Jovens brasileiros enviam satélite ao espaço em foguete da SpaceX: ‘Sonho realizado’

Bruno Costa e o nanosatélite Pion-BR1: tecnologia será levada ao espaço em foguete da SpaceX (Hermes de Paula / Agência O Globo)
Com informações do Infoglobo

RIO — Após sete meses de muito estudo, erros, acertos e noites mal dormidas, quatro jovens cientistas brasileiros à frente de uma startup estão mais perto que nunca de transformar o pontapé inicial de um sonho em algo histórico. Isso porque, daqui a menos de dez dias, os rapazes, que têm idades entre 24 e 31 anos, devem conseguir colocar em órbita o satélite Pion-BR1 – que leva o nome da empresa –, projetado e construído por eles próprios com peças 100% brasileiras, e que chegará ao espaço em grande estilo: a bordo do foguete Falcon 9, da SpaceX, empresa do bilionário americano Elon Musk, dono de uma das maiores fortunas do mundo. A previsão é de que o lançamento seja feito no próximo dia 13 de janeiro, em Cabo Canaveral, na Flórida, data que ainda pode ser alterada.

O satélite da Pion Labs, do tipo de nanosatélite pocketcube, desenvolvido por Calvin Trubiene, de 31 anos, João Pedro Vilas Boas, de 24, Bruno Costa, de 28, e Gabriel Yamato, de 25, em São Caetano do Sul (SP), é o primeiro feito por uma companhia privada brasileira com peças totalmente nacionais a ser lançado ao espaço, e, como já diz a categoria, cabe no bolso: mede 125 cm³ e pesa 200 gramas, tendo passado por rigorosas exigências feitas pela SpaceX até ser aprovado. Ele chegou à empresa de Elon Musk por intermédio de uma empresa lançadora de foguetes que foi contratada pelos rapazes. O Pion-BR1 será lançado em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Olimpíada Brasileira de Satélites (OBSAT, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), a organização autônoma e informal de radioamadores (Amsat-BR) e a Liga Brasileira de Radioamadores (Labre).

Apesar de pequenino, o “Pionzinho”, como eles chamam carinhosamente, pode ajudar a dar passos grandiosos. Os dados enviados por ele à Terra sobre sua resistência em órbita, e também sobre sua efetividade de comunicação por lá, a mais de 520 quilômetros de altura, criarão uma chamada herança de voo, e servirão para que os jovens pesquisadores – e estudantes radioamadores, que terão acesso – ampliem seus conhecimentos e desenvolvam com maior assertividade num futuro próximo novas alternativas tecnológicas que poderão abranger de diversos setores da indústria, como soluções para o agronegócio, por exemplo, até o cotidiano das pessoas, com a chamada Internet das Coisas (IOT, sigla em inglês), conceito que promete conectar cada vez mais a vida humana à rede. O lançamento deve ocorrer menos de um ano depois do primeiro satélite governamental totalmente brasileiro ter sido lançado na Índia, o Amazônia 1.

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“Há quatro anos, nós assistimos o lançamento da SpaceX, lá na Flórida, e pensamos: olha, seria muito legal se um dia a gente conseguisse lançar algo nosso ali. É um sonho em comum entre nós. Sempre quisemos lançar algo em órbita. Claro que não um tijolo, mas algo funcional. E deu tudo certo. Nós trabalhos, foram sete meses sem noite de sono, o pessoal dormiu 3 horas por dia, no máximo. E é um satélite que quebra vários paradigmas: é o primeiro de uma startup brasileira, o primeiro satélite privado brasileiro a ser lançado pela SpaceX, e o menor e mais rapidamente já produzido no Brasil. É um sonho realizado, mesmo antes de ser lançado”, comenta o engenheiro aeroespacial Calvin Trubiene.

Bruno, Calvin, Gabriel e João Pedro: as quatro cabeças pensantes por trás do satélite inédito Foto: Divulgação
Bruno, Calvin, Gabriel e João Pedro: as quatro cabeças pensantes por trás do satélite inédito (Divulgação)

Fundador da startup e caçula do grupo, João Pedro Vilas Boas explica que o diferencial para que, tão rápido e tão jovens, eles conseguissem atingir feitos inéditos no Brasil, foi o pensamento de “falhe rápido, obtenha sucesso mais rápido” adotado por eles, que condiz com o novo conceito de estudos espaciais, o new space, defendido pela SpaceX, e que consiste em testar na prática ao invés de investir em anos de teoria até decidir tomar uma iniciativa, por exemplo.

“Nós poderíamos ficar aqui estudando mais uns dois anos os efeitos da radiação, as propriedades em torno dele, fazendo vários testes possíveis de energia solar. Mas como uma empresa startup, dentro de uma metodologia mais ágil, presente no new space, estamos indo com nosso satélite ao espaço”, explica João Pedro. “Se der problema, a gente tenta mais outra vez e vai se aprimorando. É como a própria SpaceX faz com os satélites deles. É como diz o ditado em inglês, “Fail fast, succeed faster”. A gente quer falhar logo, para resolver logo”.

Carioca, formado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o engenheiro de sistemas espaciais Bruno Costa fala sobre a importância de poder estudar o equipamento no ambiente para o qual ele foi designado.

“Ele é bem pequeno, mas embarca muita tecnologia, e isso é o que nos permitiu chegar no espaço”, conta. “Uma coisa é a gente testar aqui em solo, e outra coisa é testarmos em ambiente espacial, que é bem mais hostil, e comprovarmos que eles estão funcionando. Então, um dos objetivos do Pionzinho é garantir herança de voo. Isso permite que nos próximos satélites a gente possa ter uma maior acurácia”.

‘Satélites educacionais’

Vilas Boas explica ainda que o Pion-BR1 será contemplado na SpaceX em um lançamento chamado de right chair (banco do carona em inglês), que permite que pequenos satélites, que chegam ali através de empresas intermediárias, possam ir acoplados ao foguete, o que facilita o acesso desses pesquisadores ao espaço. O satélite brasileiro ganhará carona no lançamento SpaceX Transporter 3, que será feito num foguete Falcon 9. A missão anterior, por exemplo, levou cerca de 140 satélites como o dos rapazes, vindos de todo o mundo, à órbita.

“Eles conseguiram baratear o processo e colocar mais gente em contato com o espaço”, afirma. “E o nosso objetivo principal com o lançamento do satélite é basicamente fazer com que ele funcione realmente. Estamos testando tudo: painel solar, comunicação, recarga de bateria, processos internos para administrar essa bateria etc. É desbravar o espaço, mesmo. É estar lá e receber esses dados, testando nossa comunicação com ele, que é o processo mais difícil de um projeto espacial”.

Os rapazes, com interesses em comum, se conheceram nas competições de montagem de foguetemodelismo e satélites que frequentavam e competiam, como a Spaceport American Cup, e a maior parte deles conviveu, também, na Universidade Federal do ABC (Ufabc), onde cursaram Engenharia Espacial.

Ao fim da faculdade, os meninos resolveram usar seus conhecimentos técnicos avançados para criar a startup Pion Labs, com objetivo de levar e descomplicar o estudo sobre tecnologias espaciais a estudantes de ensinos Fundamental ao Superior através dos chamados “Satélites Educacionais”, que são reproduções de mini-satélites inventados por eles que permitem que os estudantes explorem a engenhoca. Além disso, organizam o campeonato sul-americano de criação de foguetes, a Latin American Space Challenge (Lasc).

O pequeno satélite de 120 centímetros cúbicos por dentro, durante testes feitos em SP Foto: Divulgação
O pequeno satélite de 120 centímetros cúbicos por dentro, durante testes feitos em SP (Divulgação)

A coisa evoluiu quando eles decidiram que investiriam tudo o que haviam levantado com a empresa, cerca de R$ 500 mil, para levar ao espaço um satélite com tecnologia realmente espacial e que poderia ter seu funcionamento em órbita estudado, também, nas salas de aula, democratizando ainda mais o acesso a esse tipo de tecnologia. Assim nasceu o Pion-BR1.

“Na faculdade, batíamos muito na tecla de que éramos jovens, motivados e tínhamos potencial, e questionávamos: “ o que falta para sairmos da inércia, e fazemos ciência como se faz na Europa, nos EUA, na Ásia?”. Foi quando percebemos que a distância da sociedade em relação à tecnologia espacial é muito grande. Se você comenta com alguém que é engenheiro aeroespacial, a pessoa reage surpresa. Mas trata-se de um engenheiro como qualquer outro”, acrescentou Calvin.

“E é com o propósito de diminuir a distância entre sociedade e tecnologias espaciais que nós começamos uma missão de trazer mais conhecimento, principalmente para os jovens de ensino fundamental, técnico, médio e até da faculdade, para que eles tenham uma forma de usar os conceitos da lousa na prática”.

Constelação à vista

Foi na inspiração que eles perceberam que poderiam se tornar para outros jovens estudantes, que Calvin conta que eles viram a oportunidade de expandir a atuação para algo mais concreto, que estivesse de fato em contato com o espaço.

“Somos quatro garotos que se juntaram com um propósito, uma visão de transformação de sociedade. E a gente vem a partir do caminho da educação, da visão de futuro. Pensamos: por que não expandir a Pion, desenvolvendo algo que não fosse só um simulador, mas que estivesse de fato em órbita? Esses jovens já estavam olhando para nós como um grande exemplo de onde eles poderiam chegar”.

O próximo passo, contam eles, caso tudo aconteça dentro do esperado nos 2 a 3 anos que o satélite deve permanecer em órbita, será o desenvolvimento, então, de uma espécie de constelação de nanosatélites como o Pion-BR1,que permitirão, segundo eles, o estudo de saltos tecnológicos importantes no Brasil.

“O satélite funcionando em órbita como a gente espera, significa que a gente poderá dar nosso próximo passo, que seria a nossa constelação de satélites para IOT“, explica Calvin. “No agronegócio, por exemplo, poderíamos substituir o custo alto que há hoje no monitoramento dos censores de detecção de temperatura e umidade nas fazendas, que precisam de roteadores espalhados por áreas enormes, substituindo por microestações, com dados que o satélite passaria coletando. Temos essa visão de futuro e queremos fazer a cidade 4.0, a fazenda 4.0, tudo 100% brasileiro”.

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