Luciano Huck afirma que a ‘violência do debate público’ o afastou da política

Luciano Huck: estreia no 'Domingão' (Fabio Rocha / TV Globo)

Com informações do Infoglobo

MANAUS – Prestes a assumir a faixa ocupada por Fausto Silva durante 30 anos, Luciano Huck sabe que não deve mexer com o que é tão querido pelo público. Televisão aos domingos é uma instituição sólida e antiga, ele tem plena consciência. Seus planos, ao estrear neste domingo, 5, passam longe da iconoclastia. A ideia é “fazer a atualização do software”. Em outras palavras, quer imprimir sua marca, sem abrir mão dos formatos bem-sucedidos de seu antecessor. Em conversa pelo Zoom, ele dá a dimensão do seu desafio, detalha o apoio da família e admite que a violência do debate público pesou para ter desistido da carreira política.

O GLOBO: Qual o sentimento de assumir uma das faixas mais nobres da TV aberta brasileira?

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Luciano Huck: Era para estrearmos em janeiro. Foi parto prematuro. Estou animado. Não me sinto nervoso, mas ansioso. Sou PhD em sábados. Em domingos, sou novato e estou procurando informações. Mas vou entrar para fazer o que sei. Não vou reinventar a roda no primeiro momento.

O que você acha que sabe fazer?

Não sou uma carinha bonita na TV brasileira, como você sabe (ri). Não sou um showman, não faço rima como a Tatá Werneck. Sou um cara de comunicação e tenho uma real curiosidade em ouvir o outro. Meu papel é ter uma parabólica ligada no que as pessoas esperam de mim e do programa que apresento. E dar protagonismo a quem quer que seja, independentemente do número de seguidores, da conta bancária ou da cor da pele.

Qual será o critério então? Porque não vai ser qualquer personagem…

Acho que o “Domingão” quer manter a vocação de emocionar. Esse é um dia sagrado para a família e sou um cara que valorizo minha família. Vai ser um programa solar. Tem sido tão difícil ser brasileiro. Tanta gente perdeu família, amigos e amores. Tantas histórias foram interrompidas pela Covid. Não tem emprego, tem fome. Saúde, educação, segurança, nada funciona como deveria. O Brasil se olha no espelho e não vê uma imagem muito bonita. A televisão aberta fala com 210 milhões de pessoas pelo país. Quero dar protagonismo a elas, renovar as esperanças, ajudar a juntar os cacos.

Você está falando de TV, mas também de política. Como foi essa decisão de renovar o contrato com a Globo e abandonar o projeto de se candidatar à presidência?

Essa foi a primeira vez que eu tive que me decidir entre dois caminhos antagônicos. Ser político nunca foi um projeto pessoal. Não tenho desejo de poder. O que eu tenho é o gosto pelo trabalho em televisão. Não sou o cara que mais entende de economia ou de educação, mas sou curioso. Nos últimos 20 anos, viajei pelos quatro cantos do Brasil, entrei na casa das pessoas sem crachá, e elas me receberam e dividiram seus sonhos. Fui a Roraima, fui à Amazônia, fui a todas as favelas. E fui muito impactado pela realidade. É um país desigual, com uma loteria do CEP: o endereço determina muita coisa na vida das pessoas. Com isso, fui tragado para o debate público. Tenho duas possibilidades: ou fico quieto ou penso numa forma de ajudar. Minha vontade é ter uma atuação cidadã.

Quem teve peso na decisão e como foi a conversa?

Quando foi chegando o fim do contrato, a Globo foi muito correta, realista e adulta. Todos nós sabemos as dificuldade a que o país está submetido. E havia várias outras camadas nessa decisão. Uma delas era a familiar. Meus filhos são pequenos. O debate público está violento, eu iria carregar minha família para um lugar difícil. A Angélica é minha parceira no sentido amplo. Falou que me apoiaria, não tentou me incentivar para nenhuma direção. Estaria comigo para o que desse e viesse. Juntei as crianças e disse que ouviria a opinião delas, mas que a decisão final seria minha.

O Domingão é uma das maiores fontes de receita da TV brasileira. O dinheiro foi determinante?

(Ele faz uma careta antes de responder) O dinheiro, nessa altura do campeonato? Não. Sou bem remunerado há anos. Nunca fiz nada por dinheiro. Dinheiro é bom? É. É bom você poder trazer o conforto para a sua família? Claro. Pena que não é todo mundo que pode ter isso no Brasil. Mas se eu for fazer uma lista das dez coisas mais importantes para mim, ele está lá para baixo.

E como você pretende levar a atuação cidadã a cabo?

A gente tem que ser político se quiser um país mais legal. Cada um tem que dar sua contribuição. Qualquer atuação cidadã é política. Mas a política ficou num registro tão ruim… Pena, porque ela é a solução, um espaço que tem de ser ocupado pelo que a sociedade tem de melhor. Vou ter uma atuação política sempre, não vou sair do debate.

O domingo mudou. Você não terá aquela guerra que foi a de Gugu e Faustão durante anos. Como você vê a concorrência?

Tem sim. É um dia em que as emissoras investem em suas programações. Tem comunicadores importantes.

Você é ligado em audiência?

Loucamente não. É um elemento a mais na construção de uma narrativa. Não pode ser seu mote principal.

O que vai do “Caldeirão”?

Tenho um compromisso em fazer a pergunta do milhão, que até hoje não consegui. Então o quadro vai para o domingo. Teremos o “Show dos famosos”, com um júri que vai se revezar. Boninho e Claudia Raia ficaram. E entrou a Preta Gil. Na estreia teremos Xuxa entre as convidadas. Voltei a gravar na rua. Os quadros novos estreiam ano que vem.

Pretende manter atrações do “Domingão do Faustão”?

Vou manter a “Dança”, um formato vencedor. A gente tem que reverenciar o passado: Os Trapalhões, Silvio Santos e, principalmente, Fausto Silva. Sigo o caminho que ele tão bem asfaltou nos últimos 30 anos. Fausto é inspiração e referência. Meu papel é fazer a atualização do software. O “Domingão” era um sucesso de tudo. De público, de atrações, de respeito e de comercial. Mas há certas coisas que a gente falava na TV e que não pode mais. O mundo mudou. As pautas mudaram. Vai ser um programa com pautas da vida real. As pessoas se sentirão representadas. Televisão é hábito. Não se pode romper um hábito.

Com os streamings todos, você acredita em hábito?

Sim. Estamos atuando para reformar um avião com o passageiro dormindo. Quando ele acorda, sente as mudanças, mas não viu o que houve. Você consegue mudar com suavidade. Se você vir o “Caldeirão” de quando estreou, é outro programa. Tem coisas que eu fiz lá atrás e das quais tenho vergonha hoje. Fui amadurecendo muito. Mudei de opinião. Hoje há debates muito importantes, de justiça racial, de machismo, de desigualdade. Fui criado com uma educação que hoje não existe mais.

E de Tiazinha e Feiticeira? Você tem vergonha?

Não tem a menor chance de aquilo caber hoje em dia. Mas, naquela conjuntura, tinha uma certa ingenuidade, todos eram muito jovens, eu inclusive. Aquilo era O.K.

Qual é a sua relação com o Faustão? Ficou um clima ruim?

Fausto é meu amigo de frequentar a casa. As famílias são amigas. Falamos pelo WhatsApp e ficamos de nos encontrar. Não é uma equação simples. Mas respondo com muita propriedade: a nossa amizade está inabalada. Ele seguiu o caminho dele, o caminho que ele queria, numa emissora de que ele gosta. Quero que ele fique feliz e isso me deixa tranquilo.

Falando em reverenciar o passado, Faustão sempre dizia que quem sabe faz ao vivo. O que você está achando de fazer ao vivo?

Acho bom. Não vai ser tudo ao vivo, porque estou trabalhando muito desde já.

Como vai ser a plateia?

Nesse primeiro momento, pequena, de no máximo 80 pessoas. Gente com as duas doses, teste e distanciamento.

E a sua vida, como está?

A gente estava trabalhando remotamente. Agora começou mesmo. Minha agenda está lotada. Paro só no Natal. Sou muito organizado. A produção também. Televisão é planejamento. Acordo cedo. E só numa semana fui à Paraíba, a São Paulo e vou a Medellín.

A família reclama de você não estar?

Não. Sempre foi assim. A gente ficou mal-acostumado de ficar em casa. Foi um convívio muito intenso para quem pôde ficar isolado em casa. Acho que isso nunca mais vai acontecer, né?

E o nome?

É “Domingão com Huck”. Houve uma dúvida quanto ao “Domingão do…”. A preposição tem uma enorme simbologia. A ideia foi ser inclusivo. Quero que ele peça licença para bater na porta das pessoas. Queria simbolizar a união e a inclusão.

Você deixou para trás o ‘Caldeirão’. Por mais que esteja indo para uma faixa mais importante, não sente dificuldade em entregar o horário para o Marcos Mion?

Não estou com esse saudosismo. Estou imerso no que eu tenho pela frente. É uma vitrine tão respeitada e importante, quero fazer direito. E vendo o Mion tão feliz, eu fico feliz.

A política é um plano adiado ou cancelado?

Nunca tive um plano na política. Mas eu quero fortalecer a atuação cidadã em rede. Ajudar a cicatrizar as feridas abertas pela pandemia, pelo desgoverno. Quero participar da construção de um país mais justo. A resposta é que quero estar no debate.

Essa resposta é nem sim nem não, né?

(risos) Serei sempre alguém no debate. Nunca retirei uma candidatura. Nunca me lancei. E também não quero perder o foco porque nesse momento estou vivendo a missão profissional mais importante da minha vida.

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