Mais de 50% dos indígenas foram atingidos pela Covid-19 no Brasil, aponta relatório da Apib

A entidade aponta que mais de 50% dos nativos foram atingidos diretamente pelo novo coronavírus até novembro de 2020. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS – A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) divulgou no fim desta semana o relatório ‘Nossa Luta é Pela Vida’, que retrata os impactos da pandemia de Covid-19 entre os povos indígenas do Brasil. A entidade aponta que mais de 50% dos nativos foram atingidos diretamente pelo novo coronavírus até novembro de 2020.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), existem 225 povos indígenas, além de referências de 70 tribos vivendo em locais isolados e que ainda não foram contatadas. O último Censo (2010) apontou que o Brasil tinha 896 mil índios.

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“Em um período crítico da pandemia houve um salto de sete óbitos, no início do mês de abril para 383 mortes até o final do mês de junho. A Fundação Nacional do Índio (Funai) havia gasto apenas 1,18% do seu orçamento para o combate à Covid-19 entre os povos indígenas”, diz um dos trechos do estudo da Apib.

No documento, a organização faz um panorama dos primeiros oito meses da crise sanitária e humanitária e junto com o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena conseguiu investigar e confirmar que 161 povos já registraram casos confirmados do novo coronavírus.

De acordo com a Apib, até o início de dezembro de 2020, a fundação indigenista gastou apenas 52% dos recursos previstos pelo órgão para o enfrentamento da pandemia, de acordo com levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Anti-indígena

A entidade também revela que os informes e boletins da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não possuem transparência nos dados com um agravante: a política anti-indígena do governo Bolsonaro, que teria culminado na falta de protocolos, treinamento, infraestrutura e insumos para estruturação das medidas sanitárias e emergenciais.

O manifesto afirma que a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas já se encontrava muito fragilizada quando a pandemia chegou ao Brasil. Nos meses de abril e maio, quando os casos de contaminação por Covid-19 aumentavam no Brasil, os valores liquidados para a Saúde Indígena sofreram uma queda de R$ 100 milhões em comparação com o mesmo período de 2019.

Vale do Javari

O relatório também aponta que os indígenas que vivem em vulnerabilidade nesse atual cenário, estão sendo diagnosticados pela doença. O exemplo é o Vale do Javari, onde está localizado a maior concentração de povos isolados e de recente contato do mundo. O novo coronavírus também chegou devido à falta da adoção de protocolos rígidos de prevenção por parte da Sesai.

No mês de junho, equipes da saúde indígena contaminadas com Covid-19 realizaram uma quarentena pouco rigorosa, no município de Atalaia do Norte, no Amazonas, contagiando indígenas das aldeias do povo Matsés e Kanamary.

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) entrou na Justiça Federal de Tabatinga com uma ação civil pública em agosto, exigindo a expulsão de missionários da Terra Indígena (TI) com maior número de povos isolados do mundo, o próprio Vale do Javari.

As invasões feitas por integrantes do “Missão Novas Tribos” seguiram acontecendo dentro do território durante a pandemia. Esses crimes, que agora possuem incentivo direto do Governo Federal, ferem a resolução 01/2020 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sobre a pandemia e os direitos humanos.

No parágrafo 56, a resolução é taxativa quanto à obrigatoriedade de se “respeitar de forma irrestrita o não contato com os povos e segmentos de povos indígenas em isolamento voluntário, dado os gravíssimos impactos que o contágio do vírus poderia representar para sua subsistência e sobrevivência como povo”.

Leia mais: Covid-19: lideranças analisam ação que pressiona Bolsonaro sobre barreiras em Terras Indígenas

Desmatamento

No relatório da Articulação dos Povos Indígenas aponta que os territórios indígenas representam uma barreira, mas que está cada dia mais fragilizada. Somente em 2020, o desmatamento na Amazônia teve um aumento de 34,5%, entre agosto de 2019 a julho deste ano, de acordo com dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Ao todo, foram 9205 km² desmatados, o equivalente a 1.100.000 campos de futebol. Somente no mês de julho de 2020, os registros do Inpe denunciam que 1.654 km² foram desmatados, em plena pandemia.

O avanço desse crime representa um aumento de 59% no desmatamento em territórios indígenas neste ano, em comparação com os primeiros 4 meses de 2019. De acordo com dados oficiais do Governo Federal, divulgados pelo Inpe, foram 1.319 hectares desmatados dentro de Terras Indígenas nesse período.

Conflitos

O relatório da Apib também mostra os conflitos na região do Rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte (distante a 140 quilômetros de Manaus) onde lideranças indígenas denunciaram o assassinato de dois jovens indígenas do povo Munduruku, Josimar Moraes, de 25 anos, e Josivan, de 18 anos, no dia 6 de agosto.

O conflito na região repercutiu nacionalmente, após o secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, ter sido baleado no ombro, na região do rio Abacaxis, quando fazia pesca esportiva sem licença ambiental, durante a quarentena decretada pelo Governo Estadual.

Como represália ao ataque, foi realizada uma operação policial, no dia 3 de agosto, com a alegação de combater o tráfico de drogas na região, que também ameaça a vida de indígenas e ribeirinhos. De acordo com as lideranças locais, os dois jovens estavam viajando da aldeia Laguinho até a sede do município de Nova Olinda do Norte, pois Josimar iria receber o pagamento pelo trabalho que realiza fazendo o transporte de alunos da escola das comunidades da região.

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