Indígenas interceptam embarcações no Rio Tapajós em protesto antes da COP30
Por: Cenarium*
07 de novembro de 2025
BELÉM (PA) e MANAUS (AM) – Enquanto líderes globais debatem sobre clima em Belém (PA), mais de 300 indígenas e movimentos sociais realizaram, nesta sexta-feira, 7, o 8º Grito Ancestral no Rio Tapajós (PA). A ação ocorreu dentro do Território Tupinambá, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, e incluiu uma intervenção direta e pacífica em barcaças que transportam cargas, em protesto contra o avanço das hidrovias do Arco Norte e do projeto da Ferrogrão (EF-170).
Ao longo de cerca de cinco horas, quatro embarcações de apoio e seis lanchas ocuparam a área de navegação e cercaram três comboios de barcaças, enquanto lideranças subiam nas estruturas com faixas com os dizeres: “Ferrogrão Não”, “Comida sem veneno” e “O agro passa, a destruição fica”. O ato transcorreu sem confronto, com caráter público e pacífico, e marcou de forma enfática a denúncia dos povos do Cerrado e Amazônia sobre os impactos da rota de exportação de grãos sobre o rio, a pesca, o território e a vida comunitária.

“O Grito Ancestral é o nosso recado aos líderes do mundo. Não queremos que nossos biomas sejam vistos só como mercado, como corredor de soja, porto ou ferrovia. Queremos que vejam os povos que estão aqui há séculos, cuidando da floresta e do rio. Preservar o Tapajós é condição para qualquer compromisso climático sério”, diz Marília Sena, liderança Tupinambá.
Tapajós no centro das hidrovias
O protesto acontece em um dos rios mais estratégicos da agenda de infraestrutura brasileira. O rio Tapajós nasce no Mato Grosso, corta o Pará e deságua no rio Amazonas, próximo a Santarém. Sua bacia representa cerca de 6% das águas da bacia Amazônica e abriga povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhas e unidades de conservação, como a Resex Tapajós-Arapiuns e a Floresta Nacional do Tapajós. Apesar disso, o rio se tornou alvo de sucessivos projetos de portos, hidrovias e terminais privados.
O Tapajós está entre os rios incluídos no Decreto 12.600/2025, que integra o plano federal de hidrovias do Arco Norte, voltado ao escoamento de commodities agrícolas até os portos de Santarém, Itaituba/Miritituba, Barcarena e região. Paralelamente, o projeto da Ferrogrão (EF-170), desenvolvido a partir dos interesses de grandes tradings como Cargill, Bunge, Amaggi, ADM e Louis Dreyfus, prevê uma ferrovia de 933 km entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), potencialmente multiplicando por até seis o volume de grãos exportados pela rota Tapajós até 2049, segundo estudos oficiais.

Para o povo Tupinambá e demais comunidades do Baixo Tapajós, isso significa intensificação do trânsito de barcaças, pressão por dragagens, risco de explosão de pedrais sagrados, aumento de poluição e conflitos, e avanço de empreendimentos licenciados sem consulta adequada.
“O que está em jogo é a privatização dos nossos rios”, resume Gilson Tupinambá, coordenador do Conselho Indígena Tupinambá (CITUPI). “O Tapajós, o Tocantins, o Madeira estão sendo transformados em corredores para soja e minério, enquanto nossas aldeias sofrem com água contaminada, menos peixe e mais violência.”
Governo sinaliza avanço da Ferrogrão após COP30
A mobilização ocorre no mesmo momento em que o governo federal volta a indicar que pretende retomar a Ferrogrão após a COP30, conforme noticiado pelo Valor Econômico. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) planeja concluir os estudos e enviá-los ao Tribunal de Contas da União (TCU), enquanto o Ministério dos Transportes fala em leilão em 2026 e em um “roadshow” internacional, incluindo a China, para apresentar o projeto a investidores.
Para Alessandra Korap Munduruku, “é uma contradição o governo falar em compromisso climático em Belém e, ao mesmo tempo, querer acelerar uma ferrovia pensada para baratear a exportação de soja, aumentar portos no Tapajós e pressionar ainda mais nossas terras. Se querem discutir o clima, têm que ouvir os povos que vivem onde esse trem e essas hidrovias querem passar“.

Povos do Baixo Tapajós cobram revisão de projetos e proteção dos territórios
Na semana que antecedeu o ato, durante visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à aldeia Vista Alegre do Capixauã, o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA) entregou um documento com as principais demandas dos 14 povos indígenas do Baixo Tapajós, que representam 15 territórios e 126 aldeias entre Santarém, Belterra e Aveiro.
A carta destaca a urgência na demarcação de terras indígenas (quatro em fase avançada), denuncia o aumento dos conflitos fundiários associados à soja, à Ferrogrão e às dragagens, e solicita a criação de um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) próprio e uma Coordenadoria Regional da FUNAI em Santarém. O documento alerta que a combinação entre hidrovias, ferrovia e portos privados “ameaça diretamente a vida dos povos indígenas e o equilíbrio do ecossistema regional” e pede a revisão do modelo de infraestrutura voltado exclusivamente à exportação de commodities.
Para o CITA, “não há solução climática possível enquanto rios amazônicos forem tratados apenas como corredores de grãos, e enquanto os povos do Tapajós seguirem sem consulta livre, prévia e informada”, em referência à Convenção 169 da OIT.
Saída da Caravana da Resposta: de Santarém à Belém
O 8º Grito Ancestral marca também a preparação para a próxima etapa da mobilização: no dia 8 de novembro (sexta-feira), a Caravana da Resposta inicia sua jornada fluvial de Santarém até Belém, com saída prevista às 17h30, reforçando o elo entre o protesto no Tapajós e a participação direta dos povos na COP30, na Cúpula dos Povos e na COP do Povo.

A jornada que começou de ônibus em Sinop (MT), em 4 de novembro, reúne centenas de lideranças e comunicadores populares em uma travessia que percorre a mesma rota utilizada pelo agronegócio para exportar soja, mas com outro propósito: defender o direito aos rios, denunciar violações e apresentar alternativas baseadas em agroecologia, soberania alimentar, proteção territorial e respeito às comunidades tradicionais.
Ao longo do percurso, estão previstas assembleias, plenárias, rodas de conversa e atividades culturais, com debates sobre hidrovias, Ferrogrão, dragagens, regulação europeia da cadeia da soja e demarcação de terras. Alimentos agroecológicos doados por redes camponesas e comunidades tradicionais abastecerão a cozinha solidária da Cúpula dos Povos em Belém.
