Líder dos Yanomami, Kopenawa apela a Cármen Lúcia contra governador de RR: ‘Apoia garimpo’


Por: Alinne Bindá

28 de outubro de 2025
Líder dos Yanomami, Kopenawa apela a Cármen Lúcia contra governador de RR: ‘Apoia garimpo’
A ministra do STF Cármen Lúcia, o líder indígena Davi Kopenawa e o governador de Roraima, Antonio Denarium (STF e Greenpeace | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

BOA VISTA (RR) – O líder Yanomami Davi Kopenawa gravou um vídeo em Brasília (DF) direcionado à ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, pedindo que ela dialogue com as autoridades de Roraima para conter o avanço do garimpo ilegal em território Yanomami e citou o governador do Estado, Antonio Denarium (Progressistas). Denarium responde a quatro processos de cassação no TSE. Atualmente, um deles está suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça em 26 de agosto de 2025.

No vídeo, Davi Kopenawa se apresenta à ministra como alguém que ela conhece e reforça o pedido de ajuda ao solicitar que Cármen interceda junto ao Governo de Roraima. O líder indígena pede que a magistrada use sua influência institucional para evitar o retorno dos garimpeiros ilegais à Terra Yanomami, alertando para os impactos da atividade sobre a saúde e o cotidiano das comunidades. A operação que ocorre no território é coordenada pelo governo federal, por meio do ministério da Casa Civil.

“Eu vou falar diretamente com a senhora ministra Cármen Lúcia. Eu já conheço ela e ela já me conhece. Senhora Cármen, eu estou aqui em Brasília. Estou pedindo a força da senhora para falar com o governador, o Governo de Roraima. [O Antonio Denarium] parece uma pessoa boa, mas a alma dele não é boa. Eu queria que a senhora chamasse a atenção dele para não deixar e não apoiar a volta do garimpeiro ilegal à terra indígena Yanomami. Isso não é bom para o meu povo Yanomami”, declarou Kopenawa.

O xamã também afirmou estar revoltado com Denarium e relatou que tem recebido informações sobre a suspeita de apoio de integrantes do Governo de Roraima ao garimpo ilegal. “Tem muita gente que conhece ele e fica falando que ele continua dando apoio para o garimpo ilegal voltar na terra Yanomami. Isso a gente não pode deixar acontecer outra vez. É muito ruim para o meu povo Yanomami garimpeiro ilegal garimpando e levando mais doença para a terra Yanomami. Está muito ruim os meus filhos, netos, meninos, que continuam sofrendo”, disse o líder indígena.

Cármen Lúcia e Davi Kopenawa encontraram-se no Palácio do Planalto (Reprodução)

Além disso, Kopenawa mencionou, ainda, que os suspeitos de atuarem em garimpo ilegal no território Yanomami, ao longo dos rios Mucajaí e Uraricoera, continuem para que as doenças se intensifiquem na região onde os indígenas estão situados. “É muito ruim para o meu povo Yanomami o garimpeiro ilegal garimpando e levando mais doença para a Terra Yanomami. Está muito ruim para os meus filhos, netos e meninos, que continuam sofrendo“, declarou Kopenawa.

O governador Antonio Denarium enfrenta quatro cassações de mandato decididas pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022. O caso está sob análise do TSE e segue sem desfecho após o pedido de vista do ministro André Mendonça em 26 de agosto de 2025.

O governador de Roraima, Antonio Denarium, e o vice, Edilson Damião, realizam entrega das cestas básicas (Reprodução/Redes Sociais)

A cassação no âmbito estadual ocorreu por meio de uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime) ajuizada pela Coligação Roraima Muito Melhor, que tinha a ex-prefeita de Boa Vista Teresa Surita (MDB) como candidata ao Governo de Roraima. Entre as práticas irregulares destacadas nas denúncias da coligação está o uso de programas sociais como “Morar Melhor”, “Cesta da Família” e “Renda Cidadã” para obter vantagens políticas na disputa eleitoral.

Riscos do garimpo

A atuação do garimpo ilegal no território da Yanomami em Roraima tem implicações diretas no grave cenário de saúde da população. O contágio por malária, infecções respiratórias e desnutrição [que afetam em especial crianças de 0 a 9 anos] são fortemente agravados pelas condições deixadas pela extração clandestina de minério: águas contaminadas, solos degradados, e presença irregular de garimpeiros dentro do território. É justamente nessa confluência entre invasão territorial por garimpo e crise sanitária que se explicita a urgência da situação.

Em 2024, o Ministério da Saúde registrou 33,3 mil casos de malária na Terra Indígena Yanomami — número superior à própria população do território [27,1 mil pessoas, segundo o Censo 2022]  e 44% dessas notificações foram em crianças de 0 a 9 anos; apesar do volume, as mortes por malária caíram quando comparadas semestre a semestre [9 no 1º semestre de 2024, ante 14 no 1º semestre de 2023].

No eixo territorial e ambiental, o governo federal afirma ter realizado 6.425 ações desde 2023, impondo R$ 477 milhões em perdas ao garimpo e reduzindo em até 98% as áreas de mineração ilegal na TI Yanomami; balanço anterior já apontava queda de 91% nos “pontos consolidados” e de 95,76% nos “novos pontos” de garimpo.

Ainda assim, persistem danos estruturais: estudos detectaram contaminação por mercúrio em todas as amostras capilares coletadas em nove aldeias, com parte da população acima de limites seguros, um risco adicional à saúde infantil e materna. No recorte demográfico, o IBGE contabilizou 16.864 Yanomami em aldeias de Roraima e 10.280 no Amazonas [total aproximado de 27 mil], reforçando a centralidade de Roraima no atendimento e na fiscalização.

Fala discriminatória

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública contra Governo de Roraima, em 29 de junho de 2023. O processo foi instaurado depois que Denarium afirmou, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em janeiro do mesmo ano, que que os indígenas “têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata parecendo bicho”.

De acordo com a ação, assinada na época pelo procurador do MPF Alisson Marugal, o governador de Roraima proferiu uma declaração com “um claro viés discriminatório” e intolerância étnica, além de insinuar inferioridade cultural dos povos da Terra Indígena (TI) Yanomami. “Ao compará-los a ‘bichos’, coisifica o grupo étnico, relegando-o à condição sub-humana”, destacou Marugal.

“A declaração proferida pelo chefe do Poder Executivo do Estado de Roraima tem manifesto caráter discriminatório, haja vista exprimir intolerância étnica e retratar discurso supremacista ao denotar suposta inferioridade cultural dos povos da Terra Indígena Yanomami ante à sociedade envolvente”, destacou.

Leia mais: Liderança Yanomami pede que Cármen Lúcia acelere julgamento de Denarium
Editado por Jadson Lima

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