Infância na pobreza: desenvolvimento de crianças é afetado por falta de itens básicos de sobrevivência

Crianças brincam no meio do lixo e de residências no bairro Educandos, zona Sul de Manaus (AM): Unicef aponta que 100 milhões de crianças foram levadas à pobreza na pandemia (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – A realidade das crianças que sobrevivem nas periferias dos grandes centros urbanos tem sido transformada com a pandemia da Covid-19, que já dura quase dois anos. Nessas localidades, a magia da infância rui ao dar de cara com a falta de condições dignas e básicas de sobrevivência como saneamento, moradia e alimentação. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou um relatório, nessa quarta-feira, 9, que mostra que as vidas de meninas e meninos em todo o mundo está no pior patamar em 75 anos: 100 milhões de crianças foram levadas à pobreza.

Nesta realidade, estão crianças como a menina Rosilene Beatriz, 8. Residente do bairro Educandos, zona Sul de Manaus (AM), o “chuveiro” da casa onde mora é uma mangueira com a qual a avó da criança, Francisca das Dores Félix de Farias, 59, se banha enquanto conversa com a CENARIUM. “Para passar mais o calor”, diz ela, sentada na porta do casebre de madeira, rodeado por muito lixo, e que divide com o marido, o filho — pai dos cinco netos —, incluindo Rosilene.

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Nesta sexta-feira, 10, no mês de celebrações e comida farta na mesa de muitos brasileiros, eles não sabem o que irão comer e até os desejos de Natal das crianças que têm entre 7 e 13 anos se tornam mais simples. “Só quero um chocolate”, diz Rosilene Beatriz sobre o que ela e as irmãs querem ganhar de presente no próximo dia 25 de dezembro. Na casa sem banheiro e comida, para cozinhar o alimento, quando tem, a família usa uma calota como churrasqueira e toras de madeira são usadas para fazer o fogo. Quem ainda leva o sustento para casa é o avô e o pai, que vivem de “bicos”, já que não conseguem emprego.

“Não sei quanto ganhamos por mês, vivemos com o que conseguimos juntar”, diz a dona de casa sobre a renda da família, que sobrevive sem o extinto Bolsa Família (agora Auxílio Brasil) e Auxílio Emergencial.

Rosilene Beatriz Santana (à direita) e a irmã Letícia Santana (à esquerda): falta de saneamento e alimentação são realidades nas periferias. (Ricardo Oliveira/ CENARIUM)

Consequências

A pobreza na qual essas crianças estão inseridas impacta em mais do que apenas no atendimento às necessidades básicas. Tem reflexo também no desenvolvimento emocional, cognitivo e afetivo, como pontua a psicopedagoga Ocianne Oliveira. “Uma criança que está inserida em uma família com questões financeiras precárias, consequentemente terá acesso escasso à alimentação, à educação e até mesmo ao lazer”, diz.

“Isso reflete diretamente no desenvolvimento das crianças, ocasionando problemas graves de aprendizagem. Por isso, é até muito importante que elas sejam acompanhadas por equipe multidisciplinar. Algo, que infelizmente fica difícil, devido às condições financeiras, e sabemos que o sistema público nem sempre consegue amparar essas famílias”, reflete a psicopedagoga.

Criança deitada em corredor de palafita em área de favela na orla de Manaus. (Ricardo Oliveira/ CENARIUM)

Desenvolvimento

O relatório “Preventing a lost decade: Urgent action to reverse the devastating impact of COVID-19 on children and young people” (“Prevenindo uma década perdida: Ação urgente para reverter o impacto devastador da Covid-19 sobre crianças e jovens”, na tradução) destaca as várias maneiras pelas quais a Covid-19 está colocando em perigo décadas de progresso em desafios-chave da infância, como pobreza.

Segundo o relatório, estima-se que 100 milhões de crianças a mais estejam agora vivendo em “pobreza multidimensional por causa da pandemia”, um aumento de 10% desde 2019. Isso corresponde à aproximadamente 1,8 criança a cada segundo desde meados de março de 2020.

O relatório ainda diz que cerca de 60 milhões de crianças adicionais estão agora residindo em domicílios pobres, em comparação com antes da pandemia. Além disso, em 2020, mais de 23 milhões de crianças perderam vacinas essenciais – um aumento de quase 4 milhões em relação a 2019, e o maior número em 11 anos.

Mesmo antes da pandemia, cerca de 1 bilhão de crianças em todo o mundo sofriam pelo menos uma privação grave, sem acesso à educação, à saúde, à moradia, à nutrição, ao saneamento ou à água. Esse número está aumentando agora, à medida que a recuperação desigual acentua as disparidades crescentes entre crianças ricas e pobres, com as mais marginalizadas e vulneráveis sendo as mais afetadas.

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