SÃO PAULO – Investigado pela Polícia Federal sob suspeita de autoria intelectual dos ataques golpistas de 8 de janeiro em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o principal risco de responsabilização até o momento.
Especialistas em direito apontam que o ex-presidente poderá responder nas esferas penal, cível e administrativa caso surjam provas de envolvimento direto no episódio.
Na esfera eleitoral, há 16 ações em tramitação contra Bolsonaro. A mais avançada foi apresentada pelo PDT após um encontro do então presidente com embaixadores, em julho do ano passado, no qual ele atacou o sistema eleitoral.
A pedido da sigla, no dia 16 deste mês, o corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, incluiu no processo a minuta de um decreto para que Bolsonaro instaurasse estado de defesa no TSE e revertesse o resultado das eleições.
A existência do documento, encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, foi revelada pela Folha. Gonçalves afirmou que há “inequívoca correlação entre os fatos e documentos novos” com a narrativa apresentada por Bolsonaro no encontro que motivou a ação.
Segundo o ministro, a fala do então presidente “não mirava apenas os embaixadores, pois estaria inserida na estratégia de campanha de “mobilizar suas bases” por meio de fatos sabidamente falsos sobre o sistema de votação”.
Esse é o processo mais avançado contra Bolsonaro no tribunal e a tendência é que seja o primeiro a ser julgado. Uma audiência de instrução com o depoimento do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que era ministro da Casa Civil, está prevista para o dia 8 de fevereiro.
O ritmo de julgamento das ações é definido pelo corregedor e pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Segundo aliados, ambos estão dispostos a acelerar a tramitação até junho, antes da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski e da entrada de Kassio Nunes Marques na corte eleitoral.
Caso o tribunal decida que houve abuso no episódio, Bolsonaro pode ficar inelegível por oito anos, o que significa que o ex-presidente não poderá se candidatar. Para o coordenador-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Público), o advogado Luiz Fernando Pereira, a inclusão da nova prova aumenta essa possibilidade.
O advogado eleitoral Aberto Rollo diverge. Para ele, a relevância do decreto para o processo é reduzida e prejudica o andamento da ação, por demandar mais investigação.
Rollo considera que Bolsonaro pode ficar inelegível a partir de outras ações. Ele cita os processos que tratam das lives no Palácio do Planalto durante a campanha e da liberação de benefícios financeiros no período eleitoral, o que pode caracterizar compra de voto.
Advogado e professor de direito eleitoral e digital na Universidade Mackenzie, Diogo Rais concorda que a minuta demandará novas provas, mas considera que diante da relevância do documento, foi acertada a decisão do ministro em incluí-la no processo.
Ele diz ainda que a ação já contém todos os elementos que podem levar à inelegibilidade de Bolsonaro, como os vídeos demonstrando a autoria das declarações.
“Há um risco alto de Bolsonaro ficar inelegível a partir das ações da Justiça Eleitoral, em especial em relação a essa da reunião com os embaixadores já que a jurisprudência do TSE tem sido bastante dura em relação a ações do gênero. A minuta em si, acompanhada de outras provas, pode reforçar esse papel”, diz.
Para Pereira (Abradep) a atuação do ministro Benedito Gonçalves tem sinalizado que as ações devem ser julgadas rapidamente, como prevê a legislação eleitoral, ao contrário do que aconteceu com a chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), definido mais de dois anos e meio após o fim da eleição.
Na esfera penal, criminalistas afirmam que ainda não apareceram provas suficientes para prender ou condenar Bolsonaro pelos ataques.