Justiça obriga Estado a transferir recém-nascido que teve órgão removido no Pará

Bebê durante transferência aérea para Belém. (Reprodução)

Rômulo D’Castro – Da Cenarium

PARÁ – “Todo indivíduo tem direito à vida”. Está no artigo 3 da Declaração Universal de Direitos Humanos. Mas, na realidade, nem sempre é assim, a exemplo do que tiveram que enfrentar Natália Rodrigues e Israel Ítalo, pais de João Vicente, de dois meses. O bebê, que nasceu prematuro, teve infecção e os médicos tiveram que remover o intestino. Para sobreviver, João passou a se alimentar com o que a Ciência chama de nutrição parenteral, uma solução com nutrientes injetados na veia.

O Hospital Regional Público da Transamazônica, em Altamira (PA), onde o recém-nascido foi internado na UTI, não tinha estoque e a alimentação específica para o tratamento do bebê passou a ser regrada o que, segundo a mãe Natália Rodrigues resultou na perda de peso e complicou ainda mais a saúde do filho. “Meu filho se encontra em um estado de desnutrição muito grave. O hospital alega que é uma questão de logística”.

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Além da falta de alimento especial para João Vicente, o recém-nascido precisaria ser transferido com urgência para um hospital de alta complexidade que pudesse prepará-lo para um transplante de intestino, o que não é possível no Pará e pode demorar de dois a quatro anos entre a preparação do organismo e o procedimento cirúrgico. “O transplante só é feito em São Paulo”, explica Natália. Mas, ainda de acordo com a mãe, o hospital se negou a transferir João Vicente “por falta de leito”. Os pais tiveram que acionar a Justiça.

O juiz da 1ª Vara da Comarca de Altamira, José Luís Leonardo Pessoa Valença, determinou que o bebê fosse transferido com urgência para uma unidade de maior complexidade. Outra liminar assinada pelo juiz determinou o restabelecimento imediato da nutrição parenteral. Os documentos foram expedidos nos dias 21 e 27 de setembro, mas o hospital não cumpriu os prazos. Natália e Israel, pais de João Vicente, chegaram a fazer uma campanha na internet para captar recursos a fim de, por conta própria, dar andamento ao tratamento do filho. Foi só depois da repercussão do caso que o casal conseguiu um leito para o bebê.

João Vicente foi transferido para o Hospital Santa Casa, em Belém. Ele teve a alimentação normalizada e, agora, uma equipe multiprofissional prepara o recém-nascido para a transferência para São Paulo, o que ainda não tem data para acontecer, mas, devido às determinações da Justiça, será custeada pela Secretaria de Saúde do Pará.

Descaso

Agora, os pais de João Vicente devem entrar na Justiça por outro motivo. Quando ainda lutavam pela garantia de um direito básico do filho, Natália e Israel foram surpreendidos pela postura, de acordo com eles, “desumana e antiprofissional” de dois médicos que teriam classificado João Vicente como um caso perdido. “Eu estou decepcionada com o Hospital Regional. No caso do meu filho eu escutei vários absurdos. Um falou para mim e para o meu marido que, depois da cirurgia que ele fez, da retirada do intestino, meu filho não tinha mais jeito e como a gente era novo, a gente poderia ter outro bebê”, desabafa a dona de casa.

Para o pai do recém-nascido foi difícil acreditar no que ouviu. “A gente chegou a escutar que é um gasto de dinheiro público em vão”. Mas, desistir de João Vicente nunca esteve nos planos dos pais. “Eu falei pra diretora do Regional que se tiver um por cento eu vou atrás da saúde do meu filho”, conta emocionado Israel que aguarda ansioso a recuperação do bebê, primeiro filho do casal.

Posicionamentos

Sobre a falta de nutrição especial para o recém-nascido, a Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) explicou que o problema foi pontual e já está normalizado. Quanto à falta de cumprimento da ordem judicial para transferência de João Vicente, o atraso teria sido causado pela falta de leito no Hospital Santa Casa. Já em relação à denúncia contra médicos da unidade, a secretaria não se manifestou.

A reportagem também procurou a Secretaria de Saúde do Município de Altamira. Em nota, a Sesma informou que vai arcar com a logística necessária para o Tratamento Fora de Domicílio (TFD, serviço obrigatório por lei).

O Hospital Regional Público da Transamazônica não respondeu ao pedido de nota sobre a falta de alimentação específica para o caso do paciente nem sobre a demora para a transferência. A reportagem também solicitou nota sobre possíveis sanções contra médicos que atenderam João Vicente e, segundo os pais do bebê, deram o caso como perdido numa demonstração clara de desvio de conduta profissional.

Respaldo jurídico

A CENARIUM consultou três advogados. Ivonaldo Cascaes cita a Constituição Federal. “Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindo a brasileiros e estrangeiros no país a inviolabilidade do direito à vida”, explica o advogado.

Para Ivonaldo Alves, “a cláusula pétrea deve ser respeitada”. Joaquim Freitas Neto defende que, sobre o descumprimento de ordens judiciais, como no caso de João Vicente, “deve-se buscar a responsabilidade do hospital e os pais, sentindo-se lesados, podem acionar a justiça”. Sobre as denúncias contra médicos da unidade hospitalar, o advogado orienta que “é preciso analisar com cautela as duas partes para saber se houve desvio de conduta profissional”.

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