Inpe informou ao governo federal que satélite ‘não seria apropriado’ para Amazônia

Incêndios na Amazônia são acompanhados por satélites. (Reprodução/Nasa)

Com informações do UOL

MANAUS – Segundo informações divulgadas pelo colunista do UOL, Rubens Valente, nesta sexta-feira, 1º, um documento protocolado em setembro, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informou ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC) que um satélite nos mesmos moldes de um que o Ministério da Defesa estudava adquirir na época – “não seria apropriado para o monitoramento do desmatamento na Amazônia”.

O Comando da Aeronáutica assinou o contrato com a empresa finlandesa Iceye pelo qual adquiriu um satélite-radar por US$ 33,8 milhões, ou cerca de R$ 175 milhões ao câmbio. A Aeronáutica se recusou a informar a banda do aparelho, dizendo que o contrato é sigiloso por cinco anos, mas em outubro havia dito ao UOL, em resposta a um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI), que estudava adquirir um satélite-radar da banda X.

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A banda é determinante para saber a capacidade de um satélite-radar, conforme especialistas. A banda L é considerada a mais sofisticada e cara. A banda X, a mais simples e barata. As informações do Inpe sobre o satélite da banda X foram produzidas pela Coordenação-Geral de Observação da Terra (OBT-Inpe).

As informações foram enviadas ao MCTIC como subsídio para uma resposta que estava sendo elaborada pela pasta para ser enviada ao deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ). O parlamentar havia feito um requerimento de informações após a publicação de notícias que revelaram um empenho de R$ 145 milhões no Ministério da Defesa.Informações do Inpe não constam da resposta enviada ao Congresso.

Detalhes

Ao comparar o material produzido pelo OBT-Inpe com a resposta oficial encaminhada ao Congresso Nacional, a coluna identificou omissões e suavizações. Apenas a resposta oficial, subscrita pelo então secretário-executivo Julio Semeghini e encaminhada pelo ministro Marcos Pontes, foi a manifestação final do governo ao deputado Molon e está disponível para consulta no site da Câmara dos Deputados. O ofício do OBT-Inpe, entretanto, é bem mais contundente e detalhado ao explicar os potenciais problemas da aquisição.

Molon escreveu em seu requerimento que o satélite do tipo radar “oferta muita dificuldade na interpretação das imagens”. Ele quis saber quem seriam os responsáveis pela análise. Na resposta oficial, o MCTIC diz apenas que caberá ao Ministério da Defesa “definir as equipes de profissionais responsáveis pela interpretação das imagens geradas”. “Não se descarta, contudo, a possibilidade de estabelecimento de parcerias.

“A resposta de três páginas elaborada pela OBT-Inpe é bem diferente. Ela apresentou uma série de detalhes que nunca chegaram à Câmara dos Deputados. Os técnicos do Inpe inclusive anteciparam que um “possível fornecedor seria a companhia finlandesa Iceye, que desenvolve e opera microssatélites SAR voltados para o monitoramento de gelo no mar e geleiras”. O Inpe observou que havia uma outra empresa “com produto similar (CapellaSpace)”, mas ela não “ainda não deve estar no mesmo estágio comercial da Iceye”.

Resposta

Trecho da resposta formulada pelo INPE e não enviada ao Congresso Nacional sobre requerimento de informações do deputado Alessandro Molon – Reprodução – ReproduçãoTrecho da resposta produzida pelo INPE e não enviada ao Congresso Nacional sobre requerimento de informações do deputado Alessandro MolonImagem: ReproduçãoApós acertar, com dois meses de antecedência, a empresa que seria contratada sem licitação, o Inpe apresentou uma avaliação sobre o aparelho.

“A equipe técnica do Inpe, a partir da experiência acumulada em mais de 40 anos de trabalhos científicos com dados de radar, entende que tal banda [X] não é apropriada para o monitoramento do desmatamento na Amazônia. Esta limitação justifica-se pelo comprimento de onda em banda X, que fica próximo os 3 cm, e por isso não tem condições de penetrar no dossel da floresta, e nem permite distinguir a floresta em pé de uma área recém desmatada. Diante disto, um instrumento em banda X não oferecerá o grau de exatidão requerido para o monitoramento do desmatamento e emissões de alertas”.

Análise

A análise do Inpe vai na mesma linha da opinião do ex-diretor do Inpe Gilberto Câmara, que disse à coluna ontem que o aparelho da Iceye poderia ser útil para diferenciar gelo de água, mas não para o ambiente da floresta amazônica.Na sua comunicação, o Inpe avançou sobre “outro ponto importante”, o tempo de revisita estimado para o microssatélite. O Inpe estima que se “encontra na faixa dos 50 dias, devido à sua pequena faixa de imageamento”, menos de 50 km de largura.

“Este instrumento apresenta também um tempo máximo de operação por órbita de 120 segundos (dados obtidos no sítio web da empresa Iceye). Somando-se todas estas especificações, conclui-se que um microssatélite operando dentro dessas características não é apropriado para dar suporte a um sistema operacional de alertas de desmatamento”, diz o documento do Inpe.

Os especialistas do Inpe também mencionaram um artigo dos pesquisadores Hagnsieker e Waske (2017), da Universidade de Berlim, na Alemanha, que avaliou “o uso de imagens SAR [de radar] de múltiplas frequências geradas por múltiplos satélites, para mapear a vegetação densa”.

“Os autores calcularam um nível de acurácia inferior a 70%, reforçando ainda que a banda X tem a menor capacidade para mapear vegetação densa em relação a comprimentos de onda mais longos, como a banda C, utilizada pelo Deter Intenso [programa do Inpe de medição do desmatamento]. Isso sugere que as imagens da banda X do Iceye não atingirão a acurácia desejada.

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