Líder indígena de 71 anos conquista novas seções eleitorais em território
Por: Cenarium*
07 de outubro de 2024
MANAUS (AM) – Graças à persistência da líder indígena Nadir dos Santos Ferreira, e uma luta de dois anos do povo Sateré-Mawé, com apoio da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), mais de 400 eleitores das comunidades das “cabeceiras” do igarapé do Miriti, em Maués, vão exercer sua cidadania na plenitude e votar para prefeito e vereador.
Em dia 5 de abril deste ano, Nadir embarcou em “uma missão” em busca de assinaturas para um abaixo-assinado que garantiu a criação de duas novas seções eleitorais na comunidade Nossa Senhora de Nazaré, na Terra Indígena Andirá-Marau, na região do Alto Rio Marau, na cidade localizada a 276 quilômetros da capital Manaus (AM). Antes, a maior parte dos eleitores da terra indígena levava até um dia de viagem para votar na localidade mais próxima.
“Fomos até as comunidades Campo do Miriti, São Bonifácio, Novo Remanso, Dívino Espírito Santo, Novo União, Novo Unido, Marau Novo, Santo Anjo, Santo Antônio e outras. Percorremos as comunidades em busca de assinaturas na ata para que fosse implantada uma urna eletrônica aqui em Nossa Senhora do Nazaré”, relatou dona Nadir, que é vice- tu’isa da comunidade (tu’isa significa cacique ou tuxaua na língua Sateré), ressaltando que a iniciativa foi apoiada pelos demais tu’isas da região.

A líder indígena afirmou, com ajuda de tradutores, pois não fala português, que a missão foi feita em uma voadeira com motor de 15 HP. “Pegamos chuva, sol e passamos fome, se alimentando somente de saúva taiá (formiga) com chibé, mas em busca de um grande sonho, coletando as assinaturas dos parentes”, disse ela.
Nadir explicou que a instalação de urnas eletrônicas na comunidade era necessária, levando em consideração as dificuldades para votação no lugar mais próximo até então, a comunidade Vila Nova, que fica a quilômetros de distância. “Agora me sinto muito feliz por ter conquistado uma luta em prol do meu povo. Agradeço à doutora Daniele [Fernandes, defensora pública de Maués] por ter dado esse apoio. Waku Sese [saudação na língua Sateré], finalizou.

O trabalho de dona Nadir viabilizou a instalação de duas urnas eletrônicas em Nossa Senhora de Nazaré, que, no percurso fluvial, fica distante mais de 100 quilômetros da sede de Maués – de cinco a 12 horas de barco rio acima.
As novas seções eleitorais, de números 176 e 179, da 5ª Zona Eleitoral, atenderão a 496 eleitores, quantidade suficiente para eleger um representante na Câmara Municipal – o vereador eleito de Maués menos votado de 2020 recebeu 432 votos.
Abaixo-assinado
O abaixo-assinado foi entregue ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), que, na sequência, avaliou a possibilidade e participou de um mutirão organizado pela DPE-AM em Nossa Senhora do Nazaré (Mo’yha Aikawiano Hanuat Ko’i Pyt’awa Hap – Acesso a Direitos), realizando mudança do local de votação para a comunidade e a emissão de novos Títulos de Eleitor, o que garantiu a criação das novas seções. Inicialmente seria apenas uma urna, mas a procura foi tão grande que seção adicional precisou ser criada.

“Nós temos dois locais de votação nessa região indígena, um fica na comunidade Santa Maria e outro na Vila Nova. Esses dois locais de votação já estavam lotados”, disse a servidora Márcia Miranda, do TRE-AM, ao citar que, por conta disso, muitos eleitores da região eram redirecionados para locais ainda mais distantes.
“Foi feita uma reivindicação para criação de uma seção uma nova sessão aqui na comunidade Nossa Senhora de Nazaré e foi deferido pelo tribunal. Foi feita uma inspeção in loco para ver se o local se adequava e agora estamos aqui realizando esse serviço”, acrescentou ela, durante o mutirão, quando anunciou que não seria uma mas duas novas seções.
Cidadania
O Defensor Público Geral, Rafael Barbosa, disse ter ficado surpreso ao saber da coordenadora do Polo de Maués da DPE-AM, Daniele Fernandes, que a principal demanda das comunidades indígenas do Alto Marau era eleitoral.
“Imagina ter que pegar um dia inteiro de barco para chegar a um local de votação. Então, possibilitar novas seções na comunidade é garantir a esse cidadão o direito de poder participar do processo eleitoral, de exercer os direitos políticos e de escolher quem é que vai lhe representar, que vai defender os seus direitos”, disse.
“Não basta emitir o título, é preciso proporcionar que esse ato de votar não seja um martírio e, sim, um direito”, acrescentou.
(*) Com informações da DPE-AM