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Mais de 20 cientistas renunciam honraria após Bolsonaro retirar dois profissionais da Amazônia
Os 21 homenageados, alegam não compactuar com o negacionismo e alegam perseguição a cientistas (Reprodução/ Coalizão Ciência e Sociedade)
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06 de novembro de 2021
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
MANAUS – Mais de 20 cientistas renunciaram, neste sábado, 6, as medalhas da Ordem do Mérito Científico, em solidariedade à médica amazonense e diretora do Instituto Leônidas & Maria Deane da Fiocruz Amazônia, Adele Schwartz Benzaken, e ao pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, Marcus Vinicius Guimarães Lacerda, destituídos da honraria pelo presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) na sexta-feira, 5.
“A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora a ciência, mas, ativamente, boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram, sumariamente, excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos, coletivamente, a essa indicação”, repudiam os cientistas em carta publicada.
Na carta, os 21 homenageados, alegam não compactuar com o negacionismo e afirmam a existência de perseguição a cientistas e “sistemático ataque à Ciência e Tecnologia” durante o Governo Bolsonaro. “Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do Governo vigente”, consta a carta.
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Contribuições
Em nota, a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) também manifestou apoio aos pesquisadores e ressaltou que uma comissão qualificada havia indicado os especialistas à condecoração. “Os pesquisadores da Fiocruz haviam sido indicados à condecoração por uma comissão técnica, formada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), por suas valiosas contribuições à ciência brasileira”, informa um trecho da nota.
A Fundação destacou a contribuição dos trabalhos desenvolvidos por Marcus e Adele. Segundo a nota da Fiocruz, Marcus Lacerda foi um dos responsáveis pela pesquisa, no Amazonas, que apresentou evidências sobre a não eficácia do uso da cloroquina no tratamento de pacientes graves com Covid-19 e considerou que Adele Benzaken deu relevantes contribuições na formulação de políticas públicas para o Controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais.
O próprio presidente concedeu a si o título de Grão-Mestre da Ordem (Reprodução/ Agência Brasil)
‘Deselegante’
Em entrevista ao Antagonista, Adele Benzaken, considerou a atitude, no mínimo, deselegante e declarou que não teve a oportunidade de dizer se gostaria ou não de ser homenageada pelo atual governo. “Eu acho que a minha exoneração foi um indicativo de que o que eu vinha fazendo, possivelmente, não se encaixava dentro da política que o novo governo gostaria de instituir”, afirmou Benzaken.
Ainda em entrevista ao Antagonista, Adele relembra que no início do Governo Bolsonaro, foi demitida da diretoria do então Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde por conta da publicação da cartilha ‘Homens Trans: vamos falar sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis?’.
De acordo com a especialista, o material teria sido considerado “chulo” pelo então secretário Wanderson de Oliveira, da administração Mandetta. “Quando fala de prevenção, você tem que falar ‘pênis’, ‘vagina’, ‘ânus’ – você tem que dar o nome às genitálias, então, isso para mim não é linguagem chula, isso é uma linguagem científica e uma linguagem direta de tratar o tema’, destacou Adele ao complementar.
“Num País, hoje, quando nós temos a ciência muito partidária e politizada, o efeito disso vai para além de medalhas e homenagens (…) O que nós devemos pensar é o quanto esse tipo de atitude prejudica as políticas para os mais vulneráveis”, avalia a profissional.
Autopremiação
Na quinta-feira, 4, Jair Bolsonaro concedeu a ele mesmo a Medalha de Ordem Nacional do Mérito Científico. Vale ressaltar que esta é uma das mais altas honrarias concedidas pelo poder público a personalidades nacionais e estrangeiras, normalmente recebida por àqueles que contribuíram para o desenvolvimento tecnológico e científico no País.
Um dia antes, os pesquisadores foram condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, por meio de decreto assinado pelo governo e publicado no Diário Oficial da União (DOU). Na sexta-feira, 5, após a “autopremiação” do presidente, tiveram seus títulos revogados e surpreendidos ao ter, de forma inédita, um líder negacionista condecorado no Brasil.
O líder que adota um discurso indo contra todas as medidas e orientações de prevenção recomendas pelas autoridades e estudiosos da área da saúde, não explicou se quer o porquê da mudança na decisão em relação aos homenageados.
Leia a nota na íntegra:
Carta aberta dos cientistas condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico em 03/11/2011
“Os cientistas abaixo assinados, condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em decreto presidencial de 3 de novembro de 2021, vêm a público declarar sua indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados, em novo decreto presidencial na data de 5 de novembro de 2021.
Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do Governo vigente.
Enquanto cientistas, não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas.
Como bem pontuaram a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em notas divulgadas no dia 5/11/2021, a Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, é um instrumento de Estado para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras.
A indicação de membros agraciados é realizada por uma Comissão, formada por três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três membros indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três membros indicados pela SBPC. Nossos nomes foram honrosamente indicados por essa comissão, reunida em 2019. Mérito científico (como não poderia deixar de ser) foi o único parâmetro considerado para a inclusão de um nome na lista.
Consideramos, portanto, gratificante nossa presença nessa lista, e ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso País. Entretanto, a homenagem oferecida por um Governo Federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas.
Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação. Outrossim, desejamos expressar nosso reconhecimento às indicações da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entidades que têm respeito duradouro em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação na sociedade brasileira.
Esse ato de renúncia, que nos entristece, expressa nossa indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de Ciência e Tecnologia. Agimos conscientes no intuito de preservar as instituições universitárias e científicas brasileiras, na construção do processo civilizatório no Brasil“, informou a carta coletiva.
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