Indígenas planejam ocupar Funai no AM após denúncias de perseguição e ameaças


Por: Fred Santana

26 de outubro de 2025
Indígenas planejam ocupar Funai no AM após denúncias de perseguição e ameaças
Indígenas denunciam ameaças, perseguições e extração ilegal de carvão em terras indígenas em Tapauá (Reprodução: Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

MANAUS (AM) – Lideranças indígenas aldeias localizadas no município de Tapauá (AM), distante 449 quilômetros de Manaus, afirmaram à CENARIUM que pretendem ocupar a sede da Unidade Técnica Local (UTL) da Funai no município ainda esta semana. A reportagem apurou que cerca de 23 comunidades estão revoltadas com o silêncio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) diante de denúncias de ameaças, perseguições e extração ilegal de carvão em terras indígenas na região do Rio Purus.

As acusações recaem sobre Luciana Brandete da Silva, coordenadora da Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai em Tapauá, apontada por caciques e tuxauas como responsável por abusos e omissões. O caso está sendo acompanhado pela Justiça Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF). A situação já havia sido denunciada pela CENARIUM em julho deste ano.

De acordo com o tuxaua Wanderley Souza Silva Apurinã, representantes das aldeias se reuniram em abril deste ano e decidiram pedir, em ofício encaminhado à Funai, a exoneração de Luciana Brandete e a nomeação de Geovan Leôncio de Oliveira como novo coordenador da unidade da instituição na região.

O pedido foi encaminhado oficialmente ao coordenador regional de Lábrea, Samuel Barreto, mas, segundo os indígenas, nunca houve resposta. “A Luciana vinha fazendo uso e abuso de autoridade, perseguição, nunca apresentou projeto para as aldeias e só ajudava as [aldeias] que apoiavam ela”, declarou Wanderley.

O tuxaua conta que, em reunião realizada em Manaus com a presidente da Funai, Joênia Wapichana, as lideranças apresentaram documentos, vídeos e denúncias de agressões contra caciques. “Mostramos o vídeo do cacique apanhando, mostramos boletins de ocorrência [registrados na Polícia Civil do Amazonas], e mesmo assim nada foi feito. A Joênia disse que era para trocar, mas a Funai ficou calada”, disse.

Joenia Wapichana esteve em Manaus em setembro de 2025 (Mayra Wapichana/Funai)
Ameaças, agressões e registro policial

A situação se agravou com o registro de um boletim de ocorrência, datado de 6 de outubro de 2025, na Polícia Civil do Amazonas (PC-AM). O documento relata que a gestora da Funai teria ameaçado lideranças dizendo que “o que é deles está guardado e que vai ter volta”, e que “daqui a pouco vão estar com a boca cheia de formiga”.

Segundo o tuxaua, as ameaças fazem parte de uma estratégia de intimidação. “A Luciana está conivente com o corte de madeira e a fabricação de carvão dentro da reserva. Ela está ganhando em cima disso. Tenho boletim de ocorrência, vídeos e documentos. Queremos que a Funai tome providência”, afirmou.

Um boletim de ocorrência foi registrado na Polícia Civil do Amazonas (Reprodução)

Outros moradores confirmam o clima de tensão. Alisson Vasconcelos, casado com um indígena Apurinã e representante da Aldeia Arara Azul, gravou vídeo enviado à CENARIUM relatando perseguição: “Ela anda nos perseguindo diretamente. Não podemos andar na rua nem ir para a aldeia com medo de acontecer alguma coisa conosco. Pedimos ajuda porque temos medo do que possa nos acontecer”, afirmou.

Justiça Federal cobra explicações

A disputa também chegou à 9ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Amazonas, por meio do processo 1018614-97.2025.4.01.3200, movido por lideranças indígenas contra a Funai e o coordenador Samuel de Lima Barreto.

No despacho de 14 de maio de 2025, a juíza determinou que a Funai apresentasse informações no prazo de dez dias e que o MPF se manifeste sobre o caso. O processo pede a substituição de Luciana Brandete e o reconhecimento da assembleia que elegeu Geovan Leôncio.

Indígenas anunciam invasão

Enquanto aguardam resposta, as lideranças afirmam que chegaram ao limite. “A Funai teve prazo, mas ficou empurrando com a barriga. A gente quer apenas respeito e que a decisão da assembleia seja cumprida”, disse Wanderley.

Lideranças alertam que Terras Indígenas em Tapauá estariam sendo palco para práticas de crimes (Imagem encaminhada à CENARIUM)

Em tom de desabafo, o tuxaua voltou a se manifestar e prometeu que as lideranças vão agir, uma vez que estão cansadas de esperar uma ação do governo federal. “Estamos esperando os parentes chegarem das aldeias. O caso é sério e grave do carvão em terras indígenas. Chega de tanta ameaça dela (Luciana Brandete da Silva)”, declarou à reportagem.

Segundo ele, a ocupação da sede da Funai em Manaus acontecerá ainda esta semana, caso o órgão não anuncie medidas concretas. A CENARIUM procurou a assessoria da Funai para se posicionar sobre o assunto, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.

Associação contesta denúncias e declara apoio à gestora

Após a divulgação das denúncias, a Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA), que representa sete comunidades Paumari do rio Tapauá, divulgou uma nota de esclarecimento afirmando que não concorda com as acusações contra a coordenadora da CTL/Funai de Tapauá, Luciana Brandete da Silva.

Segundo a entidade, a gestora “sempre demonstrou responsabilidade, atenção e compromisso com os povos indígenas do município, acompanhando de perto as ações no território, apoiando o manejo do pirarucu e outras cadeias produtivas sustentáveis, e mantendo diálogo permanente com as lideranças locais”.

A associação também declarou que as comunidades Paumari não foram consultadas antes da publicação das denúncias e que o número de “23 comunidades revoltadas” não corresponde à realidade. Para a AIPA, o movimento seria uma tentativa de “criar instabilidade e abrir espaço para a nomeação de pessoas de interesse próprio” no comando da coordenação da Funai em Tapauá.

A nota, assinada pela presidente Ana Paula Lima Reis, reafirma apoio e confiança no trabalho da atual gestão da CTL/Funai e da Coordenação Regional do Médio Purus, destacando a contribuição de ambas “para o fortalecimento da gestão territorial, o desenvolvimento sustentável e a valorização dos modos de vida dos povos indígenas da região”.

Leia mais: Indígenas pedem exoneração de gestora no Amazonas e apontam omissão da Funai
Editado por Jadson Lima

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