Lei aprovada por Lula ameaça ciclo hidrológico da Amazônia


Por: Lucas Ferrante*

06 de fevereiro de 2025
Lei aprovada por Lula ameaça ciclo hidrológico da Amazônia
Para Ferrante, Governo Lula precisa revisar questões importantes, como a repavimentação da BR-319 e a exploração de petróleo e gás na Amazônia (Composição: Weslley Santos/CENARIUM)

MANAUS (AM) – A vitória do presidente Lula nas eleições de 2022 foi vista por pesquisadores e ambientalistas como uma conquista para a ciência e para a Amazônia, devido ao maior comprometimento do governo com questões ambientais. O periódico Nature Human Behaviour destacou a perspectiva de pesquisadores que se mostraram otimistas com essa mudança em um artigo intitulado “O futuro da ciência brasileira” (The Future of Brazilian Science). No entanto, em minha contribuição para o periódico, ressaltei que o Governo Lula ainda precisa revisar questões importantes, como a repavimentação da rodovia BR-319 e a exploração de petróleo e gás na Amazônia, a fim de mitigar as mudanças climáticas e outros impactos ambientais e sociais.

Os mesmos apontamentos também foram destacados em outros periódicos científicos, como Environmental Conservation, editado pela Universidade de Cambridge, em um artigo liderado pelo pesquisador Rodrigo Vilani, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, está cada vez mais evidente que as promessas ambientais do presidente Lula se distanciaram significativamente do que foi defendido em sua campanha.

Nos últimos dois anos, a Amazônia enfrentou um cenário de seca sem precedentes, especialmente na região do Alto Rio Negro, o que tem causado grande preocupação entre os pesquisadores. Em um estudo publicado no periódico Environmental Monitoring and Assessment, demonstramos que até mesmo espécies atualmente consideradas comuns e fora de risco de extinção já estão em declínio e devem desaparecer nos próximos 15 a 20 anos.

Entretanto, os danos das mudanças climáticas para a Amazônia não se limitam à biodiversidade e aos rios. A região pode enfrentar ondas letais de calor, com sensação térmica de até 71°C, o que pode colapsar o sistema de saúde e dizimar parte da população de Manaus, sobretudo os mais vulneráveis socialmente, como já foi abordado anteriormente na CENARIUM.

Diante desse cenário alarmante, como pode o presidente Lula, defensor de uma retórica ambiental progressista, sancionar uma lei que agrava ainda mais os fatores responsáveis por esses impactos devastadores? Na edição mais recente da revista Science, um dos mais importantes periódicos científicos do mundo, destaquei como a sanção da Lei Nº 14.876 pelo presidente Lula intensifica a seca e compromete o ciclo hidrológico do bioma amazônico, essencial para a estabilidade climática da América do Sul.

A nova legislação, que remove a silvicultura da lista de atividades potencialmente poluidoras, isentando-a de licenciamento ambiental e de tributos como a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, incentiva a expansão de monoculturas de eucalipto, inclusive para a região Amazônica. Essas plantações em larga escala degradam serviços ecossistêmicos essenciais, como o armazenamento de água no solo e a evapotranspiração da paisagem, exacerbando a seca já agravada pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas. Além de comprometer o bioma, esse modelo impacta a geração de chuvas em regiões distantes, afetando a agricultura, a geração de energia e a biodiversidade do Brasil, ampliando os riscos de um colapso dos serviços hídricos e climáticos da Amazônia.

Confira a publicação da Science na integra traduzida em português aqui na Cenarium:

Título: Ameaça ao Ciclo Hidrológico da Amazônia

Em maio de 2024, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Nº 14.876, que retira a silvicultura da lista de atividades potencialmente poluidoras, isentando-a da exigência de licenciamento ambiental que se aplica à maioria das atividades agrícolas no Brasil. A lei também altera a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Nº 6.938/81) e isenta a silvicultura do pagamento de taxas tributárias, como a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, incentivando a expansão desse tipo de cultivo na Amazônia. A Lei Nº 14.876 deveria ser revogada para evitar mais prejuízos ao ecossistema amazônico.

A política ambiental alterada estimulará o aumento da silvicultura, incluindo monoculturas de eucalipto em grande escala, que contribuem para a perda de biodiversidade e a degradação dos serviços ecossistêmicos. Grandes plantações de eucalipto podem afetar substancialmente o armazenamento de água nos solos e nos ecossistemas circundantes, incluindo o processo de evapotranspiração. Esses ciclos hidrológicos já estão sobrecarregados pelo desmatamento contínuo e por anomalias climáticas.

A Amazônia fornece serviços ecossistêmicos essenciais para a América do Sul, especialmente a regulação climática e a evapotranspiração. A floresta gera umidade que se desloca pelo continente, sustentando a precipitação em regiões distantes. Esses impactos abrangentes afetam populações, biodiversidade, indústrias, produção de energia e agricultura em todo o Brasil. A perda de serviços ecossistêmicos nas regiões sul e sudeste do Brasil, em setores como agricultura, indústria e serviços, representa um custo que ultrapassa 1 trilhão de dólares. Na Amazônia, o estresse hídrico combinado com a perda de umidade tende a resultar em temperaturas que excedem os níveis adequados para a saúde humana e para a biodiversidade.

O Ministério Público Federal e o Judiciário no Brasil devem tomar medidas para revogar a Lei Nº 14.876, dado seu potencial de agravar a crise hídrica, intensificando as condições de seca no bioma amazônico e em outras áreas dependentes desses serviços ecológicos. Além disso, os principais destinos das exportações brasileiras de produtos florestais — Estados Unidos, Europa, China, Argentina e Chile — deveriam limitar as importações provenientes do Brasil para reduzir a demanda e impedir que a Amazônia atinja um ponto de inflexão, o que levaria ao colapso de seus serviços hídricos e funções de regulação climática”.

(*) Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e possui Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ferrante é o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nas duas principais revistas científicas do mundo, Science e Nature. Atualmente, atua como pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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