Justiça determina que Incra conclua regularização de quilombos no Pará


19 de maio de 2024
Placa no Quilombo Sítio Conceição (Foto: Roberto Chipp)
Placa no Quilombo Sítio Conceição (Foto: Roberto Chipp)

Da Revista Cenarium*

BELÉM (PA) – Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal concedeu liminar para determinar que o Município de Barcarena (PA) interrompa imediatamente a emissão de títulos individuais de imóveis localizados em áreas de cinco quilombos de São Lourenço, São João, Cupuaçu, Burajuba e Sítio Conceição, sem o consentimento prévio, livre e informado das respectivas comunidades.

A decisão também determinou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conclua a fase de elaboração dos Relatórios Técnicos de Identificação e Demarcação (RTID) dos territórios das cinco comunidades em prazo máximo de um ano. A cautelar acolheu parte dos pedidos feito pelo MPF em ação civil pública para garantir os direitos de quilombolas que, desde 2016, buscam a regularização de seus territórios.

Embora tenha começado há mais de sete anos, o processo de regularização das áreas das cinco comunidades ainda está na etapa inicial, de produção de documentos e laudos para elaboração do RTID. Em 2018, a União transferiu para o Município de Barcarena 7,7 milhões de metros quadrados, em terrenos que se sobrepõem aos territórios reivindicados pelas comunidades tradicionais.

Apesar de existirem mapas e laudos periciais que apontam a sobreposição e a ocupação tradicional, a Administração Municipal passou a utilizar a área no Projeto de Regularização Fundiária Urbana no município (Reurb), destinando lotes e imóveis a terceiros. Foram anunciados pelo menos 400 títulos definitivos individuais de terra na área de ocupação tradicional.

Na ação civil pública ajuizada em fevereiro deste ano, o MPF aponta que tanto a cessão da área da União para o Município quanto seu uso em programas municipais de regularização fundiária são irregulares, pois violam direitos das comunidades aos territórios de ocupação tradicional. O MPF sustenta que a demora do Incra em concluir a regularização das áreas fragiliza os grupos tradicionais, que vivem em constante ameaça de perda de seus territórios.

A decisão judicial registra que as comunidades remanescentes de quilombos constituem patrimônio cultural brasileiro, conforme previsto no artigo 216 da Constituição Federal, “sendo-lhes assegurada a propriedade das terras tradicionalmente ocupadas”. Além disso, é dever do Poder Público adotar as medidas necessárias para a efetividade dessa garantia constitucional.

Ao conceder a liminar, a Justiça considerou que a continuidade da execução do Programa Reurb é temerária, “ao permitir a ocupação por terceiros de terras que ainda estão sob análise fundiária”. Segundo a decisão, os quilombolas não podem ser prejudicados pela demora do Incra em regularizar as terras. “A demora na conclusão da demarcação dos territórios tradicionais pelo Incra configura “omissão do poder público”, conforme consta na cautelar.  



Outros pedidos do MPF

Além da suspensão da emissão de títulos e da conclusão da regularização das áreas, o MPF pede que a Justiça anule a cessão do terreno da União para o Município. Como forma de reparação moral, o órgão ministerial pretende que o Incra, a União e o município de Barcarena sejam obrigados a dar ampla publicidade a pedido de desculpas direcionado aos quilombos lesados.

O MPF também quer que os entes e a autarquia federal sejam condenados ao pagamento de danos morais coletivos no valor total de R$ 15 milhões. O dinheiro deve ser revertido em favor das comunidades tradicionais. Esses pedidos ainda serão analisados pela Justiça.
 
Desde 2018, o MPF atua no caso e, além da ação, já expediu recomendação sobre o assunto.

Como é o processo de regularização de um território quilombola?

De acordo com o Decreto nº 4.887/03, a responsabilidade pela titulação de um território quilombola é do Incra. As regras do procedimento estão estabelecidas na Instrução Normativa Incra nº 57/2009:

– As comunidades interessadas devem encaminhar à Superintendência Regional do seu estado pedido de abertura de procedimento administrativo, apresentando a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos emitida pela Fundação Cultural Palmares.

– O Incra abre o procedimento administrativo para identificar, delimitar e reconhecer a área pretendida. A primeira parte do trabalho consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da terra.

– O relatório contempla diversas informações de natureza antropológica, fundiária, econômica, cartográfica, entre outras que possam subsidiar o processo de titulação da área.

– Após a elaboração do relatório, abre-se prazo para a recepção, análise e julgamento de eventuais manifestações de órgãos e entidades públicas e contestações de interessados.

– As alegações são analisadas e o relatório pode sofrer alterações. Depois da aprovação definitiva do RTID, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.

– A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com desintrusão (retirada) de ocupantes não quilombolas da área mediante desapropriação ou pagamento de indenização e demarcação do território.

– O processo termina com a concessão do título de propriedade ao grupo, que é coletivo e emitido em nome da associação da comunidade da área.

(*) Com informações do MPF

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