanto, o personagem central não era Jesus, mas sim o deus Dionísio, retratado pelo ator Philippe Katerine.

Representação da obra renascentista “Le Festin Des Diex”, do pintor Jan van Bijlert (Reprodução)
Análise

Especialistas negam a intenção pejorativa da manifestação cultural. O historiador Cleomar Lima criticou, à CENARIUM, a hipocrisia na percepção religiosa sobre arte: “Não nos esqueçamos que a Santa Ceia é de Leonardo Da Vinci. Essa é uma visão Renascentista de um pintor, onde ele recebeu uma encomenda de um líder religioso de uma abadia na Itália. É uma retratação“, comenta à CENARIUM.

“A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci.

O pesquisador também assegura que a representação foi bem colocada pela comunidade Queer, por condizer com uma parte da sociedade que não possui espaço de fala entre a maioria: “Jesus foi discriminado e vivia com pessoas que eram discriminadas. Maria Madalena era discriminada. Qual é a diferença de drag queens em relação a Maria Madalena ou outros que viviam com Jesus? Jesus não viveu no meio de pastores”, ressalta Lima.

Apreciação à cultura Queer durante a abertura das Olimpíadas 2024 (Reprodução/Jeux Olympiques/Redes Sociais)

O professor doutor em Educação Rapha Alves relembra, nas redes sociais, que a cultura pop recria frequentemente a obra de Da Vinci que representa a Santa Ceia para provocar a sociedade a refletir sobre como o discurso religioso tem se perpetuado:

“Essas representações todas servem para dizer que a versão cristã ocidental adotou uma postura que segrega as pessoas, tomando como base uma interpretação parcial e tendenciosa da Bíblia. Quando você refaz a Santa Ceia com pessoas negras, mulheres, refugiados, deficientes ou LGBTQIAPN+, você alerta as pessoas sobre um aspecto que tem ficado cada vez mais de lado: Jesus andou com pessoas excluídas e marginalizadas. Ele não andava com ricos, tanto que foi vítima de um sistema político que o enxergava como inimigo exatamente por questionar a maior estrutura de poder da sua época“, comenta em uma postagem na página Seremos Resistência, no Instagram.

Leia também: Museu Bajubá lança mapa interativo do patrimônio cultural LGBTQIAPN+
Críticas

A Conferência Episcopal Francesa (CEF) condenou no sábado, 27, o que considera “cenas de escárnio e zombaria do cristianismo”. Após a cerimônia transmitida mundialmente, religiosos criticaram a decisão artística.

Em um comunicado de imprensa divulgado no dia seguinte à cerimônia de abertura dos Jogos, a CEF elogiou os “momentos maravilhosos de beleza, alegria e emoção”, mas também expressou preocupação pelos “cristãos de todos os continentes que se sentiram feridos pelo excesso e pela provocação de certas cenas”, afirma em nota. “ Desejamos que eles compreendam que a celebração olímpica vai muito além dos preconceitos ideológicos de alguns artistas”, continuou.

Reproduções

Outras reproduções já foram realizadas sem alarde da comunidade religiosa. A saga de quadrinhos brasileira Turma da Mônica também fez parte de uma pintura inspirada na obra de Da Vinci.

Turma da Mônica (Reprodução/Maurício de Souza)

A série de televisão americana “Lost” também recriou a cena da Santa Ceia em um dos pôsteres de divulgação, trazendo uma nova interpretação da tela de Da Vinci.

Pôster de Divulgação da Série Lost (Reprodução/Redes Sociais)
Editado por Marcela Leiros
Revisado por Gustavo Gilona

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