Lideranças do Pará ocupam Câmara de Santarém e pedem impeachment de vereador do PL
Por: Fabyo Cruz
30 de setembro de 2025
BELÉM (PA) – Lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas do Baixo Tapajós ocuparam, nessa segunda-feira, 29, a Câmara Municipal de Santarém (PA) em protesto contra o vereador Malaquias José Mottin (PL). Os manifestantes protocolaram um pedido de impeachment e acusaram o parlamentar de práticas racistas, preconceito contra povos tradicionais e de propor projetos que desrespeitam a preservação ambiental e cultural da região. No início deste mês, Malaquias provocou fortes reações ao questionar a autodeclaração étnica de cidadãos e defender pautas associadas a interesses ruralistas, em contraste com as demandas históricas dos povos tradicionais do Tapajós.
Durante a ocupação, representantes de aldeias e quilombos subiram à tribuna da Câmara para denunciar discursos preconceituosos e projetos que consideram nocivos. Entre eles, a proposta de derrubar árvores centenárias em áreas centrais da cidade sob o pretexto de melhorar o trânsito. A liderança indígena Auricelia Arapiun, integrante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (CG-PNGATI), cobrou dos vereadores o reconhecimento da história e da importância dos povos tradicionais.
“Santarém foi a maior aldeia da Amazônia brasileira. Essa casa precisa conhecer a história de Santarém, porque vocês não conhecem as nossas realidades. Não é a primeira vez que sofremos racismo e violências dessa casa. Vocês precisam reconhecer a importância dos povos indígenas”.
Auricélia Arapiun acrescentou, ainda, que o ato representava a resistência e a reafirmação da ancestralidade das comunidades. “Estamos aqui na Câmara de Vereadores hoje, fazendo um ato junto com quilombolas e indígenas, um ato de entrega, de impeachment do vereador Malaquias, que é um vereador racista, um vereador preconceituoso. Nesse ato conjunto de povos indígenas e quilombolas, viemos repudiar e entregar o pedido, e esperamos que a Câmara Municipal de Santarém possa logo encaminhar o ato de impeachment”, disse.
Na tribuna, o vice-presidente da Cita, Lucas Tupinambá, reforçou que os territórios indígenas e quilombolas são ancestrais e merecem respeito. “Nós, povos indígenas, nós, povos quilombolas, nunca vamos desistir dessa luta. São 525 anos resistindo e iremos resistir por muito mais até que esse município e essa Câmara de Vereadores respeitem os povos indígenas e quilombolas”, afirmou.

Histórico de declarações e controvérsias
As declarações de Mottin, feitas em sessão no dia 2 de setembro, já haviam gerado forte reação. Questionando a autodeclaração étnica de cidadãos, o vereador falou em “corrupção na questão de etnias” e “um grande volume de autodeclarados étnicos”, acusações repudiadas pelo Cita, que representa 14 povos do Baixo Tapajós. Mottin citou ainda estudos do pesquisador Edward Luz, conhecido como “antropólogo dos ruralistas”, para defender a criação de uma comissão especial sobre demarcações e áreas de preservação.
Na mesma sessão, o vereador afirmou que “do jeito que está nesse documento, daqui cinco anos, Santarém só vai ficar o município, só vai ficar a cidade”, e pediu “proteção ao nosso pequeno e grande produtor rural”.
O vereador Biga Kalahare (PT) contestou as declarações e pediu base documental para as afirmações de Mottin: “A gente não pode impor se a pessoa é ou não indígena, se a pessoa é ou não quilombola. Isso não cabe a nós”.

O Cita divulgou nota, em 3 de setembro, repudiando “veementemente as falas preconceituosas” e afirmando que expressões como “volume de autodeclarados étnicos”, “corrupção na questão de etnias” e “massa de manobra” “atacam diretamente nossa existência, nossas lutas e nossas identidades”.
Além disso, Mottin já se envolveu em outras polêmicas. Ele defendeu a derrubada de mangueiras centenárias em Santarém, fez declarações de apoio ao ex-presidente norte-americano Donald Trump e insinuou irregularidades em obras públicas sem apresentar provas, o que gerou repúdio de entidades civis e moções de servidores públicos.
Resposta do vereador
Nesta terça-feira, 30, Malaquias Mottin divulgou nota de esclarecimento afirmando que exerce seu direito constitucional à liberdade de expressão. Leia a íntegra abaixo.
“Expressar minha opinião e crenças não tem a intenção de ferir pessoas apegadas a dogmas ou tradições. Como vereador, exerço meu papel e tenho o direito de colocar em discussão o que vejo e penso, sem a intenção de agredir qualquer norma ou pessoa. Trata-se de uma opinião, um fato, um debate. Não estou preso ou subordinado a qualquer sistema político. Sou livre para expressar minha opinião, sem amarras. Há quem peça meu impeachment por ter uma opinião fora da curva estabelecida por uma sociedade ainda amarrada a dogmas e interesses políticos, na contramão das políticas sociais. Precisamos de liberdade de expressão e de opinião, sem nos apegarmos a cartilhas moldadas ou falácias fundamentalistas. Seguirei lutando pelo que acredito e expressando minha opinião”.
A CENARIUM tenta contato com a Câmara Municipal de Santarém para obter posicionamento oficial sobre o caso.