Cheguei em Manaus com nove anos completos. Vinha de Itacoatiara sem passagem de volta. O dia amanhecia quando o Barco de Recreio Itaporanga cruzou o Encontro das Águas. O meu coração de menino, viajando sob a guarda do comandante do barco, bateu forte e tive a certeza que ali, também, era uma linha divisória de minha vida. As irmãs mais velhas esperavam-me no antigo porto da Rua dos Andradas, frente à Ilha do Cachangá. A bagagem era pouca, mas as expectativas eram muitas e assim foi. Vida difícil: a nova paisagem, caminhos que não conhecia, solidão e saudades!
Não houve muito tempo para adaptação e tudo era disruptivo como soi ser para os migrantes. Conclui o Ginasial, fui para o mundo do trabalho e para a escola noturna.
Manaus me deu tudo. Conquistei a cidade a pé. O cansaço pouco importunou-me: me fez admirar a eira e a beira do casario, as colunatas dos prédios históricos e os bangalôs dos ricos da cidade. Eu tinha um rumo, tinha propósito e uma convicção de que tudo teria que ser diferente. Nessas caminhadas, no próprio rumo que seguia, fui apreendendo a diferença e as indiferença do mundo novo. Assim, minha ânsia de vencer as adversidades não recepcionou nem o desânimo e muito menos a soberba e segui em frente cumprindo meu fado.
Aprendi a amar a cidade, vivi os seus momentos de decadência dos anos cinquenta, as esperanças do desenvolvimento prometido dos anos sessenta e setenta.
Já estava grande e firmado na vida e agora também era comigo e com os compromissos profissionais e ideológicos que fui assumindo. A vida afetiva se realizou, a luta continuou e dela participei com o mesmo encanto e esperanças do dia em que cheguei. A luta era solidária e ficamos empatados: recebi e doei, sofri e vi a vida florescer nos amores, nos meus encantos e até nos meus enganos. A cidade Natal virou paisagem, indelével marca na alma, e Manaus passou a ser em mim o espaço de labor, de ganho intelectual, de trocas de afetos positivos. Cada aniversário da cidade é, também, um momento de reflexão não somente sobre os meus ganhos, mas os ganhos todos dos que como eu cruzam o Encontro das Águas em busca de melhores condições de vida, de dignidade e da igualdade possível. Manaus, minha cidade querida!
(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do
Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.