Mãe solo, indígena Tikuna relata preconceito e falta de oportunidades em Parintins

Lilian Cristiane é indígena da etnia Tikuna (Composição de Paulo Dutra/CENARIUM)
Emilli Marolix – Da Revista Cenarium

PARINTINS (AM) – A cidade de Parintins, popularmente chamada de “Ilha Tupinambarana” ou “Ilha da Magia”, localizada a 369 quilômetros da capital Manaus, no Amazonas, é conhecida por ser a terra dos bumbás Caprichoso e Garantido e por exaltar a cultura indígena dentro da arena do Bumbódromo. Fora da disputa, pouco se fala da realidade dos povos originários que vivem no município.

Para a artista, mãe solo e indígena da etnia Tikuna Lilian Cristiane, de 31 anos, natural de Benjamin Constant, município distante 1.121 quilômetros da capital amazonense, que se mudou há quatro anos para o território parintinense, a vivência no lugar trouxe o peso de ser uma pessoa indígena no contexto urbano.

À REVISTA CENARIUM, a artista conta que decidiu se mudar para Parintins para acompanhar a irmã mais nova nos estudos e, no município, recomeçou a vida junto de seus três filhos. Ela afirma que morar na cidade não a distanciou da sua cultura, pois ela começou a trabalhar produzindo artesanatos, mas foi em busca de oportunidades fora de casa que passou a enfrentar dificuldades.

PUBLICIDADE
A artista Lilian Cristiane e seus três filhos (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Eu já sofri racismo em todos os lugares, nas ruas, nos locais onde morei, em sala de aula por parte de professores mestrados e até nos locais dos bois [Caprichoso e Garantido]. Já ouvi que era preguiçosa, suja e sem inteligência. Não consegui trabalho porque os contratantes já me despacharam apenas pelos meus traços indígenas e por ser mãe”, relata a artista.

Lilian critica, ainda, o fato do Festival Folclórico de Parintins retratar a valorização da população indígena durantes as apresentações e não estender isso fora da brincadeira de boi-bumbá.

“Estou morando aqui há quatro anos, vim com uma perspectiva de uma melhoria de vida, mas o que eu encontrei foi totalmente diferente. Vivo uma realidade que muitos indígenas locais vivem (…) Não é absolutamente nada daquilo que é mostrado no Bumbódromo”, afirma à reportagem.

Resistência

De acordo com a indígena, atualmente, ela é beneficiária de programas sociais, que a ajudam financeiramente na criação dos três filhos, além de produzir objetos artesanais. Lilian conta que não recebe auxílio financeiro, como pensão alimentícia.

“Saio todos os dias atrás de comida para meus filhos, pois não tenho emprego. Até o momento, sobrevivo com os auxílios do governo e com a ajuda dos meus pais. Não é uma tarefa fácil ser mãe e pai. Eu olho pra mim e penso: ‘Nossa, como eu tenho muita força pra aguentar tanta responsabilidade’. Mas isso tudo é compensado quando vejo meus filhos sorrindo, estudando e, principalmente, bem de saúde”, ressalta Lilian.

Lilian caminha pelas ruas de Parintins com o filho caçula (Reprodução/Arquivo Pessoal)

A artista afirma que, apesar das dificuldades e os preconceitos que sofre em Parintins, a sua cultura não vai morrer, nem para ela e nem para as futuras gerações. “Vivemos a única realidade que é permitida aqui: o racismo, o preconceito, a falta de reconhecimento com a nossa língua materna. A representatividade que é dita na arena, é feita por pessoas não indígenas, por parte maior de brancos. As vozes de quem vive na pele o sofrimento do genocídio e da intolerância, é silenciada ou sequer é ouvida, mas nós vamos lutar e manter viva nossa cultura”, defende a indígena.

Mãe solo

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), até o final de 2022, o Brasil possuía mais de 11 milhões de mães solos no País. O estudo também apontou o aumento de 1,7 milhão de mães que criam seus filhos de forma independente no período de 2012 a 2022, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões.

O termo “mãe solo” refere-se a todas as mulheres que são responsáveis pela criação de uma criança sem o apoio de seu parceiro. O termo também surgiu na tentativa de substituir o conceito de “mãe solteira”, pois a maternidade não está relacionada ao estado civil da mulher.

Muitas mulheres optam por serem mães solos apenas pelo desejo de ser mãe, sem necessariamente estar em um relacionamento. No entanto, muitas são vítimas de abandono por parte do genitor, como é o caso da artista indígena Lilian.

Leia mais: Atriz que interpretou Tainá relata dificuldades em ser mãe solo: ‘Doloroso’
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.