Índios brasileiros lutaram contra nazistas na Segunda Guerra Mundial

Venceslau Ribeiro (à direita); o indígena chegou ao posto de segundo sargento na FEB e lutou contra os nazistas na Itália durante a Segunda Guerra Mundial (Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército/ Divulgação)

Com informações da Folhapress

PORTO ALEGRE, RS – O calor e a paisagem verde das aldeias de clima tropical foram substituídos pelo branco da neve e um frio que chegava a -15°C em vilarejos italianos. Entre os cerca de 25 mil de soldados brasileiros que combateram as tropas nazistas de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) estavam dezenas de indígenas, de etnias como terena, cadiueu, kinikinau e guarani.

A história dos indígenas brasileiros que ajudaram os Aliados a derrotar as potências do Eixo ainda é pouco conhecida, mas tem sido resgatada. Outro exemplo de resgate da história é sobre a participação feminina, com as enfermeiras voluntárias.

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Os indígenas integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB), espalhados em diferentes divisões como infantaria, responsável por atacar e defender, e engenharia, com funções como desmontar armadilhas, desarmar minas e até abrir estradas.

O Brasil declarou guerra a Hitler em 1942, depois que 35 navios brasileiros foram atacados na costa brasileira e 32 afundaram, deixando centenas de mortos. Os soldados embarcaram para a Itália em 1944.

A FEB foi criada especialmente para enfrentar o nazismo no conflito que assolou o mundo. As tropas atuaram na Itália, onde venceram batalhas históricas, como as de Monte Castello e Castelnuovo. Após a derrota de Hitler, a FEB foi extinta pelo governo brasileiro de Getúlio Vargas.

Em plena ditadura do Estado Novo, um dos motivos para o encerramento da FEB era o temor de que soldados preparados e que lutaram por democracia e liberdade pudessem se revoltar.

“A FEB vai combater um regime totalitário e aqui era totalitário”, afirma Helton Costa, pesquisador com pós-doutorado em história pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). Segundo ele, a FEB era um “recorte do Brasil” e diversa como o próprio país. Havia negros, indígenas e até comunistas, como o gaúcho Carlos Scliar, por exemplo.

Diversos indígenas integravam o Nono Batalhão de Engenharia, que chegou a capturar uma bandeira nazista quando rendeu a 148ª Infantaria do Exército alemão em abril de 1945. Cerca de 20 mil soldados alemães se renderam aos brasileiros.

A bandeira está preservada e exposta no Museu Marechal José Machado Lopes, em Aquidauana, a 118 km de Campo Grande. A maioria dos indígenas identificados por pesquisadores é de Mato Grosso do Sul.

Na aldeia de Ipegue, em Aquidauana, é possível encontrar o túmulo de Irineu Mamede, indígena terena que foi soldado do Primeiro Regimento de Infantaria, o mesmo que atuou na tomada de Monte Castello, um morro íngreme de 977 metros. Naquele inverno de 1945, coberto de neve, o domínio do local era fundamental para barrar as tropas de Hitler na Itália.

Dedicado a preservar a história dos indígenas da FEB, o jornalista Geraldo Ferreira localizou o jazigo de Mamede. O lugar é decorado com o símbolo da FEB: uma cobra fumando. Mamede morreu em 1996.

Ferreira encontrou também Aurélio Jorge, que concedeu a ele uma entrevista na língua dos terenas, em 2000. O indígena morreu quatro anos depois. “A minha mulher é índia terena, ela conversou na língua materna. Então, ele se abriu, chorou e se emocionou. Porque era na língua dele, questionado por alguém como ele. Ele colocou sua medalha e vestiu sua boina”, relembra o jornalista.

Jorge chegou a aprender palavras em italiano e relatou que os pracinhas brasileiros eram tratados como heróis pelos italianos libertados do domínio nazista. Em combate, porém, usava a língua indígena. Vucapanavo era o grito de guerra dos terenas, revelou Jorge em entrevista a Ferreira. O termo significa algo como “em frente!”.

Outro indígena, Otacílio Teixeira, foi duplamente discriminado, segundo o jornalista. Isso porque era filho de um negro e uma índia. Morto em 2019, ele é um dos inúmeros veteranos de guerra que ficaram com sequelas psicológicas e traumas. “Quando voltou, assim como muitos, também não quis saber de cidade, não quis mais contato”, conta Ferreira.

Além dele, o soldado José Quevedo, morto em 2016, também tinha más memórias dos combates. “Depois do retorno, levou mais de 20 anos para pegar uma espingarda para caçar porco do mato”, relata o jornalista. Além do trauma da guerra, os veteranos testemunharam o ocaso dos anos que seguiram a extinção da FEB, quando eram vistos com desconfiança pelo próprio governo. Enfrentaram ainda a discriminação pela condição indígena ou negra, como explica Costa, pesquisador.

De acordo com ele, um tenente da FEB relatou que um general chegou a ordenar que os soldados de pele escura, possivelmente incluindo os indígenas, desfilassem nas colunas internas, enquanto os brancos desfilariam nas laterais, visíveis ao público. Os soldados desfilaram antes do embarque e também no retorno, no Rio de Janeiro. “Ninguém cumpriu a ordem e ficou por isso mesmo”, diz Costa.

Em outro episódio de racismo, o comando da FEB teria pedido uma guarda de honra sem negros para recepcionar o príncipe Humberto, da Itália. Os relatos integram a obra “Depoimento de Oficiais da Reserva sobre a FEB”, publicado em 1949.

Há, ao menos um caso registrado de um indígena que chegou ao posto de segundo sargento e, portanto, comandava outros soldados: Venceslau Ribeiro, do Nono Batalhão de Engenharia. Há inúmeras fotografias de Ribeiro na Itália. “Era alguém que liderava cabos e soldados, a maioria brancos”, diz Costa.

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