Indígena denuncia pressões e destruição com expansão da Ferrogrão
Por: Fabyo Cruz
23 de outubro de 2024
BELÉM (PA) – A construção da Ferrogrão (EF-170), ferrovia planejada para ligar Sinop (MT) a Itaituba (PA), é alvo de críticas e preocupações por parte de comunidades indígenas e tradicionais da região. A liderança indígena Munduruku do Médio Tapajós (PA) Alessandra Korap alertou para os impactos já sentidos pelas populações locais, mesmo antes do início das obras. À CENARIUM, Korap denunciou a expansão dos portos graneleiros e a pressão sobre pequenos proprietários de terras ao longo do trajeto previsto para a ferrovia.
A liderança afirma que a construção de portos próximos a Itaituba e Marituba tem causado degradação ambiental significativa, com a conivência da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Além disso, a liderança Munduruku denuncia a pressão que comunidades e proprietários de terras sofrem para vender suas propriedades a preços irrisórios, sob a ameaça de que a ferrovia será construída de qualquer forma.
“A Ferrogrão é para carregar uma quantidade enorme de soja. Empresas internacionais como Cargill e Bung estão por trás desse projeto, financiadas por bancos mundiais. Para eles, a nossa vida não vale nada”, afirmou Korap.

As críticas da liderança se ampliam para o contexto global das mudanças climáticas, ressaltando que projetos como a Ferrogrão não consideram os impactos ambientais de longo prazo. “Enquanto o mundo se preocupa com as mudanças climáticas, a Ferrogrão é vista como uma solução, mas para nós, povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, é uma ameaça, uma destruição”, lamentou.
Recomendação de suspensão
Na última segunda-feira, 21, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recomendou ao governo federal a suspensão de todos os atos administrativos relacionados ao projeto da Ferrogrão. O documento foi elaborado pela Aliança Contra a Ferrogrão e fundamenta-se em preocupações quanto às violações de direitos humanos e impactos socioambientais que a ferrovia pode causar.
A recomendação do CNDH inclui a exigência de que sejam realizadas consultas prévias, livres e informadas com as comunidades afetadas, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O órgão também solicita o tombamento do sítio arqueológico de Santarenzinho, sagrado para o povo Munduruku, e a homologação da Terra Indígena Sawré Muybu, localizada na região que será impactada pela obra.
Outras medidas sugeridas pelo conselho incluem a inclusão de avaliações socioambientais no planejamento de grandes infraestruturas e o combate à grilagem de terras e ao crime organizado na região da BR-163.
Pressão das comunidades
Para Alessandra Korap, a atuação do Conselho Nacional de Direitos Humanos é essencial para pressionar o governo em relação à proteção ambiental e aos direitos dos povos indígenas. No entanto, ela questiona se o governo está cumprindo seu papel. “Sabemos que o STF não está respeitando nossos direitos e que essas empresas internacionais violam nossos territórios. Para elas, a soja vale mais que a vida de uma floresta em pé”, declarou.

Korap reforça a necessidade de consultas verdadeiras com as comunidades afetadas, sem pressões ou manipulações. “O governo precisa respeitar os protocolos de consulta de cada povo. São mais de 20 protocolos diferentes, envolvendo quilombolas, pescadores, extrativistas e indígenas. Se o governo não respeitar, nós vamos continuar pressionando”, ressalta.
A liderança Munduruku faz, ainda, um apelo à conscientização sobre as mudanças climáticas e a preservação do meio ambiente. Para ela, os impactos ambientais afetam a todos, inclusive os mais ricos, e é fundamental que o Conselho e a sociedade como um todo pressionem para que esses projetos não avancem sem as devidas precauções. “Se a nossa vida não vale nada, a floresta também não vale. E o planeta também não”, destaca.