Líder indígena Tupinambá emite carta contra construção de rodovia no Pará

Rodovia liberdade, traçado em verde. BR-316 em vermelho (mais longo). Em amarelo a Alça Viária (Imagem: Setran/PA.)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — O líder indígena Angelo Madson Tupinambá, do Território Murucutu, emitiu nesta sexta-feira, 7, uma carta aberta contra a construção da Eco Rodovia Liberdade, que liga cidades do interior do Pará à capital Belém, cortando uma extensa área verde no Estado. Para o indígena, o projeto ameaça o futuro e o legado do povo Murucutu, além de impactar diretamente o ecossistema da vida animal, vegetação, solo e clima.

“A Rodovia Liberdade vai impactar diretamente todo complexo ecossistema da vida animal, vegetação, solo e clima. Trata-se de uma área de Preservação Ambiental (APA) criada para proteção dos mananciais Água Preta e Bolonha que abastecem a cidade e o Parque Estadual do Utinga, grande ponto turístico e de conservação de espécies animais e vegetais”, diz trecho da carta.

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Para Angelo Madson Tupinambá, o projeto ameaça o futuro e o legado do povo Murucutu (Reprodução)

Segundo o documento, a construção da rodovia é ‘bizarra’ e pretende rasgar o remanescente ambiental, romper o Cinturão Institucional do Pará, uma espécie de trecho que limita áreas militares e ambientais do Estado. Para Angelo Tupinambá, o projeto também busca abrir caminho para “entrega gradual do patrimônio ancestral à exploração de seus recursos, reduzindo território às ‘ruínas do Murucutu'”.

No texto, o líder indígena explica que o projeto ‘Eco Rodovia Liberdade’ consiste na implantação de uma rodovia de mão dupla, com duas faixas e acostamento nos dois sentidos, totalizando 14,5 quilômetros de extensão (com trecho inicial na Avenida Perimetral, indo à rodovia da Alça Viária, em Marituba). “A rodovia está no Plano de Ações Estratégicas para Desenvolvimento do Pará, contempladas no Plano Plurianual do Estado, publicado no diário oficial, em 12 de março de 2020, nº 34.140 (#EuChoro!). O Projeto existe desde 2018 e possui recursos de 400 milhões liberados pela Alepa ao Governo do Estado do Pará (Lei Ordinária Nº 9.150, de 18 de dezembro de 2020) (#AgoraMeDeuMedo / #SQN)”, continua outro trecho do documento.

Angelo Tupinambá lembra que o argumento do Governo do Pará é salvar vidas, sendo uma alternativa de rota para os motoristas que hoje utilizam a BR-316, reduzindo a 30% a chance de acidentes. Outro argumento é a redução no tempo de deslocamento da Região Metropolitana. Para o líder indígena, no entanto, diminuir os números de acidentes e o fluxo de veículos da BR-316 são servem como argumentos que justifiquem a construção da via.

“São apenas subterfúgios do discurso de Estado, a serviço do empresariado oligárquico para fragmentar e aniquilar o Murucutu. O projeto da Rodovia Liberdade é rota de entrada para especulação imobiliária, loteamentos e apropriações indébitas. Derrubada da cobertura verde primárias em áreas contínuas, aterramento de igarapés, áreas de várzeas e terrenos de igapó. Vai trazer perturbação sonora, afugentamento e atropelamento de animais. A estúpida ação humana irá atingir diretamente os mananciais, que abastecem com água toda a cidade de Belém”, critica Angelo, na carta.

Levante Tupinambá

Angelo Madson Tupinambá ressalta que o povo Tupi pertence à terra, rios, árvores, campos e cita o que chama de capítulo histórico conhecido como ‘Levante Tupinambá’ (1617-1621). “O Levante Tupinambá foi um movimento histórico de resistência bélica, deflagrado pelas tabas da nação Tupinambá ao longo da costa litorânea, entre os Estados do Maranhão e o Grão-Pará. Irrompe no dia 3 de fevereiro de 1617, na taba Cumã de Pacamão. Alastrou-se para Tapuytapera e alcançou a taba Juniparanã de Japiaçu, na ilha de Upaon Açu (com cerca de 12 mil Tupinambás em outras 27 tabas). Bastou apenas um dia para estratégia de comunicação tática Tupinambá erguer no Grão-Pará as tabas Caju, Montiguera, Iguapé e Capim”, destaca o indígena.

Na carta, Angelo resume o modo operante e estratégico do levante durante a guerra de guerrilha. Ele relembra que em cenário de forças desiguais a estratégia Tupinambá trabalhava com operações de assalto (ataque e retirada), ações ofensivas noturnas, reconhecimento de terreno.

Ao relembrar a linha do tempo e destacar nomes que fizeram parte da história, Angelo diz o Levante Tupinambá, que durou cerca de cinco anos, se converteu em guerra de resistência e só então foram abertas as primeiras ruas de Belém. “O Grão-Pará seguia como colônia diretamente ligada à metrópole portuguesa e o Murucutu renascia em segredo, como refúgio”, diz o indígena.

Leia a carta na íntegra aqui.

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