Indígena Pataxó, Noah Álef desponta no mundo da moda, após vender rifas em busca do sonho

Descoberto por meio das redes sociais, o jovem indígena se prepara para dar passos largos na carreira de modelo (Divulgação/Instagram)

Luciana Bezerra — Da Revista Cenarium

MANAUS — O ex-pintor Noah Álef, de 20 anos, índio da etnia Pataxó, é a nova aposta masculina da Way Model. O jovem indígena de família humilde trocou a periferia de Jequié, no Sul da Bahia, onde morava, para modelar na cidade de São Paulo. Foi com parte da aposentadoria do avô, Manuel Damasceno, ajuda de outros familiares e a venda de rifas que o modelo conseguiu comprar as passagens e seguir em busca dos seus sonhos na terra da garoa.

O jovem indígena teve problemas de autoestima por conta das chacotas sobre sua altura, na adolescência (Divulgação/ Instagram)

A história de Noah não se diferencia da de inúmeros meninos e meninas de periferias brasileiras que sonham em ser modelos e brilhar em passarelas mundo afora, mas por não terem recursos acham que o sonho nunca sairá do imaginário. Contudo, a beleza brasileira com traços fortes de uma miscigenação proveniente de diversas etnias e nacionalidades vem ganhando destaque cada vez mais em meio a um movimento crescente de luta por diversidade e representatividade, principalmente, no mundo da moda, na frente e por trás das lentes.  

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Na terça-feira, 22, Noah Álef contou sua história à REVISTA CENARIUM. De acordo com o jovem Pataxó, o sonho de se tornar modelo surgiu de um insight [clareza, estalo, ideia, em português], quando ele tinha 14 anos. O modelo lembrou que durante sua adolescência era motivo de piada entre os amigos por causa da sua altura, das pernas finas e do corpo esbelto e curvilíneo.

Noah chegou a trabalhar como pintor para arrecadar recursos e aplicar na carreira de modelo (Divulgação/ Instagram)

Na época, ele chegou a ficar com a autoestima baixa em decorrência dos diversos apelidos recebidos ao longo da sua adolescência. Aliás, segundo ele, as chacotas sempre vinham acompanhadas de uma imitação sem graça e ofensiva, todavia o que incomodáva-lhe um pouco era ser chamado de “canela de sabiá”.  

“Eu tinha um problema de autoestima, não me achava bonito e jamais imaginaria que um indígena conseguisse chegar a esse nível. pois não conhecia nenhum que atuava nessa área”, assinala o jovem.

Hoje, o modelo de origem indígena de 1,85, ri disso tudo. Segundo ele, foram essas zombarias de criança sobre sua altura e seu aspecto físico que o motivaram a seguir o caminho da moda. Aos 19 anos, o jovem Pataxó chamou sua mãe e disse que havia decidido a profissão que iria seguir. Segundo Noah, no início, ela recuou da ideia, mas depois apoiou o filho em definitivo.

“No início, minha mãe ficou desconfiada, sabe como é o pensamento de quem mora no interior. Sempre acha que há perigo ou que algo de ruim ia acontecer comigo. Hoje, ela é a minha fã número um e apoia todas as minhas decisões”, explica.

Diferentemente de seus antepassados, Noah não nasceu em uma aldeia. No entanto, sua característica marcante de traços indígenas, pele morena de tonalidade única, cabelo negro liso, sorriso largo, olhos castanhos claros e uma beleza exótica despertou o interesse do scouter [olheiro] Vivaldo Marques, especialista em revelar new faces [novos rostos, em português], no mundo fashion brasileiro.

O Jovem Pataxó vem se preparando para seguir na nova profissão de modelo (Divulgação/Instagram)

Descoberta

Em um bate-papo descontraído com a nossa equipe, Noah já foi se desculpando pelo nervosismo, pois, segundo ele, essa seria a segunda entrevista que ele daria como modelo à imprensa [risos]. “Desculpa, mas ainda estou me acostumando com isso. Ontem, foi minha primeira entrevista e eu estava muito nervoso, hoje, estou um pouco mais confiante, porém, nervoso”, brincou ele, que está aproveitando o período de isolamento social para estudar inglês e se preparar  para a nova fase de sua vida. 

Sua história começou quando o jovem Pataxó desembarcou em São Paulo, em fevereiro passado, decidido a bater de porta em porta nas agências de modelo e deixar suas fotos. No entanto, a pandemia de Covid-19 freou sua caminhada em solo paulistano, levando-o de volta a Jequié, no final de março, sem ter sido chamado por nenhuma agência de modelos.

“Na minha cidade não tem nenhuma agência de modelo, inclusive fui enganado por uma que se intitulava agência. Por isso, após concluir o ensino médio, vendi uma bicicleta, um computador e passei a vender rifa para juntar de dinheiro para tentar meu sonho de modelo em São Paulo”, relembra o modelo. 

De volta ao lar, Noah passou a morar com seus avós para dar suporte a eles neste período de pandemia. Neste ínterim, o Vivaldo viu suas fotos por meio do Instagram e mandou-lhe uma mensagem, conversaram e em agosto o jovem indígena foi apresentado ao Anderson Baumgartner, diretor da Way Model, uma das maiores agências de modelos do Brasil, responsável por gerenciar a carreira de beldades consagradas internacionalmente como Alessandra Ambrósio, Carol Trentini, Sasha Meneghel, entre outras.  

Origem

Apesar da sua ascendência indígena, o jovem Pataxó não tem contato com seus antepassados. Na sua cidade, trabalhou como empacotador numa fábrica de camisas e auxiliar de pintor. Segundo ele, parte de sua família trabalha com costura e parte com pintura.

No entanto, o modelo pretende usar a nova profissão como ferramenta para buscar mais representatividade à população indígena: “Quero que nossos traços e raízes sejam mais valorizados, poder dar visibilidade ao meu povo por meio da moda, chamando atenção para os problemas que enfrentamos”, afirma. 

Hoje a mãe do modelo é sua principal apoiadora do seu trabalho (Divulgação/ Instagram)

Sobre o preconceito e a falta de oportunidades vividas pelos indígenas, o jovem Pataxó enfatiza. “Temos muito medo do preconceito. Não tem muitos indígenas no mercado e quero que a minha história sirva de inspiração para outros meninos e meninas indígenas que sonham em ser modelo ou em ter outra profissão. As pessoas precisam deixar os estereótipos de lado, por serem negros ou indígenas e buscarem o seu sonho com confiança e mostrar a beleza originária brasileira”.

O jovem indígena não apoia nenhum grupo ativista, mas está atento aos problemas que seus parentes indígenas estão passando nas aldeias, principalmente na Amazônia e Pantanal. “Quero aproveitar esse espaço para dizer que há milhares de índios sendo dizimados pela Covid-19 nas áreas indígenas de todo o Brasil. Além, de ter índios morrendo para conter o fogo no Pantanal”.

Carreira

De acordo com Thiago Bunduky, representante da Way Model, o modelo já assinou contrato com a Way, porém, sua mudança em definitivo para São Paulo está prevista até dezembro deste ano. No entanto, as fotos do modelo já estão sendo apresentadas para o casting das marcas e campanhas.

“A ideia é trazê-lo para São Paulo até o fim do ano, obviamente, seguindo todos os protocolos de segurança. Mas, já estamos oferecendo o book dele para as campanhas das marcas e desfiles”, conclui Bunduky.

Outro sonho de Noah é se tornar cirurgião-dentista, sonho que ele pretende realizar por meio da carreira de modelo (Divulgação/ Instagram)

“O sonho de todo modelo é entrar para Way. No início eu não conhecia nada da agência e também não acreditava em mim. Mas o meu scouter disse que antes de tudo eu precisa ter confiança e seguir em frente. Afinal, o sonho de todo modelo é trabalhar para grandes marcas, capas de revistas, grandes desfiles, viajar mundo afora exercendo a profissão e trabalhar em grandes agências assim como a Way, além de conhecer novas culturas e países”, finaliza Noah que tem como inspiração a modelo Gisele Bundchen.

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