Justiça é acionada após operação contra pessoas em situação de rua às vésperas da COP30 em Belém


Por: Fabyo Cruz

17 de outubro de 2025
Justiça é acionada após operação contra pessoas em situação de rua às vésperas da COP30 em Belém
Vídeo de ação realizada na capital paraense antes do Círio de Nazaré embasou pedido dos órgãos (Reprodução | Composição: Klin Gean)

BELÉM (PA) – O Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado (DPE/PA) acionaram a Justiça Federal após um vídeo mostrar uma operação da Polícia Militar contra pessoas em situação de rua na Praça do Relógio, em Belém, antes do Círio de Nazaré. Na ação, os órgãos pedem a suspensão imediata das remoções forçadas e alertam para o risco do que classificam como uma “limpeza social” promovida pela Prefeitura e pelo Governo do Pará às vésperas da COP30, evento internacional que será realizado na capital paraense em novembro de 2025.

O ação civil pública com tutela antecipada de urgência foi protocolada em 10 de outubro de 2025, além da suspensão imediata de recolhimentos compulsórios, a realização de um diagnóstico socioterritorial e a ampliação de vagas em abrigos públicos para pessoas em situação de rua. No documento, os órgãos denunciam a Prefeitura de Belém e o Governo do Pará de descumprirem a medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023, a qual determina que todos os municípios devem mapear e proteger a população em situação de rua.

Pessoas em situação de rua na capital do Pará (Marx Vasconcelos/Imagem cedida à CENARIUM)

A gravação apresentada pelos promotores e defensores públicos é apontada pelas instituições como evidência do risco de uma “limpeza social” na cidade, diante da visibilidade internacional gerada pelo evento climático que contará com a presença de autoridades e setores da sociedade civil de outros países. O episódio registrado coincide com a realização do Círio de Nazaré, principal evento religioso do Estado celebrado em outubro.

“O cenário fático se agrava diante da constatação de indícios de que no município de Belém, às vésperas de sediar, em novembro, a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP 30), e em desobediência à medida cautelar deferida pelo STF na ADPF 976, tem sido realizado o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção compulsória de pessoas em situação de rua, sem oferta de alternativas de acolhimento ou moradia”, diz trecho do documento.

Documento assinado por promotores e defensores públicos (Reprodução)

O vídeo foi descrito no documento como exemplo de uma política de “zeladoria urbana coercitiva”, contrariando diretamente a decisão do STF. Segundo o MPF, em vez de ampliar políticas de moradia e assistência, o poder público, nas esferas estadual e municipal, tem priorizado ações que resultam na expulsão silenciosa de pessoas vulneráveis de áreas centrais da cidade.

O texto da ação destaca que o domicílio improvisado deve ser equiparado à moradia, conforme a Resolução 40 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, de 2020, e alerta que a retirada compulsória de pessoas em situação de rua sem garantia de abrigo digno constitui grave violação aos direitos fundamentais.

Na manifestação, as instituições destacam que, embora a Prefeitura de Belém tenha justificado as operações de remoção forçada como medidas de combate ao tráfico de drogas e alegado a oferta de assistência social, inspeções realizadas em julho de 2025 comprovaram a “clara insuficiência na rede de acolhimento municipal”.

Conforme os órgãos, na época, o município contava com apenas 40 vagas em abrigos – das quais duas estavam disponíveis – para uma população estimada em quase duas mil pessoas vivendo nas ruas, segundo o Cadastro Único (CadÚnico). Os órgãos de controle também identificaram estruturas precárias e riscos à segurança em espaços voltados ao público em situação de rua, como o Centro POP São Brás e a Casa Rua Nazareno Tourinho.

O MPF afirma que o vídeo da Praça do Relógio representa um problema mais amplo, apontando que, sem políticas permanentes de moradia, saúde e assistência, a cidade repete padrões históricos de exclusão. A ação ressalta ainda que, às vésperas de um evento global sobre sustentabilidade e justiça climática, as práticas reforçam a estigmatização e invisibilização da população em situação de rua.

Com a denúncia, os órgãos esperam que a Justiça determine medidas urgentes para garantir que a preparação de Belém para a COP30 não ocorra às custas dos direitos humanos dessas pessoas. De acordo com o MPF, a ação civil pública é parte de um conjunto de medidas do Ministério Público para acompanhar a preparação da cidade para a conferência climática e prevenir que o evento internacional seja marcado por violações de direitos humanos, cobrando o cumprimento integral da decisão do STF na ADPF 976.

A CENARIUM solicitou posicionamento à Prefeitura de Belém e ao Governo do Pará, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno.

Veja o documento na íntegra:
Leia mais: MPs apontam ‘higienização social’ em Belém e pedem fim de remoções forçadas
Editado por Jadson Lima

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