Justiça federal determina reintegração de posse de território quilombola Kalunga em Goiás

Quilombo Kalunga, Comunidade Engenho 2, em Cavalcante (Arquivo/Agência Brasil)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um lugar centenário onde residem cinco famílias, a Fazenda Vista Linda 4, área que compõe a Fazenda Bonito, no município de Cavalcante, em Goiás, terão as terras devolvidas aos quilombolas Kalungo, após determinação judicial. O juiz federal substituto, Thadeu José Piragibe Afonso, da Vara Federal Subseção Judiciária de Formosa – GO, atendeu ao pedido da Associação Quilombo Kalunga (AQK) e concedeu a tutela provisória para reintegrar a posse do território.

Decisão foi assinada pelo juiz federal Thadeu Afonso, da Vara Federal Subseção Judiciária de Formosa (Reprodução)

Por ser em 1ª instância, a decisão cabe recurso. No documento, o magistrado fundamenta que a área havia sido ocupada, irregularmente, pelo agropecuarista Juvelan de Paula e Souza sem qualquer título que o ampare, demonstrando “esbulho possessório”, ou seja, uma lesão caracterizada pela perda de posse de determinada propriedade por meios clandestinos ou violentos.

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O juiz Thadeu Afonso fundamenta que a área havia sido ocupada irregularmente pelo agropecuarista Juvelan de Paula e Souza, que não tinha título que o amparasse (Reprodução)

Thadeu Afonso determina que a desocupação do imóvel seja imediata, sob pena de multa de R$ 10 mil em caso de descumprimento. O juiz federal de Goiás solicita, também, que seja expedida carta precatória de reintegração de posse, ficando autorizado, se necessário, o uso de força policial para o cumprimento da diligência.

Direito secular

Para o pesquisador de grilagem de terras no território Kalunga, Francisco Sousa, a medida determinada pelo juiz reforça o que a associação quilombola tem se dedicado por anos em provar: o legítimo direito que tem sobre suas terras ocupadas secularmente. Para ele, a decisão precisa ser cumprida e é necessário que os desdobramentos do caso sejam acompanhados com atenção.

“Essa decisão tem algo de especial, por demonstrar o mar de lama no qual supostos proprietários estão mergulhados, por demonstrar a briga entre Juvelan e o grupo Dinâmica pela propriedade das terras, sem possibilidade de conciliação pela sobreposição dos imóveis, expondo as fragilidades das amplas redes de solidariedade e suborno que possibilitam o roubo de terras. E no meio dessa confusão estão os Kalunga, brigando pela manutenção do seu modo de vida e, indiretamente, pela conservação do cerrado”, disse o pesquisador Francisco Sousa em entrevista à REVISTA CENARIUM.

A ação

Segundo o relatório da decisão, Associação Quilombo Kalunga alegou, na ação de reintegração de posse, com pedido de tutela provisória de urgência, que a comunidade Kalunga é a legítima proprietária e possuidora da fazenda e que, em meados de junho de 2020, Juvelan invadiu o território, construindo casa, curral, pasto, e deu início às plantações, além de ter ameaçado outras famílias residentes na área, tentando impedir o pleno exercício de suas posses.

Em defesa, Juvelan apresentou contestação e sustentou que ocupa o território desde 2013, na posse de Juarez Ferreira de Sousa, e que a fazenda é de propriedade sua e de irmãos, além de relatar a existência de decisão judicial reconhecendo a área como de domínio particular, proferida em 1992 e já transitada em julgado. No documento, o agropecuarista também defende que se trata de área particular e que, até o fim do procedimento de desapropriação, não poderá existir posse dos quilombolas sobre o lugar.

Análise dos autos

Na análise dos autos, o juiz federal Thadeu Afonso esclarece que a posse do território para os quilombolas é comprovada, pois, a Lei Estadual nº 11.409/1991, ratificada pela Lei Complementar nº 19/1996 e pelo Decreto Presidencial de 20 de novembro de 2009, reconhece o imóvel como parte do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, portanto, como de posse originária e propriedade da comunidade quilombola Kalunga.

De acordo com o magistrado, o local também é habitado por integrantes da comunidade, que lá exercem afazeres de cunho rural, em regime de subsistência, demonstrando, assim, o cumprimento da função social da posse.

“Lado outro, o requerido não demonstrou sua posse justa e de boa-fé. Isso porque, ao contrário do alegado na peça de bloqueio, na respectiva certidão de matrícula, não consta o genitor do autor como proprietário da Fazenda Vista Linda 4, cuja posse constitui objeto do litígio”, diz trecho da decisão.

Veja a decisão na íntegra:

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