Lei que proíbe banheiro multigênero em Manaus é criticada e expõe desinformação; ‘inaceitável transgressão da igualdade’


20 de outubro de 2022
Imagem retrata a porta de um banheiro multigênero com o símbolo bloqueado (Thiago Alencar/CENARIUM)
Imagem retrata a porta de um banheiro multigênero com o símbolo bloqueado (Thiago Alencar/CENARIUM)

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS – A proibição de banheiro multigênero na capital amazonense, após sanção do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), na terça-feira, 18, provocou manifestações da comunidade de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual (LGBTQIAP+) e expõe a desinformação sobre o tema.

“A estrutura de um banheiro individual ou de uso compartilhado é só uma forma para que pessoas que fogem da binaridade homem e mulher usem esse espaço com liberdade e conforme o direito que tem de fazer tal uso”, explicou o enfermeiro clínico e educador comunitário, com foco na prevenção em saúde da população LGBTQIAP+ Lucas Brito. A binaridade de gênero, segundo estudos científicos, é constituída entre homem e mulher e como isso interfere na subjetividade do sujeito.

“Pessoas trans, não binárias, LGBTQIAP+, homens gays ou mulheres lésbicas, bissexuais, dependendo do espaço, não estão confortáveis”, completou o enfermeiro. Lucas explicou que o grande ponto está em entender o que é um banheiro multigênero e a necessidade disso nos espaços públicos e privados.

Para o enfermeiro, a LGBTfobia torna essa questão maior do que é e faz com que isso seja mais uma ferramenta de violência contra a comunidade. “Não é difícil resolver isso e nem deveria ser um problema mais debatido, se as pessoas se permitissem obter mais informações sobre o tema”, explicou.

Centro Estudantil da Escola de Design de Rhose Islan (Bruce Damonte/Reprodução)

Lamentável

O professor e ativista social Gabriel Mota identificou que a lei tem o objetivo de atender um grupo político conservador que atua dentro da Casa Legislativa, e que a população sempre teve banheiros multigêneros ao redor.

“Sempre tivemos banheiros multigêneros ao nosso redor. Seja na própria casa, no boteco que a gente vai no fim de semana, quando viajamos de avião, e uma série de lugares que, às vezes, por limitação de espaço, tem apenas um único banheiro para servir os dois gêneros. Não precisa de muito para andar por aí. O que pode ser traduzido dessa lei é que os parlamentares envolvidos, claramente, querem estigmatizar e criar um problema que não afeta a população de Manaus. Criaram uma lei baseada em que, exatamente? Qual a justificativa e que tipo de garantia estão querendo promover? É lamentável que com tantas ruas esburacadas, taxa de esgoto zerando o cofre das famílias manauaras, igarapés poluídos, trânsito impraticável, e tantos outros problemas, os vereadores de Manaus estejam focados em desenvolver legislações que não têm cabimento algum para a sociedade manauara.

Estupidez

O sociólogo Luiz Antônio classificou como “estupidez” a criação da lei, pelo vereador João Carlos, e que o parlamentar deveria se preocupar com outras questões mais relevantes para a população de Manaus, como a construção de creches, na capital, que é uma pauta mais urgente, que possui mais de 129 mil crianças de 0 a 3 anos que estão na fila de espera aguardando uma unidade de ensino na capital amazonense.  

“Quando esse vereador apresenta uma proposta e um projeto de lei proibindo os banheiros unissex, banheiros na cidade de Manaus, na rede pública de Manaus, só revela a estupidez, a ignorância e o abuso indevido do dinheiro público. Por isso, defendo a ideia de que é necessário que este vereador se preocupe com a construção de creches. As famílias dessas 129 mil crianças ficam afetadas e encontram uma série de dificuldades desde o processo de aprendizado, desde o acolhimento, passando pelas dificuldades dos pais, em especial, das mães de trabalharem com segurança. Esse vereador deveria estar preocupado com isso, a Câmara de Manaus deveria estar preocupada com isso, o prefeito deveria estar preocupado com isso, e que o MPF deveria interpor contra o vereador para que ele devolvesse o dinheiro que ele gastou, perdendo tempo com essa bobagem”, afirmou o sociólogo.

Transgressão

O epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Orellana destacou que é mais um tipo de violência estrutural capitaneada pelo legislativo, executivo e movimentos radicais que desrespeitam a diversidade de gênero, e que é mais um absurdo dos tempos escuros que a sociedade está vivendo.

“Antes de tudo, estamos falando de uma violação da convenção interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância, uma inaceitável transgressão de princípios de igualdade e da não discriminação entre os seres humanos. Infelizmente, vivemos momentos escuros em que princípios democráticos elementares começam a se deteriorar com a chancela de um Estado doente e intolerante”, esclareceu Jesem.

Legislação

A regulamentação que proíbe a instalação e o uso de banheiros multigêneros, em Manaus, usados por homens e mulheres, simultaneamente, é de autoria do vereador João Carlos (Republicanos). De acordo com o texto da Lei 2.966, fica proibido, em espaços e eventos públicos e privados do município de Manaus, com ou sem restrição ao acesso e à circulação, a instalação de banheiros multigêneros.

Nos estabelecimentos em que não sejam possíveis a instalação de banheiros, toaletes ou vestiários específicos para cada sexo, fica autorizado o uso, de forma alternada e individual, deste ambiente sanitário por homens e mulheres, respeitando sua privacidade.

Vereador de Manaus João Carlos, do Republicanos, em sessão na CMM (Reprodução)

Em manifestação na Câmara Municipal de Manaus (CMM), o vereador da base evangélica e pastor da Igreja Universal, João Carlos afirmou que a “tradicional família brasileira” vem sofrendo diversos ataques e que uma parte da mídia tenta deturpar o conceito de família tradicional.

“Quero agradecer a sensibilidade do prefeito de Manaus, David Almeida, em entender a necessidade de vetar a possibilidade de construção desse tipo de banheiro em nosso município. A família tradicional vem sofrendo diversos ataques, seja por parte da grande mídia, de artistas ou grupos políticos, que por meio de um discurso repleto de inverdades, tenta, de inúmeras formas, deturpar o conceito de família tradicional. Eu, como representante do povo e cristão, não posso me furtar da obrigação de continuar a defender aquilo que é a base de toda sociedade: a família”, afirmou João Carlos.

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Perfil

O vereador João Carlos, do Republicanos, é pastor da Igreja Universal e novato em cargo eletivo. Foi eleito, em 2020, como o vereador mais votado do pleito, com 13.880 votos. No site da Câmara Municipal de Manaus, o parlamentar resume sua trajetória como radialista, presidente estadual do partido Republicanos no Amazonas no período de 2014 a 2020 onde, atualmente, exerce o mandato como vice-presidente. João Carlos também foi secretário municipal de Juventude, Esporte e Lazer (Semjel) nos anos de 2018 a 2020.

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