Manifesto luso-brasileiro pede que preocupações climáticas esteja na política ambiental de Lula
31 de dezembro de 2022
O texto exalta as declarações do presidente eleito sobre a necessidade de proteção da Amazônia (Reprodução/Pixabay)
Da Revista Cenarium*
LISBOA – Assinado por quase 50 personalidades de Portugal e do Brasil, um novo manifesto quer dar fôlego internacional à política ambiental do futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento, lançado na quarta-feira, 28, pede ainda que as preocupações climáticas estejam no centro do acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
“A vitória de Lula da Silva e o regresso do Brasil ao seu lugar indispensável na política internacional criam condições favoráveis para, a partir da questão ambiental e climática, construir uma resposta capaz, com efeitos de cascata nas mais variadas áreas, assente num multilateralismo eficaz”, diz o manifesto.
O texto exalta as declarações do presidente eleito sobre a necessidade de proteção da Amazônia e destaca como a deterioração da proteção da floresta foi precisamente o argumento utilizado para travar a ratificação do acordo comercial entre o bloco europeu e o sul-americano, finalizado em julho de 2019.
Tendo isso em conta, os signatários pedem que os dos lados do Atlântico se engajem em reabrir as negociações, incluindo, de forma central, a questão ambiental.
Lula durante evento com indígenas na COP27, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, em novembro, no Egito (Mohammed Salem/17.nov.22/Reuters)
“Não é propriamente mexer no que está acordado. Isso está fechado. Seria fazer um aditamento, onde esses objetivos [ambientais] passem a constar no acordo”, explica o jurista Paulo Magalhães, professor da Universidade do Porto e um dos signatários.
Do lado brasileiro, assinam o documento desde cientistas de destaque da área ambiental até políticos, juristas e artistas engajados com as questões climáticas. Há nomes como o climatologista e professor da USP Carlos Nobre, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro e o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Ambiente Rubens Ricupero.
Vários ex-ministros de Portugal também são signatários do manifesto, incluindo Guilherme de Oliveira Martins, que foi titular da pasta da Educação e, agora, é administrador executivo da Fundação Gulbenkian, Luís Braga de Cruz, ex-ministro da Economia e Maria João Rodrigues, ex-ministra do Trabalho e atual presidente da Fundação Europeia para os Estudos Progressistas.
O manifesto pede que a parceria estratégica entre o Mercosul e a União Europeia seja calcada em quatro pilares principais, sendo os dois primeiros a definição da “defesa do ambiente e biodiversidade como orientação estratégica das suas relações” e a criação de “uma nova estratégia para cumprir os objetivos do Acordo de Paris”.
“O acordo UE-Mercosul, de 2019, não oferece garantias suficientes de cumprimento das normas e metas ambientais e sanitárias, como tem sido sublinhado. A União Europeia e o Brasil deviam fazer do objetivo de cumprir os Acordos de Paris uma condicionalidade dos seus acordos bilaterais e das suas relações inter-regionais”, pede o manifesto.
O terceiro ponto defendido pelo documento é a criação de um fundo da UE-Mercosul para a proteção das florestas. A ideia é garantir o pagamento pela manutenção dos ecossistemas preservados, além do financiamento de recuperação de áreas florestais degradadas.
Por fim, o texto pede o reconhecimento do clima estável como um “patrimônio comum da humanidade”. A demanda é também o ponto central do trabalho da organização não governamental Casa Comum da Humanidade, uma rede internacional que reúne juristas e cientistas.
A proposta do manifesto foi gerada, justamente, na última reunião da entidade, que aconteceu em 28 e 29 de outubro, em Portugal, quase coincidindo com o período eleitoral brasileiro.
“Houve pessoas do Brasil que não puderam vir, justamente, por causa do voto”, explica Paulo Magalhães, professor da Universidade do Porto e presidente da ONG.
A entidade está engajada em um objetivo ambicioso: a definição do sistema terrestre, que garante o clima estável do planeta, como um “objeto jurídico internacional”.
Mudanças climáticas são a principal preocupação para 41% dos jovens em 22 países, diz pesquisa (Reprodução)
“O que este planeta tem de único, pelo menos, até agora, que a gente conheça, é um sistema que funciona e que suporta a vida”, diz Magalhães. “Este sistema não cumpre fronteiras, é um sistema global de circulação”, destaca.
A ideia de reconhecer, juridicamente, o sistema internacional intangível, que permite a manutenção do clima estável da Terra, teria vários benefícios, na avaliação do jurista. Além de melhorar a governança sobre os bens comuns, também facilitaria o pagamento pela conservação dos ecossistemas e das florestas.
Em muitos contextos, sobretudo, em países em desenvolvimento, a dificuldade de gerar benefícios econômicos de curto prazo, com a preservação de áreas florestais, leva ao desmatamento e à exploração predatória das matas.
“O pagamento por serviço de ecossistemas, ou seja, por aquilo que a floresta proporciona às sociedades, que é a manutenção da vida e do clima, começa a mudar o conceito de valor da nossa sociedade. Os ecossistemas passam a ter valor, por exemplo, pelo quanto de CO2 capturaram ou pela evapotranspiração realizada”, diz o jurista.
O reconhecimento de um objeto jurídico para o sistema terrestre também poderia facilitar processos que pedem melhores polícias de preservação ambiental. Nos últimos anos, ativistas europeus têm recorrido, cada vez mais, à Justiça na luta contra políticas consideradas predatórias ao ambiente.
Embora assuma que o caminho para o reconhecimento do sistema terrestre, como objeto jurídico, ainda é longo e com muitas dificuldades, o presidente da Casa Comum da Humanidade destaca que já houve avanços em relação ao tema em Portugal.
Em dezembro de 2021, a nova Lei de Bases do Clima portuguesa foi a primeira do mundo a defender “o reconhecimento pela Organização das Nações Unidas do clima estável como Patrimônio Comum da Humanidade”.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.