Indígena faz história e conclui mestrado em Direito na UFSC por sistema de cotas


Por: Cenarium*

26 de agosto de 2025
Indígena faz história e conclui mestrado em Direito na UFSC por sistema de cotas
O pesquisador Jafé Ferreira de Souza, 32, durante cerimônia de seu mestrado em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); ele foi orientado pelo professor doutor Diego Nunes (com o capelo na mão) e tratou de questões de seu povo, os Sateré-Mawé, em seu estudo (Gustavo Diehl/UFSC/Divulgação)

MANAUS (AM) – Um alento para povos originários que enfrentam carência de unidades de ensino e de profissionais adequados e que respeitem suas práticas e tradições chega do Sul do País. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) acaba de dar seu primeiro título de mestre em direito a um estudante indígena que valeu-se do sistema de cotas da instituição tanto na graduação como na pós-graduação em sua formação.

O mestre Jafé Ferreira de Souza, 32, escolheu seu povo de origem, os Sateré-Mawé, da região amazônica, para seu estudo, uma sequência de sua pesquisa de conclusão de curso da faculdade de direito. Ele argumenta que a comunidade tem um sistema de normas autônomo e milenar, com legitimidade jurídica que dialoga com o Estado brasileiro.

Este título não é apenas meu, mas de toda uma coletividade que rompe barreiras históricas de exclusão. É um ato de resistência, mas também de proposição, apontando para um futuro de igualdade. A conclusão do meu mestrado é a materialização do direito fundamental à educação diferenciada e de qualidade”, afirma Jafé.

Um homem indígena está sentado em uma mesa, usando um cocar colorido feito de penas. Ele está vestido com uma camisa cinza e gesticula com a mão direita enquanto olha para a frente. Ao fundo, há um computador portátil e uma tela, além de uma cortina azul ao fundo.
O estudante Jafé Ferreira de Souza, primeiro indígena a se tornar mestre em direito pelo sistema de cotas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), durante cerimônia de avaliação de sua dissertação – Gustavo Dieh/Divulgação/UFSC

Ele considera seu feito “um marco que reafirma a capacidade dos povos indígenas de transitar com excelência entre seus sistemas tradicionais de conhecimento e o saber acadêmico ocidental, sem renunciar à identidade cultural”.

A política de ações afirmativas da UFSC entrou em vigor no vestibular de 2008, com reserva de vagas para estudantes de escolas públicas, negros e indígenas.

As cotas na pós-graduação começaram a ser aplicadas em 2020. Os programas precisam destinar, ao longo de um ano, no mínimo, 20% de suas cadeiras a negros e indígenas, 6% para pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis, e 2% para pessoas trans.

De acordo com o Censo IBGE, o Brasil tinha quase 1,7 milhão de pessoas indígenas em 2020 que estão distribuídas em 8.568 localidades, 60% delas no Norte do País.

Já os dados do Censo do Ensino Superior de 2023 indicam que 0,4% dos estudantes ingressantes se declaravam indígenas, o mesmo percentual dos concluintes. Os dados mostraram também que professores indígenas declarados eram 0,2%.

A banca do pesquisador, que usou cocar em sua apresentação, contou com a avaliação do secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Luiz Henrique Eloy Amado.

O orientador do estudo, Diego Nunes, doutor pela Universidade de Macerata, na Itália, disse que o trabalho foi muito relevante na busca por uma ponte entre a tradição jurídica ocidental e o saber tradicional. Ele também entende a política de cotas como fundamental.

“As ações afirmativas não servem apenas para proporcionar que grupos vulneráveis socialmente tenham acesso ao saber universitário; elas servem também para que o mundo acadêmico possa se transformar e aprender com os saberes tradicionais.”

Jafé é enfático ao dividir sua conquista com o coletivo acadêmico Antimorosofia, que deu a ele suporte em várias frentes, “desde auxílio financeiro e orientação terapêutica, até apoio psicológico e acompanhamento constante ao longo dos momentos mais desafiadores da jornada”.

A trajetória do acadêmico, que saiu da região de Parintins (AM) para seus estudos em Florianópolis (SC), onde buscava uma faculdade de referência —a UFSC é 11º em direito no RUF de 2024—, passou por enfrentamentos de preconceito e incompreensão de direitos.

As barreiras funcionaram como estímulo para qualificar a argumentação, fortalecer redes de apoio e aprimorar estratégias. O processo demandou paciência, escuta e construção de pontes, sem abrir mão da identidade e dos princípios. Hoje, vejo essa trajetória como um laboratório vivo de negociação, aprendizado e afirmação”.

O pesquisador já prepara seus próximos passos. Quer fazer doutorado e tentar carreira na magistratura.

“Não se trata apenas de um projeto acadêmico ou de uma ambição profissional, mas de um compromisso com a atuação estratégica nas instituições, buscando aprimorar a aplicação do direito e fortalecer o Estado democrático de Direito”.

Para o pesquisador, “um doutorado servirá como base teórica sólida, enquanto a possível carreira na magistratura abrirá espaço para decisões transformadoras e socialmente relevantes para enfrentar estruturas consolidadas com o propósito de garantir justiça efetiva e dignidade às pessoas e comunidades”.

(*) Com informações da Folhapress

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