Julgamento: primeiro dia tem recados de Moraes e elogios de advogados aos ministros do STF


Por: Ana Cláudia Leocádio

02 de setembro de 2025
Julgamento: primeiro dia tem recados de Moraes e elogios de advogados aos ministros do STF
O ministro do STF Alexandre de Moraes durante julgamento do Núcleo 1 da trama golpista (Victor Piemonte/STF)

BRASÍLIA (DF) – O primeiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) e outros sete ex-auxiliares na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que começou nesta terça-feira, foi marcado pelas mensagens políticas do relator da Ação Penal (AP) 2668, ministro Alexandre de Moraes, e falas elogiosas de alguns advogados de defesa dos réus aos ministros que compõem o colegiado. O advogado do almirante Almir Garnier, Demóstenes Torres, chegou a dizer que a trajetória de Moraes, que ingressou jovem na carreira de promotor de Justiça, já indicava que ele teria “um destino iluminado”.

Os trabalhos desta terça-feira, 2, foram divididos em duas sessões, uma pela manhã, quando foram lidos o relatório por Alexandre de Moraes, e a sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet; e a audiência da tarde, com as sustentações das defesas de quatro réus: do tenente-coronel do Exército Mauro Cid, do deputado federal Alexandre Ramagem, do almirante Almir Garnier e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Primeira sessão do julgamento de Bolsonaro foi realizada nesta terça-feira (Gustavo Moreno/STF)

Dos oito réus, apenas o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira compareceu às duas sessões da Primeira Turma e prometeu participar de todas. A sustentação oral de seus advogados ficou para a sessão dessa quarta-feira, 3. O ex-presidente Jair Bolsonaro não participou e também não deve comparecer ao segundo dia de audiência, segundo informou o advogado dele, Celso Villardi, por estar debilitado de saúde.

Antes da leitura do relatório contendo as acusações a cada um dos réus pela Procuradoria-Geral da República, o ministro Alexandre de Moraes leu uma mensagem sobre a situação desse processo, que envolve cinco crimes, entre eles o de tentativa de golpe de Estado.

Sem citar a palavra anistia, o magistrado deixou claro nas entrelinhas que não concorda com essa tese, que além de ser a prioridade da bancada bolsonarista no Congresso Nacional, passou a ser adotada como moeda de troca pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nas gestões junto ao governo dos Estados Unidos (EUA), que já impôs tarifas de 50% aos produtos brasileiros e sanções a Moraes e outras autoridades. O relator também citou a instauração de inquérito para apurar a conduta do parlamentar, filho de Bolsonaro.

“Lamentavelmente, no curso da ação penal, se constatou a existência de uma organização criminosa, que passou a agir de forma covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o Supremo e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de Estado estrangeiro”, afirmou.

O ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal contra Bolsonaro e auxiliares ( Antonio Augusto/STF)

Para Moraes, a robustez da Constituição Federal de 1988 permite que o Brasil chegue hoje ao julgamento “com uma democracia forte, instituições independentes, economia crescente e sociedade civil atuante”, que garante o direito ao contraditório, à ampla defesa e a aplicação da lei. Na fala do ministro, “a história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação” e que a verdadeira pacificação depende do respeito à Constituição e fortalecimento das instituições.

“Pois o caminho aparentemente mais fácil, e só aparentemente, que é da impunidade, que é da omissão, deixa cicatrizes traumáticas da sociedade e corrói a democracia, como lamentavelmente o passado recente no Brasil demonstra”, ressaltou.

O ministro classificou como “covarde e traiçoeira” a organização criminosa que tenta coagir o Supremo e garantiu que nenhuma pressão, seja interna ou externa, vai impedir o STF de cumprir seu papel constitucional. “A missão deste STF é analisar as acusações, segundo o devido processo legal. Não aceitaremos coações ou obstruções. Essa tentativa de obstrução não afetarão a imparcialidade dos juízes desse tribunal”, asseverou.

Alexandre de Moraes leu o relatório sobre a Ação Penal (Rosinei Coutinho/STF)
PGR apresenta provas contra os réus

Após a leitura do relatório por Moraes, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, reafirmou todo o conteúdo da denúncia corroborada nas alegações finais e disse os fatos analisados, em seu conjunto, mostram um planejamento bem articulado com o objetivo de desestabilizar as instituições brasileiras com o intuito de manter o ex-presidente no poder, diante da sua insatisfação com a derrota eleitoral em 2022.

Gonet sustentou, porém, que o plano do ex-presidente teve início em julho de 2021 e culminou com os ataques do 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram os prédios do Congresso, do STF e o Palácio do Planalto, localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Na visão do PGR, os atos que compõem a denúncia são fenômenos de atentado com relevância criminal e que não podem ser tratados como se fosse de importância menor, pois são considerados graves se o País quiser manter vivo o ambiente do Estado Democrático de Direito.

Procurador-geral da República, Paulo Gonet, no Julgamentos da Ação Penal (Rosinei Coutinho/STF)

Conforme o procurador-geral, quando Bolsonaro percebeu que não conseguiria o apoio dos comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, para levar adiante o plano de ruptura institucional, que previa desde a anulação das eleições à troca dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), restou confiar na insurreição dos manifestantes que se concentravam em frente aos quartéis pedindo intervenção militar.

Gonet afirmou que, mesmo que alguns dos personagens atualmente no banco dos réus não estivessem nos atos violentos de 8 de janeiro, todos eles tiveram participação em cada etapa do plano que culminou nos ataques. Isso envolve as participações em lives e eventos que desacreditavam as urnas eletrônicas, os planos de assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckim e do ministro Alexandre de Moraes, além da chamada “minuta do golpe”, que trazia os instrumentos para quando o golpe se confirmasse. Até um discurso na sala de Bolsonaro, na sede do PL, foi encontrado pela Polícia Federal, o que denotaria o controle do ex-presidente de toda a organização criminosa.

Depois de sustentar cada uma das acusações e reafirmar o valor das provas colhidas pela PF, e aprofundadas pelos elementos levados por Mauro Cid, em sua delação premiada, Gonet pediu que todos os argumentos sejam aceitos para a condenação dos réus.

Bolsonaro e o ‘Núcleo Crucial’

O julgamento que começou nesta terça-feira, 2, deve ser concluído no próximo dia 12. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), recebida pelos cinco membros da Primeira Turma do STF em março deste ano, Bolsonaro e os sete ex-colaboradores em seu governo integram o chamado “Núcleo 1” ou “Núcleo Crucial”, que atuaram de forma coordenada para um golpe de Estado no País, que visava mantê-lo no poder e não permitir a posse do candidato eleito nas eleições de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ex-presidente Jair Bolsonaro no julgamento da denúncia, em março deste ano (Antonio Augusto/STF)

Além de Bolsonaro, estão sendo julgados o deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira da Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem; o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; Augusto Helo general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); tenente Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.

Sete réus respondem por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; participação em organização criminosa armada; dano qualificado; e deterioração de patrimônio tombado. A exceção é o deputado Ramagem, beneficiado por uma decisão da Câmara dos Deputados que excluiu os crimes ocorridos depois que ele tomou posse como parlamentar: dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Advogado de Cid arranca risos

Dos oito réus, quatro tiveram concluídas as sustentações orais pelos seus advogados neste primeiro dia de julgamento. Os primeiros a subirem à tribuna foram os advogados do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, que tem como defensores Jair Alves Ferreira e César Roberto Bittencourt.

Ferreira ateve-se às questões que envolvem o acordo de colaboração premiada, validado pelo STF e que teve seus termos colocados em xeque pela PGR nas alegações finais, quando pediu a condenação do militar. Além de defender que a delação seja confirmada e seus compromissos cumpridos, o advogado também negou que Cid tenha feito a colaboração por coação e vazado seu conteúdo, tese defendida pelos demais réus, que tentam anular o acordo, que serviu de base para boa parte de denúncia acatada pelo STF.

O advogado de defesa do tenente-coronel Mauro Cid, Cezar Roberto Bitencourt (Gustavo Moreno/STF)

Coube ao segundo defensor de Cid, advogado César Bittencourt, arrancar risadas do plenário, ao começar a elogiar o ministro Luiz Fux, dizendo que ele é sempre “muito amoroso, sempre muito simpático, sempre atraente” como são os cariocas. Foi então que o ministro Flávio Dino interveio e disse que “não esperava menos do que isso” na vez dele.

“Me comprometi, mas vossa excelência está acima disso, vem lá do Norte, com a grandeza, com a elegância, com a sabedoria, com o talento, com tudo que a gente precisa ter aqui”, devolveu Bittencourt a Dino, causando risos na sala. O defensor sustentou, porém, que denúncia da PGR não tem elementos que provem as acusações contra Mauro Cid, que apenas cumprias suas obrigações funcionais e que já tinha destino profissional certo, ao deixar o governo, sem motivos para participar de uma trama golpista. O advogado revelou que o tenente-coronel deixou o Exército por falta de condições emocionais para prosseguir, diante de tudo o que vem passando no processo.

Ramagem: o compilador de Bolsonaro

A segunda defesa oral foi do advogado do deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro (2019-2022). O advogado Paulo Renato Garcia Sintra Pinto refutou as provas usadas pela PGR para acusar o parlamentar por cinco crimes, dos quais foram retirados os de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, por terem ocorrido após a diplomação dele como deputado.

O advogado Paulo Renato Garcia Cintra, da defesa do deputado Alexandre Ramagem (Gustavo Moreno/STF)

Conforme a defesa, a PGR cometeu erros graves na denúncia contra Ramagem, primeiro a acusar uso ilegal de sistema de monitoramento da Abin, conhecido como “Abin Paralela”, além de usar provas que não fazem relação com os fatos narrados na denúncia. Ele pediu que esses fatos não sejam considerados, porque eles não constaram na denúncia oferecida ao STF.

Segundo Pinto, também foram utilizados três arquivos encontrados pela Polícia Federal em equipamentos eletrônicos de Ramagem como elemento de prova, cujo conteúdo nada mais eram que “compilações” do que Bolsonaro já dissera sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas, como aquela em que dizia ter vencido as eleições em 2018 no primeiro turno.

O advogado também negou que Ramagem tenha participado das reuniões de 2022, onde teriam sido discutidos conteúdos golpistas, porque saiu do governo em março para disputar as eleições. Ele pediu para seja excluído o crime de organização criminosa contra Ramagem, seguindo o que o STF já decidiu sobre o ex-deputado Chiquinho Brazão, acusado de ser o mandante da morte da vereador Marielle Franco, que considerou esse crime de natureza permanente.

Advogado se declara a Moraes e a Bolsonaro

Terceiro a ocupar a tribuna, o advogado Demóstenes Torres, que defende o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos, foi outro que arrancou risadas das pessoas presentes no julgamento. Ele usou a maior parte do tempo de uma hora de sustentação oral para fazer elogios a cada um dos cinco membros da Primeira Turma, fazendo comparações com sua trajetória de promotor e de senador.

Ao destacar a carreira do relator Alexandre de Moraes e dizer que isso já prenunciava o “destino iluminado” do ministro, Demóstenes disse que ser a pessoa que consegue gostar do magistrado e de Bolsonaro ao mesmo tempo, e que poderá até levar cigarro onde quer que esteja o ex-presidente.

O advogado Demóstenes Torres durante sessão no STF (Luiz Silveira/STF)

Para o defensor do almirante, acusado pela PGR de ser o único membro das três Forças Armadas a se colocar à disposição de Bolsonaro na trama golpista, a PGR feriu o princípio da incongruência porque usa nas alegações finais fatos que sequer constam na denúncia, o que impossibilita o direito de defesa do réu. Os fatos seria um desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios, para mostrar o poder da força militar, e sua negativa em participar da posse do sucessor no comando da Marinha.

Demóstenes também refutou a delação de Mauro Cid e pede para que seja rescindida. Segundo ele, as declarações do ex-ajudante de ordens de que Ganier teria participado de duas reuniões com Bolsonaro, em dezembro de 2022, para a apresentação da “minuta do golpe”, foi refutada pelos demais comandantes das Forças Armadas.

Caso os ministros aceitem rescindir o acordo, disse o advogado, isso não implicaria no desmonte total da ação penal, mas exigiria o trabalho de separar que provas foram produzidas com os elementos da delação.

Torres não é mentiroso, diz defensor

O advogado do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, Eumar Novacki disse que a PGR baseou a denúncia na premissa de que ele teria participado da trama golpista para subverter a ordem constitucional e que teria se ausentado de Brasília, de forma deliberada, no início de janeiro, quando ocorreram os ataques à Praça dos Três Poderes, por manifestantes pró-Bolsonaro.

O advogado do ex-ministro da Justiça Anderson Torres (Gustavo Moreno/STF)

Torres também foi acusado pela PGR de usar a máquina pública, com blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no segundo turno, para impedir a chegada de eleitores no Nordeste às sessões de votação em locais onde Lula foi bem votado na primeira rodada da eleição de 2022.

Novacki refutou o teor da denúncia, apresentando a cópia de uma reserva de passagens para Orlando, nos Estados Unidos, compradas em novembro de 2022, quando, segundo ele, nem se cogitavam os atos violentos de 8 de janeiro. O advogado reclamou que Torres foi chamado diversas vezes de mentiroso e precisou se defender.

A PF encontrou na casa de Torres a cópia do que ficou conhecida como “minuta do golpe”, mas o advogado alegou que esse rascunho já era amplamente divulgado na internet. Ele também negou que o ex-ministro participou de live de Bolsonaro para desacreditar as urnas eletrônicas. Para Novacki, não há provas, apenas ilações da PGR. Ao final, ele pediu a absolvição de seu cliente.

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Editado por Jadson Lima

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