Mácula na República: especialistas comentam fala de Barroso sobre impeachment de Dilma

Barroso voltou a afirmar que a ex-presidente Dilma não cometeu crime de responsabilidade. (Arte: Isabelle Chaves/CENARIUM)

Malu Dacio – Da Revista Cenarium

MANAUS – Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o “motivo real” para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016, foi a falta de apoio político e não as pedaladas fiscais. As informações são da Folha de São Paulo.

O veículo publicou, nesta quinta-feira, 3, que a afirmação foi feita em um artigo escrito pelo ministro para a primeira edição da revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a ser lançada no próximo dia 10.

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No trecho, revelado pela colunista do jornal, Mônica Bergamo, o também ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conta que “a justificativa formal foram as denominadas ‘pedaladas fiscais’ — violação de normas orçamentárias —, embora o motivo real tenha sido a perda de sustentação política”.

Em julho de 2021, o ministro já havia dito que “não deve haver dúvida razoável de que Dilma não foi afastada por crimes de responsabilidade, nem por corrupção. A REVISTA CENARIUM ouviu especialistas que defendem e sustentam que Dilma não poderia ter sido retirada do cargo.

A professora da Universidade Federal do Amazonas e jornalista Ivânia Vieira explica que a armadura do poder político é capaz de produzir morte e vida. Para a jornalista, o golpe contra a presidenta Dilma Roussef, consumado em 31 de agosto de 2016, é expressão do pacto firmado entre partidos políticos, grupos empresariais e organizações de interesses diversos e antidemocráticos.

“O mandato da presidenta Dilma lhe foi usurpado, num dos capítulos mais perversos e hipócritas da história do Brasil. É preciso, fundamentalmente, fazer memória desse acontecimento trágico: retomar o relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG), utilizado como instrumento legal para legitimar o impeachment; ter de volta à cena pública os nomes dos parlamentares que votaram e o que disseram naquele dia da votação; confrontar os elos firmados entre a decisão que tirou o mandato de Dilma e a situação de pelo menos 16 governadores, de um total de 27, que utilizaram o mesmo recurso atribuído como crime à presidenta para fechar as contas estaduais”, lembra Ivânia.

O ano de 2016 foi marcado por manifestações em todo o País (Foto: Agência Brasil)

A professora cita também que o atual presidente do Brasil tem pelo menos 143 pedidos de impeachment e que somente no ano passado foram 84. “Até hoje, nenhum deles foi colocado à apreciação pela presidência da Câmara dos Deputados. Como se chama essa atitude?”, questiona.

“É importante que a sociedade brasileira possa ser incentivada a compreender o que aconteceu com Dilma Rousseff, neste século 21, e com o Brasil. Como as composições político-partidárias podem ser guilhotinas para inocentes ou abrigo para corruptos e violadores dos direitos humanos”, disse Ivânia.

Outros fatores

Para a advogada, presidente da Comissão de Igualdade Racial e conselheira Estadual da OAB Amazonas, Ana Carolina Amaral, o processo de impeachment da presidenta Dilma Houssef não pode ser atribuído única e exclusivamente à falta de apoio político. “Não há respostas simples para problemas complexos”, disse. 

“Dilma enfrentou uma grave crise econômica e moral durante seu governo? Sim. Perdeu apoio? Também. Mas precisamos entender a quem interessava retirá-la da Presidência da República”, salienta Ana.

A advogada explica também que algumas pautas possibilitaram a queda do governo petista. “A ascensão de uma direita ultraconservadora, defensora das pautas dos costumes, da ‘família tradicional brasileira’, do liberalismo econômico. A velha política, representada pelo Centrão, que atende somente a seus próprios interesses. O machismo, sempre presente nos ataques dirigidos à presidenta”, afirmou.

Carolina lembra também, daquilo que chamou de “show de horrores”, transmitida como um verdadeiro show, na plenária da Câmara dos Deputados, no dia da votação do impeachment.

“Foram muitos os motivos pelos quais Dilma caiu. Crime de responsabilidade não foi um deles. Passados 6 anos do que chamo de ‘golpe’, vemos um governo de extrema-direita totalmente entregue ao Centrão, afundado em escândalos e esquemas de corrupção, passando pela pior crise econômica e moral da história recente, tudo isso em meio a uma crise sanitária mundial que deixou mais de 600 mil mortos no País. Daí eu vos pergunto: o que falta para o impeachment de Jair Bolsonaro?”, questiona.

Dilma enfrentou 14 horas de interrogatório e se manteve firme mesmo quando era atacada (Foto: Agência Brasil)

Impeachment de Dilma x Collor

A jornalista e cientista política Liege Albuquerque explica que não se surpreendeu com a fala do ministro. “Na verdade, quem estudar ou quem estudou a história do País já tem essa conclusão”, disse.

A monografia de mestrado de Liege foi a respeito do impeachment de Collor. “O Collor que hoje é senador, não foi condenado por nada. O que aconteceu com ele é quase a mesma coisa que aconteceu com a Dilma, nesse sentido da falta de apoio político. Ele foi perdendo apoio no Congresso, o Collor, e acabou sendo derrubado. A mesma coisa que aconteceu com a Dilma”, explica Liege.

A jornalista explica que o mesmo não aconteceu com o atual presidente Jair Bolsonaro porque ele sempre conseguiu driblar e recuperar o apoio do Congresso. “Por isso, nunca foi à frente nenhum processo de impeachment contra ele”, conta.

Sobre os impactos para o País, após o golpe de Dilma, Liege destaca a perda dos direitos trabalhistas. “Quando Temer assumiu, perdemos vários direitos trabalhistas e ele abriu as portas para a terceirização. Para mim, esse é um dos piores males que aconteceu para a gente, que certamente com o Partido Trabalhista e com a Dilma no poder isso nunca teria acontecido”, defendeu.

“Impeachment deixa mácula na história da República brasileira

O articulista da CENARIUM, advogado e sociólogo Carlos Santiago, disse que quando o ministro do Supremo Tribunal Federal, que deve constitucionalmente zelar pela constituição, diz que o maior ou a maior mandatária do País, eleita pelo voto direto, foi ‘impeachmada’ por vontade política e não por crime de responsabilidade, significa que o Brasil ainda não é um País com a maturidade institucional, dentro das regras do jogo democrático.

“Governos ou governantes sem aprovação popular, com desgaste na sua administração, não podem sofrer impeachment, simplesmente, porque tem a opinião pública desfavorável. Segundo a regra da Constituição, é necessário o cometimento de crime de responsabilidade. O ministro Barroso diz que a presidente Dilma Rousseff não cometeu crime de responsabilidade e isso é perigoso para o processo democrático brasileiro”, alertou.

“Então, se houve uma manobra política e até jurídica para afastar uma Presidente da República que não cometeu crime de responsabilidade, e essa manobra não foi  freada, não sofreu a devida análise jurídica necessária, naquele momento, significa que uma das maiores instituições do Estado Brasileiro, o STF, também pecou e se curvou diante da opinião pública”, explicou.

Não é a primeira vez que Barroso fala que Dilma não cometeu crime (Foto: Agência Brasil)

Carlos afirma que, se não há crime, membros da maior Corte de Justiça desse País, que foram acionados para discutir o tema, simplesmente, deixaram uma mácula na história republicana deste País. 

“A democracia precisa de instituições que defendam o Estado Democrático de Direito, que defendam os valores democráticos. O Brasil não pode ser um País do atraso. ‘Impeachmar’ governantes é muito sério. Requer muita maturidade e muita responsabilidade, além do cometimento de um crime de responsabilidades. O que não aconteceu no caso da presidente Dilma, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Barroso, que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral”, disse Santiago.

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