Justiça Desportiva adverte Carol Solberg por gritar ‘fora Bolsonaro’ em jogo

Carol Solberg foi denunciada pela procuradoria do tribunal desportivo por ter gritado "Fora, Bolsonaro" durante uma entrevista ao vivo. (Reprodução/Internet)

Da Revista Cenarium*

MANAUS – A jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, 33, recebeu uma multa de R$ 1.000, convertida em advertência, em julgamento virtual do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do vôlei, nesta terça-feira, 13.

A decisão foi tomada pela 1ª Comissão Disciplinar. Cabe recurso ao plenário do órgão. Carol Solberg foi denunciada pela procuradoria do tribunal desportivo por ter gritado “Fora, Bolsonaro” durante uma entrevista ao vivo após etapa do Circuito Brasileiro em Saquarema (RJ) no último dia 20.

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A denúncia inicial se baseou em dois artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD): o 191 -deixar de cumprir o regulamento da competição- e o 258 -assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código.

Pelo primeiro, a punição varia de R$ 100 a R$ 100 mil. Pelo segundo, suspensão de uma a seis partidas. O STJD é um órgão independente da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e julga casos no âmbito desse esporte.

Participaram da sessão cinco auditores: os advogados Otacílio Soares de Araújo, presidente da comissão, Robson Luiz Vieira, escolhido em sorteio para relatar o caso, além de Gustavo Silveira, Rodrigo da Paz Ferreira Darbilly e Marcos Eduardo Bomfim. A maioria, inclusive o subprocurador Wagner Dantas, entendeu que a infração ao artigo 258 deveria ser desconsiderada.

Após dois votos a favor da advertência e dois pela absolvição no artigo 191, Araújo desempatou. Ele disse que votaria pela multa convertida em advertência como um “puxão de orelha” à atleta, que nas suas palavras “tomou um susto” ao ir a julgamento.

“O atleta tem que saber que é o grande artista do espetáculo e que tem certas horas em que você não pode falar coisas dentro da quadra de jogo. Dentro da quadra de jogo é errado [se manifestar politicamente], senão daqui a pouco vira moda”, afirmou.

Apesar de algumas falas darem conta da ideia geral sobre a liberdade de expressão do atleta no Brasil e no mundo, além da forma como o entendimento sobre isso vem mudando recentemente, a discussão sobre o caso de Carol se centrou no fato de ela ter descumprido ou não o item 3.3 do regulamento do Circuito Banco do Brasil Vôlei de Praia Open.

“O jogador se compromete a não divulgar, através dos meios de comunicações, sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar ou denegrir a imagem da CBV e/ou os patrocinadores e parceiros comerciais das competições”, diz o documento.

O primeiro a votar, o relator Vieira, entendeu que a manifestação de Carol pode, direta ou indiretamente, prejudicar a imagem da CBV e/ou de seus patrocinadores. Por isso, defendeu a aplicação de uma multa de R$ 1 mil, convertida em advertência, por ter ferido o artigo 191 do CBJD.

Na sequência, Rodrigo Darbilly apenas divergiu do valor da multa e a estipulou em R$ 500. Marcos Bomfim e Gustavo Silveira votaram pela absolvição total, antes de Araújo desempatar.

Antes dos votos, indagada pelos auditores, pelo subprocurador Wagner Dantas e também por seu advogado Leonardo Andreotti, Carol Solberg voltou a dizer que sentiu a necessidade de protestar diante do que considera erros do presidente na condução do combate à Covid-19 e às queimadas da Amazônia e do Pantanal.

Ressaltou que em nenhum momento quis ofender a CBV e o Banco do Brasil, patrocinador da confederação desde 1991. Questionada pelo subprocurador se estava arrependida, Carol respondeu que “de maneira nenhuma”. Andreotti perguntou para a atleta qual prejuízo teria em caso de punição.

“Seria terrível, um jogo [de suspensão] já seria muito ruim. Neste ano de pandemia só joguei três torneios, ao longo da pandemia mantive, nos cinco meses, toda a minha equipe. Uma punição prejudica minha equipe, minha parceria, meu técnico, auxiliares. Não temos um patrocinador, o Banco do Brasil, a CBV não me bancam em nada”, afirmou.

Houve também um momento de confusão quando o presidente da comissão afirmou que uma lista indicava que Carol seria beneficiária do programa do governo federal Bolsa Atleta, com repasses mensais de R$ 11 mil. A jogadora explicou que já foi beneficiada pelo programa, mas que não é mais, desde o fim de 2019.

Negou que receba esse valor e se colocou à disposição para apresentar extratos de sua conta bancária. Ao ser questionada se o local de sua manifestação foi adequado, respondeu: “O atleta tem que poder falar onde quiser, é o que acredito, acho que não tem local adequado. Acredito na minha liberdade de expressão quando estou dando uma entrevista”.

O ponto principal da defesa de Andreotti, em sua sustentação oral, foi o fato de que a atleta não atacou a CBV e nem os seus patrocinadores. Pelo contrário, até os elogiou durante a competição. E que sua fala contra Bolsonaro era apenas sua visão política.

O principal patrocinador da confederação é o Banco do Brasil, seu parceiro desde 1991. O contrato entre as partes vai até o próximo ano, e pessoas do meio passaram a temer que o episódio influenciasse na decisão sobre sua renovação, por mais que isso não tenha sido dito abertamente por nenhuma das partes.

“Em todos os segmentos existem regras, e devem ser cumpridas. Recebemos de todos os patrocinadores no sentido de que evitem manifestações sobre isso e tal, e a gente repassa, através dos nossos regulamentos, para os atletas”, afirmou Radamés Lattari, CEO da CBV, na semana passada, durante a eleição do Comitê Olímpico do Brasil (COB).

A convite de Isabel Salgado, mãe de Carol e hoje um das líderes do movimento Esporte pela Democracia, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, aceitou fazer parte da defesa da jogadora.

Ele convidou Leonardo Andreotti, especializado em direito desportivo e ex-presidente do STJD da modalidade, para seu time. Foi Andreotti quem falou na sessão desta terça. Além da possibilidade de recursos, o caso também poderá ter desdobramentos na Justiça comum.

Na sexta-feira, 9, o Ministério Público Federal solicitou explicações à CBV sobre qual item do regulamento Carol teria descumprido e quais fundamentos para a limitação da liberdade de expressão no âmbito esportivo.

O procurador Leandro Mitidieri Figueiredo também pediu que seja informado, no prazo de dez dias, como a confederação procedeu em relação a casos análogos de manifestação política por parte de atletas, notadamente o ocorrido em setembro de 2018, quando dois jogadores da seleção brasileira de vôlei comemoram uma vitória da equipe fazendo alusões ao número 17, do então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro.

Naquela ocasião, os atletas Wallace e Maurício Souza fizeram o número 17 com os dedos numa foto durante disputa do Campeonato Mundial de vôlei de quadra. O registro com o ato da dupla chegou a ser publicado pela CBV em sua conta no Instagram. A entidade, porém, removeu a publicação e publicou uma nota de repúdio. Wallace e Maurício Souza não foram denunciados ao STJD.

“A CBV se manifestou através nota oficial nos dois casos. A CBV, e nenhuma entidade, pode punir alguém. A CBV não pode punir nem a Carol, nem o Wallace. O tribunal é quem julga, não é a CBV”, disse Lattari.

(*) Com informações da Folhapress

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