Inspeção sobre impactos de hidrovia na região do Pedral do Lourenço será em setembro, diz Justiça do PA
Por: Fabyo Cruz
26 de agosto de 2025
BELÉM (PA) – A Justiça Federal do Pará marcou para os dias 29 e 30 de setembro de 2025 a realização de uma inspeção judicial técnica na região do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins. O local é considerado o ponto mais polêmico da Hidrovia Araguaia-Tocantins, defendida pelos governos estadual e federal como essencial para o escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste até os portos do Norte. Comunidades locais, organizações sociais e pesquisadores alertam para riscos socioambientais e citam passivos ainda não resolvidos de grandes obras na região, como as usinas de Tucuruí e Belo Monte.
A decisão foi tomada após audiência de conciliação virtual realizada em 22 de agosto, conduzida pelo juiz federal substituto André Luís Cavalcanti Silva, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária. Ele determinou que sejam visitadas as comunidades de Vila Tauiry, Vila Saúde, Pimenteira e Praia Alta. O magistrado solicitou apoio logístico e de segurança da Polícia Militar, da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Federal (PF), além da indicação de assistentes técnicos pelos órgãos envolvidos.
O pedido do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para reconsiderar a suspensão das obras do Pedral do Lourenço — determinada pela Justiça em junho — só será analisado após a conclusão da inspeção. O processo foi movido pelo Ministério Público Federal (MPF), que questiona supostas irregularidades no licenciamento ambiental da obra.
Questionamentos sobre impactos
Na audiência, o MPF reforçou que pontos técnicos fundamentais ainda não foram esclarecidos nos autos, como o impacto do derrocamento no ecossistema, as consequências para comunidades ribeirinhas e a ausência de estudos adequados sobre pesca e funcionamento da hidrovia.
O órgão também destacou que moradores de localidades como Vila da Saúde, Vila Tauiry e Praia Alta não compreendem o projeto nem sabem como seriam compensados, defendendo a necessidade de consulta prévia e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Dnit respondeu que a Licença Prévia 676/2022 contempla três trechos da hidrovia, mas que a Licença de Instalação foi concedida para o trecho 2, único com projeto executivo concluído. O órgão afirma que a divisão em etapas evita desperdícios e garante atualização de dados. Também argumenta que a obra não cria uma nova hidrovia, mas adequa um trecho já navegável.
Sobre compensações, o Dnit explicou que a proposta inicial de pagar dois salários mínimos mensais a pescadores diretamente afetados foi alterada, após negociação, para um salário mínimo mensal a todos os pescadores da área de influência direta, durante os 35 meses da obra.
Divergências entre os órgãos
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) defendeu que o modelo de licenciamento em etapas segue procedimentos adotados em grandes empreendimentos, como os do pré-sal, e negou qualquer “fatiamento indevido” do processo. Já o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu falhas na condução de consultas às comunidades tradicionais e afirmou que, desde 2020, vem aplicando protocolos para corrigir a ausência de oitivas formais.
O MPF manifestou preocupação com o fato de várias comunidades ainda não terem sido ouvidas de acordo com seus próprios modos de organização, cobrando respeito aos protocolos comunitários.
Disputa política e ambiental
A polêmica em torno do Pedral do Lourenço ocorre em meio a outro embate: a proposta de criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Paleocanal do Rio Tocantins, elaborada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com base em estudos da Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM) e da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), declarou-se contra a iniciativa. Em vídeo publicado nas redes sociais no último dia 16 de agosto, afirmou que a criação da APA poderia inviabilizar a hidrovia e que comunicou oficialmente sua posição à Presidência da República, ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), ao ICMBio e ao Ibama.
A declaração foi criticada por lideranças indígenas, como Auricélia Arapiun, que questionou a postura do governador e afirmou que projetos com promessas de emprego e desenvolvimento na Amazônia historicamente deixaram um rastro de destruição.
Em resposta, o ICMBio esclareceu que a categoria de APA foi escolhida justamente por permitir a manutenção de propriedades privadas, atividades agropecuárias e até empreendimentos de grande porte. Segundo o órgão, a medida não inviabiliza a hidrovia e pode representar uma oportunidade de conciliar conservação e desenvolvimento econômico.
A área proposta abrange Marabá, Itupiranga e Nova Ipixuna, reunindo mais de 150 lagos naturais, dos quais 101 dentro do polígono da APA. Esses lagos sustentam comunidades ribeirinhas, agricultores, pescadores, quebradeiras de coco babaçu e espécies ameaçadas da região.