Logística da morte, o superfaturamento que custou vidas em Manaus
04 de outubro de 2023

Lucas Ferrante – Especial para Revista Cenarium Amazônia*
MANAUS (AM) – Manaus foi uma das primeiras cidades do mundo a enterrar pessoas em covas coletivas na pandemia de Covid-19. Diversos estudos já demonstraram que a tragédia vivenciada em Manaus poderia ter sido evitada e que tanto governo federal como governo estadual foram negligentes no controle da pandemia. O primeiro alerta da possibilidade de uma segunda onda de Covid-19 em Manaus foi realizado em maio de 2020, através de uma nota técnica coordenada por mim e assinada por diversos pesquisadores alertando o risco ao Ministério Público do Estado do Amazonas. Em julho, um segundo alerta nacional foi realizado no Jornal Nacional, da rede globo de televisão, e em agosto, através de um artigo publicado no periódico científico Nature Medicine, alertamos que a negligência política conduziria Manaus a uma segunda onda de Covid-19.
A culpabilidade desta tragédia pode ser atribuída a diversos indivíduos, incluindo a falsos estudos que conduziram a tomada de decisão equivocada por políticos, como pelo negacionismo dos próprios políticos, como foi apontado nos periódicos científicos Science, Nature Medicine e Journal of Public Health. Apesar do negacionismo científico que matou milhares de pessoas em Manaus e em todo o Brasil, a tragédia de Manaus foi agravada por outros fatores, como demonstrou um estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, do renomado grupo Springer Nature. O estudo apontou que a obediência cega de ministros a Bolsonaro, como disse o próprio ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, “um manda e o outro obedece”, a inépcia técnica dos ex-ministros e a tentativa de usar a tragédia de Manaus para promover uma promessa de campanha de Bolsonaro, agravaram a crise de falta oxigênio em Manaus. Em meio a isso, não podemos nos esquecer que Bolsonaro imitou pessoas com COVID-19 sufocando pela falta de oxigênio.
O estudo torna claro, tanto a responsabilidade como a culpabilidade da tragédia da falta de oxigênio, no ápice da segunda onda de COVID-19 em Manaus, dos ex-ministros Eduardo Pazuello e o ex-ministro e hoje governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas para promover um lobby da repavimentação da rodovia BR-319, que foi uma das promessas de campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro. O estudo apontou que o Ministério de Infraestrutura, comandado por Tarcísio de Freitas, anunciou que faria uma rota emergencial para atender a demanda de oxigênio a Manaus. Segundo o card do próprio Ministério e do DNIT (órgão responsável pela pavimentação da rodovia), a melhor rota, supostamente, seria pela rodovia BR-319 e a rota alternativa seria saindo de Belém, no estado do Pará, transportando o oxigênio no contra fluxo do rio Amazonas.

Entretanto, o estudo levantou questões de que se o oxigênio estava em Porto Velho para ser transportado pela Rodovia BR-319, por que o Rio Madeira não foi apontado pelo ministro como a melhor rota para o transporte? Através de comparações logísticas, de trafegabilidade e de custos, a pesquisa demonstrou que não somente o transporte do oxigênio pelo Rio Madeira seria de um a dois dias mais rápido, como o transporte pela BR-319 que se encontrava intrafegável, custou 1 milhão e meio de reais a mais que o modal fluvial. Além disso, o estudo ainda fez menção ao fato de o ex-ministro Eduardo Pazuello saber com antecedência que Manaus passaria por uma falta sistêmica de oxigênio. O estudo que passou pela revisão de outros pesquisadores foi enfático em apontar que os Ministros de Bolsonaro adotaram a pior rota logística para o transporte de oxigênio até Manaus, o que resultou em inúmeras mortes. Ao invés de adotarem a melhor estratégia, adotaram esta como uma forma de lobby para a pavimentação da rodovia BR-319. A falta de oxigênio em Manaus foi utilizada como justificativa jurídica para a manutenção das audiências públicas sobre o processo de repavimentação da rodovia BR-319 durante a pandemia de COVID-19, o que demonstra que de fato o lobby pró rodovia teve impacto em acelerar o empreendimento às custas da perda de vidas em Manaus e violando os direitos dos povos tradicionais que deveriam ter sido ouvidos. O artigo científico ainda apontou que este não é um argumento jurídico valido por ser falso e que as audiências públicas precisam ser anuladas por não ter validade, uma vez que muitas comunidades afetadas não foram ouvidas e a rodovia aumenta as disparidades de saúde pública na região. As questões que pairam no ar agora são: Mediante os fatos comprovados no artigo científico, quando Manaus terá justiça pelas ações cometidas por Eduardo Pazuello e Tarcísio de Freitas enquanto ministros do governo Bolsonaro? E mediante as evidências, o Ministério Público e judiciário irão ignorar estes fatos?