Justiça manda inspecionar pedral no Pará após pressão do MPF e comunidades
Por: Fabyo Cruz
13 de junho de 2025
BELÉM (PA) – Após pressão do Ministério Público Federal (MPF) e de organizações da sociedade civil, a Justiça Federal determinou a realização de uma inspeção judicial técnica na região do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins, no Pará. A decisão foi tomada durante audiência de conciliação, de caráter sigiloso, realizada na última terça-feira, 10, na sede da Justiça Federal em Belém, e faz parte de uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelo MPF contra o licenciamento das obras de derrocamento no local.
A audiência foi conduzida pela juíza Hind Ghassan Kayath, do sistema de conciliação da Seção Judiciária do Pará, com a presença do juiz André Luís Cavalcanti Silva, titular da 9ª Vara Federal Ambiental, onde o processo tramita. Participaram representantes do MPF, governo federal, Instituto Zé Cláudio e Maria e associações de pescadores locais.

A realização da inspeção foi o único encaminhamento consensual da reunião e representou para a sociedade civil um avanço importante diante das lacunas apontadas no processo de licenciamento. A visita, ainda sem data definida, será organizada com base em indicações do MPF e tem como objetivo avaliar, de forma direta, os impactos ambientais e sociais do empreendimento.
Segundo o juiz André Luís, a visita permitirá um acesso mais direto à realidade e aos impactos concretos da obra. A juíza Hind Ghassan destacou que a audiência representou um ponto inicial de convergência para olhar a realidade local e ouvir também a comunidade.

Para a coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria, Claudelice Santos, a decisão da Justiça representa um avanço importante, ainda que modesto. “A gente avaliou a audiência muito positivamente. Embora muito tímido, é um avanço, principalmente no sentido da garantia de direitos”, afirmou em entrevista à CENARIUM.
Efeitos da obra
Claudelice Santos destaca que o impacto do projeto vai muito além do Pedral do Lourenço. “Nós estamos falando aqui do Pedral, mas que implica um rio inteiro — na verdade, dois grandes rios — que estão sendo sumariamente condenados a um empreendimento para suprir uma necessidade que não é do povo”, disse à reportagem.
A ausência de consulta às comunidades tradicionais é um dos principais pontos de questionamento levantados pela coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria. “As comunidades não foram ouvidas, não foram consultadas. Não houve informações concretas e complexas de todo o processo para aquelas comunidades. Apenas estão dizendo que vai ser bom, que isso é legal, que isso é desenvolvimento, sem construir todas as pautas junto com as comunidades”, afirma.
Para ela, a visita judicial permitirá que os próprios moradores relatem essa ausência de participação direta. “Isso é um avanço, porque na inspeção o juiz vai ouvir diretamente de quem vai ser afetado, se foi ou não foi ouvido”, ressalta.

Claudelice reforça que reuniões pontuais não substituem os processos de consulta formal exigidos por lei. “Reunião não é consulta. Fazer reuniões separadas com alguns grupos de interesse não é consulta. A consulta é construída respeitando os modos das comunidades. As comunidades em torno do Pedral do Lourenço e centenas de outras têm seus próprios protocolos”, destaca.
Ela também denuncia a fragmentação do processo de licenciamento da hidrovia Tocantins-Araguaia, que teria concentrado o debate apenas sobre o Pedral para facilitar o avanço do projeto: “O Estado simplesmente fragmentou toda a hidrovia e colocou pressão sobre, literalmente, uma pedra no meio do caminho. A explosão do Lourenção é uma miniparte. A hidrovia vai atingir dois rios, centenas de povos e comunidades”.
Claudelice diz que é preciso lembrar os efeitos negativos deixados por grandes obras na Amazônia. “Quando a sociedade entender e se posicionar, vai perceber que esses grandes empreendimentos não são para nós. Temos o exemplo da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHE Tucuruí). Todo mundo sabe que ainda hoje tem comunidade que sequer tem energia elétrica, que famílias atingidas sequer receberam a tal da compensação”, afirma.

Ela também cita a Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE) como exemplo do que define como um modelo de desenvolvimento excludente. “Nada compensa uma vida construída num lugar que você cuida, que você protege, que você tem uma relação espiritual e material, e você é simplesmente expulso. É a vida dessas pessoas, é a vida da biodiversidade que esses rios sustentam”, desabafa.
Por fim, Claudelice alerta sobre as promessas de compensação econômica que, segundo ela, não se sustentam na realidade das comunidades: “Sabe qual é a compensação que estão pensando para essas pessoas? Com base no salário mínimo. Isso é colocar essas pessoas numa margem de vulnerabilidade absurda”.
Apoio político à obra
Entre os defensores do derrocamento do Pedral do Lourenço estão o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e o senador Zequinha Marinho (Podemos). Nas redes sociais, Barbalho defendeu a remoção das rochas como medida essencial para viabilizar a hidrovia do Tocantins, com a promessa de integrar logisticamente as regiões Norte e Centro-Oeste e reduzir emissões de gases de efeito estufa.
Já o senador Zequinha, em entrevistas recentes, criticou a morosidade do processo de licenciamento, lembrando que o edital da obra foi publicado em 2014, mas a licença ambiental só foi concedida quase 11 anos depois. Ele aponta agora o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) como entrave à continuidade do projeto, que classifica como estratégico para o País.