Manifesto de 33 entidades exige ações para proteger ribeirinhos e indígenas na região do Rio Abacaxis

Entidades relatam preocupação com a falta de garantias constitucionais, como a tortura e os assassinatos de ribeirinhos e indígenas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Entidades ligadas aos direitos humanos e à proteção de povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia voltaram a exigir ações concretas e de forma imediata contra violações à vida de ribeirinhos e indígenas da região do rio Abacaxis, localizada entre os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte, no Amazonas, onde a operação policial realizada pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP) resultou em mortes e prisões.

No documento, assinado por 33 entidades, é solicitada a exoneração do Secretário da SSP-AM, Coronel Louismar Bonates, e do comandante geral da Polícia Militar (PM-AM), coronel Ayrton Norte, para garantir que as investigações cheguem aos “reais autores das atrocidades praticadas e aos seus mandantes”.

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No texto, é relatado preocupação com a falta de garantias constitucionais, como a tortura e os assassinatos de ribeirinhos e indígenas, além da falta de segurança instaurado na região dos conflitos. As entidades manifestam que continuarão denunciando o atual estado de violência às instâncias nacionais e internacionais de defesa dos Direitos Humanos.

Confira a série de reportagens sobre as comunidades ribeirinhas:

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No dia 9 deste mês, integrantes de uma comissão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), do Ministério Público Federal (MPF) e representantes de 53 entidades concederam uma entrevista coletiva à imprensa, após realizar diligências nas comunidades da região e chegaram a afirmar que o caso “deixou marcas e cicatrizes profundas que ainda abalam o psicológico de ribeirinhos, indígenas e demais moradores do local.

Neste novo pronunciamento, as instituições destacam a importância de que as ações policiais respeitem os direitos individuais e coletivos das comunidades ribeirinhas e indígenas. O documento cita que o Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Segurança Pública, informou que Polícia Civil indiciou nove pessoas envolvidas na morte dos policiais militares.

Comissão pediu o afastamento imediato da Polícia Militar (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Os coletivos pontuam que todos os fatos devem ser elucidados ante as autoridades competentes e em processos judiciais determinados pela existência de um Estado de Direito, além disso, requerem que sejam respeitados todos os direitos processuais do meio jurídico brasileiro.

“Contudo, na ação policial, violências foram cometidas. Conforme relato de moradores de diversas comunidades Maraguá, Munduruku e ribeirinhas da região, casas foram invadidas sem autorização judicial, ameaças de mortes foram feitas, torturas foram praticadas, corpos de pessoas apareceram boiando no rio com pedras amarradas nos pês e com marcas de tortura, crianças e outros inocentes foram feridos e a fome se instaurou com a impossibilidade dos moradores buscarem alimentos nas roças e nos rios”, diz trecho do abaixo-assinado.

Relembre o caso

Os conflitos na região do rio Abacaxis começaram no fim do mês de junho deste ano, após o secretário do Governo do Estado, Saulo Moyses Costa, ser baleado enquanto enquanto trafegava pelas redondezas. À época, a SSP-AM deflagrou uma operação contra uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas.

Na operação, no dia três de agosto, policiais militares entraram em confronto com os criminosos, resultando na morte de dois PMs, o cabo Márcio Carlos de Souza e o sargento Manoel Wagner Silva Souza. A ação também deixou ferido outros dois oficiais. No dia seguinte, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas anunciou o envio de reforço policial para uma nova operação na região.

O caso levou o Ministério Público Federal (MPF) a instaurar inquérito Civil para apurar os danos causados aos povos indígenas e comunidades tradicionais que residem no local. A Justiça Federal também chegou a intervir na operação policial no rio Abacaxis.

Veja o manifesto dos coletivos na íntegra:

O que diz a SSP-AM

Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) disse que não compactua com práticas ilícitas e que as denúncias foram encaminhadas à Corregedoria-Geral, que instaurou procedimentos criminais e administrativos para apurar os fatos e aplicar punições cabíveis, caso sejam comprovadas as denúncias.

Na nota, a pasta destacou que o secretário de Segurança Pública, coronel Louismar Bonates, repudia a tentativa de envolvê-lo no caso dos supostos abusos. A SSP-AM esclareceu que a “onda de violência” em Nova Olinda do Norte não começou com a chegada dos reforços policiais.

Confira a nota da íntegra:

“A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) não compactua com práticas ilícitas. As denúncias foram encaminhadas à Corregedoria Geral, que instaurou procedimentos criminais e administrativos para apurar os fatos e aplicar punições cabíveis, caso sejam comprovadas as denúncias. O secretário de Segurança Pública, coronel Louismar Bonates, repudia a tentativa de envolvê-lo no caso dos supostos abusos.

A SSP-AM esclarece que a “onda de violência” em Nova Olinda do Norte não começou com a chegada dos reforços policiais. Ao contrário, o envio de efetivos teve o intuito de reprimir os crimes praticados na região por uma organização criminosa vinculada à Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis (Anera).

Conforme inquérito policial, indígenas e ribeirinhos eram reféns desse bando criminoso, liderado pelo nacional Valdelice Dias da Silva, vulgo “Bacurau”, que trabalhava para o presidente Anera, Natanael Campos da Silva, vulgo “Natan”. Em depoimento à Polícia Civil, uma liderança indígena descreveu a opressão e pediu a permanência da polícia devido aos reiterados episódios de violência praticados pelo bando de Bacurau. Com isso, depreende-se que não foram os “ribeirinhos” os surpreendidos com a presença de policiais, mas os infratores contumazes, crentes na impunidade de seus atos e que, inclusive, fugiram para terras indígenas após a chegada da polícia, aterrorizando a população inocente que ali reside.

Além do crime de organização criminosa, Natanael Campos da Silva, Bacurau e outros sete infratores, individualmente ou em grupo, tinham envolvimento em homicídios, roubos a embarcações, ameaças a povos indígenas, tráfico de drogas e desmatamento ilegal com a finalidade de comercializar irregularmente madeira e cultivar entorpecentes. Há relatos, ainda, da existência de garimpo ilegal com emprego de materiais proibidos e degradáveis ao meio ambiente, inclusive venenosos, como o cianeto de potássio.

Modus operandi do crime

Conforme as investigações, além das abordagens armadas para a Anera, “Bacurau” era conhecido pela prática do tráfico de drogas, crime feito com a participação de irmãos e familiares – muitos com diversas passagens pela polícia. O próprio Bacurau é um dos ex-presidiários resgatados da delegacia local, em 2018, por um bando armado.

Segundo parecer da Advocacia-Geral da União, de 8 de agosto de 2020, a Anera usurpava as funções do Estado ao exercer, ilegalmente, a fiscalização irregular armada nas comunidades do Rio Abacaxis. No documento, a AGU apresenta informações da Polícia Federal sobre as atividades criminosas na região. A PF diz que detectou áreas de plantio de maconha a partir de imagens de satélite, e afirma que “os crimes que incontestavelmente ocorreram no local foram os assassinatos dos policiais, tentativa de homicídio de outros dois, e cultivo de planta do gênero cannabis, ao que parece em uma ampla área nas proximidades das duas comunidades que ocupam as margens do Rio Abacaxis”.

Nesta recente operação, os policiais localizaram quatro plantações de maconha, uma delas ao lado da residência do irmão de Bacurau, ocasião em que uma cunhada dele foi presa portando arma de fogo.

Ordem dos fatos

A ação policial em Nova Olinda do Norte teve início com o registro de um Boletim de Ocorrência, em Manaus, que trouxe alerta sobre a gravidade do cenário de violência na região do Rio Abacaxis. Segundo a vítima, que informou estar com um grupo de pescadores esportivos, houve uma abordagem ilegal armada, no dia 24 de julho de 2020, perpetrada por membros da Anera. Na ocasião, foram ameaçados e impedidos de seguir, o que culminou posteriormente com a tentativa de homicídio.

Diante dos fatos graves, o sistema de Segurança encaminhou equipe policial especializada para a área. No mesmo dia em que chegaram à Nova Olinda do Norte, em 03 de agosto de 2020, os policiais da Companhia de Operações Especiais (COE) seguiram para identificar o local onde teria ocorrido o fato.

Acompanhados por testemunhas do crime, em três lanchas, uma delas uma patrulha fluvial do policiamento ambiental da PMAM, os militares foram abordados, no percurso, pelo presidente da Anera, que fez ameaças veladas, como consta do depoimento dos policiais sobreviventes.

Testemunhas dizem que Natanael informou Bacurau que a polícia estava à procura dele. Os policiais foram atacados logo depois de desembarcarem na comunidade Santo Antônio do Lira, onde Bacurau comandava bocas de fumo. Os infratores estavam de tocaia na floresta e atiraram contra os policiais, que foram brutalmente assassinados.

No final de agosto, a Polícia Civil remeteu à Justiça o inquérito sobre o caso. Natanael, Bacurau e Valcinei Dias da Silva, vulgo “Lapingo”, vão responder pelos crimes de organização criminosa, associação criminosa, duplo homicídio qualificado, duplo homicídio qualificado tentado, usurpação de função pública e extração ilegal de madeira.

Zilma Dias da Silva, Enas Dias da Silva, Maria José Dias da Silva e Gleide da Silva Rodrigues, familiares de Bacurau e Lapingo, foram indiciadas juntamente com os infratores identificados apenas pelas alcunhas de “Milton” e “Zé Carlos”. Eles vão responder por associação criminosa.

Apuração dos crimes
Sobre as mortes e desaparecimentos ocorridos na região de conflito, informamos que as investigações foram instauradas, mas devido à proibição da Justiça Federal, de atuação da polícia na área, os trabalhos estão prejudicados. Nenhuma hipótese para os crimes está descartada, até porque lideranças indígenas informaram que os criminosos entraram armados para se esconder nas comunidades onde esses crimes e os desaparecimentos aconteceram.

Eligelson de Souza da Silva foi baleado durante troca de tiros com a polícia. Um revólver foi apreendido com ele. Em depoimento, o pai de Eligelson disse que o jovem tinha envolvimento com o tráfico.

Sobre as denúncias de supostos abusos policiais, que estão em investigação, cabe informar que os relatos iniciais partiram do presidente da Anera, que acionou o procurador do Ministério Público Federal. Mesmo sem ter estado na área, o procurador pediu à Justiça para suspender a operação. Nesse mesmo documento, ele solicita “habeas corpus” para Natanael, o que foi negado pela Justiça Federal.

Além do presidente da Anera, outros suspeitos de ligação com o assassinato dos policiais e com práticas ilegais concederam entrevistas para emissora de televisão, sem mostrar o rosto, nas quais tecem acusações contra a polícia. Pelo menos duas pessoas indiciadas pelo assassinato dos militares, e que na época tinham prisão preventiva decretada pela Justiça, concederam tais entrevistas na qualidade de ‘ribeirinhos’ ocultando da reportagem eventual participação no crime.

Outro ponto a ser relembrado é que os relatos de supostos atos de violência, que buscam enredar o Comandante-Geral da Polícia Militar do Amazonas, coronel Ayrton Norte, partem justamente de Natanael, ligado a Bacurau, o homem diretamente responsável pelo duplo homicídio e dupla tentativa de homicídio dos policiais da COE.

Entretanto, ao ser ouvido pela Corregedoria, Natanael apresentou versão diferente da que deu a imprensa, e afirmou que, em nenhum momento, sofreu agressão por parte do Comandante da PM do Amazonas. Ele foi ouvido acompanhado por seu advogado e por um delegado da Polícia Federal, que assinaram o termo de declaração. Natanael sequer soube informar se o comandante da PM estava fardado ou sem farda.

O coronel Ayrton Norte reitera o compromisso da corporação na defesa do bem estar e da segurança da população do Amazonas, e afirma que não vai esmorecer diante de acusações levianas porque sua vida pessoal e profissional é pautada pela ética e o respeito às leis.

Também é oportuno mencionar que o presidente da Anera alegou, em petição, tortura durante o cumprimento de seu mandado de prisão. Uma mídia com gravação do momento do cumprimento do mandado foi juntada aos autos demonstrando que Natanael sequer foi algemado ou colocado no xadrez da viatura.

Ainda sobre as questões relacionadas à operação em Nova Olinda do Norte, é curioso que o procurador do MPF questione a realização de atividades policiais à paisana ao mesmo tempo em que defende as abordagens ilegais promovidas pela Anera, em flagrante usurpação da função do Estado, como aponta a AGU. Causa estranheza, ainda, que o procurador defenda, como consta em documentos públicos remetidos à Justiça Federal, que os agentes policiais do Estado do Amazonas se ‘identifiquem’ aos milicianos, como se houvesse relação de submissão e/ou subordinação dos agentes da lei do Estado aos “fiscais da Anera”.

Sendo o procurador o responsável por atuar em casos referentes às populações indígenas e comunidades tradicionais, cabe a ele informar à sociedade amazonense se as denúncias de violações contra os povos indígenas praticadas por pessoas vinculadas à Anera chegaram ao seu conhecimento. Entre os casos, o homicídio do filho de um cacique indígena, com 16 facadas, ocorrido em junho deste ano, segundo relato de uma liderança indígena, praticado pelo grupo de Bacurau. O crime ocorreu um mês antes da abordagem a embarcação de pescadores esportivos, seguida de tentativa de homicídio, e do posterior assassinato de policiais militares.

Também é importante que o procurador da República informe à população do Amazonas que procedimentos já foram adotados a partir das evidências de crimes praticados pelos membros da Anera, contra os povos indígenas e contra a União, assim como se recebeu denúncias, em algum momento, e que medidas adotou para apuração dos crimes de invasão de terras indígenas, tráfico de drogas e abordagens armadas a embarcações, identificados durante a operação policial deflagrada na cidade.”

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