Justiça Federal devolve terras inundadas no AM aos Waimiri-Atroari
Por: Ana Cláudia Leocádio
26 de novembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – A Justiça Federal julgou procedente e reconheceu os direitos do povo Waimiri-Atroari sobre as terras inundadas da Hidrelétrica de Balbina, num processo que contestava o processo de desapropriação feito pelo Governo do Amazonas, na década de 1980, que excluiu parte do território indígena em favor de pessoas de fora do Estado.
A ação civil pública foi protocolada pelo Ministério Público Federal na 1ª Vara Federal Cível da Secretaria Judiciária de Justiça, em 2010, contra a Eletronorte, a Fundação dos Povos Indígenas (Funai), a União e os proprietários de títulos de terras no Amazonas. A sentença de resolução de mérito foi assinada pela juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, no último dia 14, mas só divulgada nessa segunda-feira, 25.
No relatório, a magistrada recorda que os estudos de campo para avaliar a viabilidade energética da região, resultando na entrega de um relatório final com o inventário hidrelétrico do Rio Uatumã, ocorreram entre dezembro de 1968 e dezembro de 1971. Na mesma época, o Estado do Amazonas deu início à conceção de títulos de terras a pessoas de fora da região, na área indicada pelos estudos para a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina.

“Entre 1969 e 1971, foi realizado um grande loteamento na área que atualmente corresponde ao lago da Usina Hidrelétrica de Balbina e arredores. Foram distribuídos cerca de 550 lotes de aproximadamente 3.000 hectares cada. Por meio do Decreto 79.321/77 a União concedeu à empresa estatal Eletronorte o aproveitamento hidráulico de um trecho do Rio Uatumã, no local denominado Cachoeira de Balbina/AM”, informa na sentença.
De acordo com a magistrada, posteriormente, o Decreto Federal n° 85.898/1981 declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, as áreas necessárias à formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Balbina, sob a responsabilidade da Eletronorte, no Amazonas.
Ocorre que antes, o Estado do Amazonas já havia realizado o chamado Loteamento do Pitinga na área, com 550 lotes, de cerca de 3 mil hectares cada. A região a ser desapropriada compreenderia 66 lotes, cujos títulos haviam sido outorgados pelo Estado, mas estes estavam distribuídos entre 27 proprietários. A Eletronorte então iniciou as ações de desapropriação contra os particulares que possuíam título de domínio das áreas.
Os indígenas sempre defenderam que o polígono traçado na área de desapropriação abrangia seu território tradicionalmente ocupado, mas que foi desprezado pelas autoridades à época. Na sentença, a juíza considerou as provas históricas, antropológicas e testemunhais apresentadas pelo MPF, que demonstraram a ocupação tradicional indígena na região desde o século XIX. Há, inclusive, relatos de trabalhadores que estiveram frente a frente com os indígenas na época da construção da usina.
A ocupação dos Waimiri-Atroari, também considerados com o povo Kinja, segundo estudos antropológicos e relatórios da Funai, remonta a séculos antes da chegada dos colonizadores e à expansão das rodovias BR-319, BR- 174 e construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, considerados marcos que pressionaram os povos indígenas em direção a regiões periféricas de suas áreas tradicionais, durante o período da Ditadura Militar (1964-1985).
O Estado do Amazonas chegou a negar, na defesa, a presença dos indígenas no local e defendeu a data e promulgação da Constituição Federal de 1988, como marco temporal para demarcação de terras indígenas, “o que afastaria a conclusão de que os Waimiri-Atroari ocupavam a região alagada para a construção da Usina de Balbina em 5 de outubro de 1988, uma vez que desde 1983 já não se tinha sinal de ocupação deles na área em razão desta restar inabitável desde aquela época pelo início da construção da barragem da usina ter ocorrido nesse ano. Sustentou também que a propriedade da área é do Estado do Amazonas”.
A juíza, porém, não acatou os argumentos dos réus e afirmou que, ao analisar o processo observou que as provas eram robustas e demostram “verossimilhança das alegações no sentido de se verificar que a área inserta no polígono declarado de utilidade pública para fins de desapropriação pelo Decreto 85.898/81, área hoje alagada pelo reservatório de Balbina, sempre foi de ocupação tradicional do Povo Waimiri- Atroari, e, consequentemente, de propriedade da União no final da década de 1960 e início da década de 1970”.
Como os limites foram alterados posteriormente, em 1989, excluindo dos limites da Terra Indígena (TI) a superfície de inundação da Hidrelétrica de Balbina, isso significou o deslocamento compulsório de um terço da comunidade para outras áreas.
Assim, a magistrada, além de reconhecer que área hoje ocupada pelo reservatório de Balbina, é de ocupação tradicional do Povo Waimiri-Atroari, e, consequentemente, seus direitos são preexistentes à construção da usina e a área é de propriedade da União, também declarou a nulidade dos títulos referentes aos lotes que ensejaram as ações de desapropriação no chamado Loteamento do Pitinga.
A Eletronorte, a Funai e a União foram condenadas a indenizar os danos coletivos, de natureza moral, socioambiental e espiritual causados aos indígenas Waimiri-Atroari, pelos prejuízos decorrentes da sua remoção forçada da área discutida nos autos para a construção da Hidrelétrica de Balbina, bem como pela mora quanto à redefinição dos limites da Terra Indígena, em valores a serem definidos em fase de liquidação de sentença.
Os três também foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios, pro rata, cujo percentual deverá incidir sobre o montante da indenização, a ser definido oportunamente e em fase própria.
Foram condenados, ainda, os demais réus (proprietários dos títulos), inclusive o Estado do Amazonas, ao pagamento de honorários advocatícios, pro rata, nos menores percentuais definidos pela legislação.
Funai realiza reunião com povo Waimiri
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, participou, nessa segunda-feira, 25, de uma reunião na Terra Indígena Waimiri Atroari, no Núcleo de Apoio Waimiri Atroari (Nawa), entre os estados do Amazonas e Roraima.
Segundo a autarquia, o evento teve como objetivo debater os avanços e desafios relacionados à proteção territorial e ao desenvolvimento sustentável do território e teve a participação de lideranças indígenas das comunidades, equipes técnicas da Funai, da Coordenação Waimiri Atroari (CWA) e gestores regionais.
Além das discussões sobre os desafios enfrentados na gestão e a proteção da Terra Indígena, de acordo com a Funai, a programação incluiu visitas técnicas a projetos como o viveiro de plantas para o reflorestamento de áreas degradadas com cerca de 25 mil mudas; o Centro de Produção com criação de aves, suínos e outras espécies; e o Centro de Gestão Ambiental Kinja e a serraria, que utiliza a madeira extraída do processo de supressão vegetal do trajeto do linhão em benefício das comunidades locais.
Segundo a assessoria de imprensa da Funai, durante a reunião, foi ressaltado o histórico do povo Waimiri Atroari frente aos impactos gerados por empreendimentos como a construção da BR-174 e a instalação da Usina Hidrelétrica de Balbina, que, entre as décadas de 1970 e 1980, resultaram em perdas populacionais significativas e degradação ambiental.
“A população, que chegou a 374 indígenas, em 1987, atualmente possui 2.778 indígenas, reflexo da resiliência e dos esforços conjuntos para reconstruir a autonomia e qualidade de vida no território”, informa a autarquia.