Internações ou cirurgias estão a 276 km de distância do nortista, diz IBGE


14 de abril de 2020
Para os serviços de baixa e média complexidade, o deslocamento médio é de 136 km. Foto: Divulgação
Para os serviços de baixa e média complexidade, o deslocamento médio é de 136 km. Foto: Divulgação

Júlia Barbon / Folhapress

Três vezes por semana, Ângela Maria Silva, 50, acorda às 4h30 para esperar a van do estado passar em frente à sua casa, às 6h. Então começa o trajeto de três horas e meia até a capital, incluindo as paradas para pegar mais dez pessoas no caminho.

Ela mora em Epitaciolândia, interior do Acre de 18 mil habitantes na divisa com a Bolívia, e percorre os 230 km até a capital Rio Branco para fazer o tratamento de hemodiálise, que lhe impõe essa rotina há seis meses e já lhe tirou o trabalho como cuidadora. Só volta para casa lá pelas 21h.

Ângela está entre os muitos brasileiros acostumados a encarar longas distâncias quando precisam de serviços de saúde públicos ou privados, concentrados em poucos centros urbanos. O IBGE mediu esses deslocamentos em 2018 e, diante da pandemia do coronavírus, decidiu antecipar a divulgação dos resultados.

Quem mora na região Norte em geral está mais distante de atendimentos de alta complexidade, percorrendo 276 km em média. Isso inclui tratamentos especializados envolvendo internação, cirurgia, tomografia, entre outros, e é o caso dos pacientes graves de Covid-19.

Já para os serviços de baixa e média complexidade – como consultas, exames clínicos, pequenas cirurgias e outros que não incluem internação – o deslocamento médio é de 136 km.

É importante ressaltar que essas distâncias são hipotéticas. É como se pegássemos uma régua e traçássemos no mapa do Brasil linhas retas entre as cidades onde as pessoas moram e as cidades onde elas buscam atendimento em saúde. Portanto, no mundo real, elas são ainda mais longas.

“Não é um fenômeno novo, mas agora essas informações são úteis, porque podem ajudar a identificar municípios e áreas que, por estarem mais distantes, precisam de políticas públicas, como um transporte para algum centro ou um hospital de campanha”, diz o geógrafo Bruno Hidalgo, gerente de redes e fluxos no IBGE.

Manaus

Também seria possível cruzar esses dados com números da saúde, como a quantidade de hospitais, leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e respiradores existentes, e identificar unidades que tendem a ficar mais sobrecarregadas porque absorvem a demanda de outros cidades.
Manaus é um exemplo disso.

É a única cidade com UTIs públicas no Amazonas, que já está à beira de um colapso. Com pouco mais de cem casos novos de Covid-19 a cada dia, o estado admitiu na terça (7) ter 95% dos seus leitos de UTI e respiradores ocupados.

As pessoas percorrem 491 km até Manaus para atendimentos de alta complexidade e 418 km para baixa e média complexidade, as maiores médias entre as capitais brasileiras.

“O estado do Acre não oferece transplante há dois anos, sendo que os pacientes migram para o Rio Grande do Sul. Tem gente que espera em Porto Alegre há dois anos”, exemplifica Maria de Lourdes Alves, presidente da Fenapar (federação nacional de pacientes renais e transplantados).

Regiões mais ricas

A nível nacional, a distância média percorrida pelo brasileiro em busca de atendimentos de alta complexidade no País é de 155 km, o equivalente a uma viagem entre São Paulo e Piracicaba. Para atendimentos de média e baixa complexidade é de 72 km, próximo ao tamanho do percurso entre São Paulo e Santos.

Já no Sudeste e no Sul, a demanda se dilui entre cidades de menor porte no interior. A menor média de deslocamento para serviços de alta complexidade é do Rio de Janeiro (67 km), onde locais como Campos de Goytacazes, Volta Redonda, Itaperuna e a mineira Muriaé também são atrativos.

São Paulo tem um grande polo que é Barretos, referência em tratamentos de câncer. A cidade recebe pacientes de 122 cidades de 8 estados diferentes, incluindo Rondônia, Pará e todo o Centro-Oeste. “Mas não é a regra existirem Barretos nos estados”, pondera Hidalgo.

O levantamento foi feito pelo IBGE em 5.503 dos 5.570 municípios do país, com questionários aplicados à prefeitura, ao correio e ao cartório desses locais -instituições que, segundo o geólogo, costumam conhecer bem as dinâmicas urbanas.

Não foram incluídas as cidades com mais de 300 mil habitantes ou que “apresentam alto nível de centralidade de gestão do território”, ou seja, que conseguem suprir os serviços para sua própria população. Isso significa que nenhuma capital integrou o levantamento.

O restante da pesquisa Regic (Regiões de Influência das Cidades), que deve ser divulgada em junho, analisa, por exemplo, até onde as pessoas vão para estudar, comprar roupas ou usar o aeroporto. Mas a publicação da parte da saúde foi adiantada para ajudar o Ministério da Saúde e a Fiocruz na elaboração de estratégias contra a Covid-19.

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO