Inflação e juros em alta freiam crédito imobiliário e venda de imóveis já começa a cair

Imóvel com placa de vende-se para ilustrar material. (Divulgação)

Com informações do Infoglobo

RIO —  Disposta a se mudar para um lugar maior a fim de se acomodar a uma realidade de trabalho híbrido, a administradora Raquel Bittencourt, de 40 anos, começou a procurar um imóvel no início deste ano. A ideia era vender um apartamento próprio, que seria usado para complementar o financiamento pelo FGTS de outro.

Mas faltou combinar com o Banco Central (BC). Os sucessivos aumentos da taxa básica de juros — a Selic saiu da mínima histórica de 2%, em março, para os atuais 9,25% — e o cenário econômico mais desafiador levaram Raquel a adiar seus planos. “Além da alta da taxa de juros, comprometer parte da renda com uma dívida em um cenário de desemprego ainda alto e total instabilidade do cenário político e econômico é mais complicado. Achamos melhor não fazer esse movimento agora”.

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Opção pelo prefixado

Com uma inflação que deve fechar o ano em dois dígitos e os juros em alta, os consumidores estão mais cautelosos. As construtoras, porém, mantêm o otimismo e buscam estratégias para atrair clientes, como não elevar os juros na mesma magnitude da Selic e trocar materiais para driblar a alta do custo dos insumos.

“A Selic tem um impacto, mas acho que ainda é pequeno. O que está pressionando um pouco mais é a questão de confiança. Passamos por um período de inflação bem forte. Isso encarece a vida das pessoas e os custos da construção”, diz o analista da área imobiliária da XP Investimentos, Renan Manda.

Segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), em outubro as instituições financeiras concederam R$ 17,156 bilhões em crédito imobiliário, recuo de 3,9% em relação a setembro. No ano, porém, ainda há alta de 23,74%, chegando a R$ 171,847 bilhões.

Já os financiamentos com recursos do FGTS têm queda de 14%, até 9 de dezembro, para R$ 44 bilhões, na comparação anual.

Pelo lado das vendas, houve recuo de 9,5%, para 58.941 unidades, no terceiro trimestre frente ao mesmo período de 2020, segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

Sorteios de até R$ 100 mil

O número de lançamentos, no entanto, cresceu 13,6% na mesma base de comparação. Tendência similar é vista quando se leva em consideração os dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

O Indicador Abrainc-Fipe, elaborado a partir da consulta com 18 empresas associadas, mostra alta de 5% em lançamentos no terceiro trimestre, enquanto as vendas caíram 11,5%.

Nos financiamentos, as incorporadoras buscam não repassar a alta da Selic na mesma proporção. Alguns bancos também tentam segurar as taxas. No Itaú Unibanco, por exemplo, a última alta foi em setembro, de 7,3% para a partir de 8,3% ao ano no crédito imobiliário tradicional.

O Santander pratica uma taxa de juros que parte de 8,99% ao ano + TR. As operações possuem ainda custos de taxas administrativas e seguros obrigatórios. A última atualização também foi em setembro deste ano.

E o Banco do Brasil, que tem taxas a partir de 7,99% ao ano mais TR, está oferecendo a quem contratar um financiamento até o fim do ano cupons para concorrer a um sorteio de até R$ 100 mil.

Mas o professor do MBA em Finanças do Ibmec/RJ, Gilson Oliveira, ressalta que as taxas de financiamento sofrem impacto direto dos aumentos da Selic. “Não há como ter uma Selic maior e o setor financeiro não repassar isso nos novos financiamentos. Pode não acontecer de imediato, mas no curto prazo, essas taxas são impactadas. Até porque a elevação não foi residual”, diz Oliveira, destacando que o repasse se dará em novos financiamentos e não naqueles contratados com taxas prefixadas.

Ele avalia que o aumento nas taxas de financiamento fará as pessoas optarem por imóveis de menor valor. “Para novos compradores, a palavra é precaução. Eles devem, preferencialmente, optar por empréstimos prefixados (que cobram uma taxa fixa no momento do acordo). O cenário do ano que vem é incerto, e assumir um contrato de um longo prazo em uma taxa pós-fixada é um risco grande”.

Baixa renda sente mais

Além do custo do crédito, há o custo do empreendimento. O Índice Nacional de Custo de Construção (INCC-M), da Fundação Getulio Vargas (FGV), acumula alta de 13,68% no ano e de 14,69% em 12 meses. Parte desse custo maior foi repassado aos imóveis.

O índice FipeZap, que acompanha o preço médio de venda de imóveis residenciais em 50 cidades, teve alta nominal de 0,53% em novembro. No ano, chega a 4,78%. Já o índice de inflação usado na meta do BC, o IPCA, acumula 9,26% no ano e 10,74% em 12 meses. “Os preços dos imóveis vão subir por bem e por mal. Por bem, pela maior demanda e por mal, pela pressão dos insumos”, diz Pedro Cunha, professor dos MBAs da FGV e especialista em mercado imobiliário.

O repasse dos preços tende a afetar mais o público de baixa renda, que recorre a programas do governo. Pelo lado das empresas, o cenário também demanda cautela, já que o Casa Verde e Amarela, do governo federal, tem um teto para cada faixa de público.

Segundo a Cbic, os lançamentos de imóveis pelo programa caíram 18,1%, no terceiro trimestre, ante o mesmo período de 2020, e as vendas recuaram 19,9%. Manda, da XP, lembra que a margem bruta das incorporadoras de baixa renda sofreu uma compressão, pois trabalham com um público muito mais sensível ao preço.

Tanto que, já em setembro, o governo fez ajustes no programa, com a redução da taxa de juros para parte dos beneficiários e a ampliação do teto do valor dos imóveis. Para o presidente da Cbic, José Carlos Martins, as medidas ajudam, mas não são suficientes.

O limite do repasse pelo programa chegou a afetar uma operação do Grupo Patrimar. O grupo, que possui atuação na baixa renda por meio da Novolar, precisou atrasar um empreendimento no Rio de Janeiro pela impossibilidade de ultrapassar o teto. 

“O preço máximo de um apartamento era R$ 240 mil, mas já tínhamos chegado nesse preço a um ano e meio. Nós optamos por atrasar o lançamento, pois íamos trabalhar de graça e dar prejuízo”, disse o diretor comercial e de marketing, Lucas Couto, destacando que o reajuste no teto permitiu que o empreendimento fosse lançado.

Terreno comprado na crise

Na Plano&Plano, construtora focada na baixa renda, a alta da Selic ainda não assusta. O presidente do Conselho de Administração da empresa, Rodrigo Luna, lembra que o déficit habitacional ainda é grande. “Vamos ter que operar em um cenário de juros mais altos, mas é um cenário que já conhecemos. A população, dentro do que seu bolso permite, quer ter ambiente mais adequado para trabalhar e viver”.

Tendo que repassar parte da inflação aos preços, a Plano& Plano otimizou custos e desenvolveu novos materiais. “Alguns processos construtivos foram repensados. Buscamos cerâmicas alternativas, por exemplo”, diz Luna.

Já a incorporadora Helbor, que mira o segmento de alto padrão, pretende lançar dois projetos em endereços nobres da capital paulista ainda este ano. “Compramos alguns terrenos para alto e altíssimo padrão. Esse cliente sente menos o repasse dos preços”, afirma o diretor de Vendas, o Marcelo Bonata.

Essa foi outra estratégia das incorporadoras: comprar terrenos antes da retomada do mercado. A Helbor fez isso entre 2016 e 2019. “Compramos terrenos com condição melhor, em um momento que ninguém estava querendo”, diz Bonata.

Couto, da Patrimar, ainda enxerga espaço para crescimento, ainda que o cliente leve mais tempo para fechar negócio. Após lançar um empreendimento de alto padrão no Rio de Janeiro, a empresa pretende continuar apostando no mercado carioca, tanto na baixa quanto na alta renda. “A procura continua. A única coisa que estamos sentindo é que, hoje, o ciente, para fechar o negócio, demanda mais tempo que há seis meses ou um ano”, destaca.

E o ano que vem promete ser mais desafiador, com juros e inflação ainda altos, e a volatilidade inerente ao cenário eleitoral. “Vamos esperar a eleição e ver como fica o cenário a médio prazo, a não ser que a gente encontre uma oferta muito favorável”, afirma Raquel.  

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