Marco do genocídio


15 de agosto de 2024

Há quase um mês, o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, tem sido vítima dos grileiros de suas terras, no município de Douradina. Capangas dos invasores retomaram as agressões com armas de fogo. Onze pessoas entre indígenas e agressores foram feridas. O embate foi provocado após a decisão dos Guarani-Kaiowá de retomar suas terras, delimitadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas em 2011. A área é de 12.195 hectares, mas a demarcação foi judicializada — como sempre ocorre. A morosidade do Judiciário, nesses casos, é expressiva contribuição aos conflitos entre produtores rurais e indígenas.

Durante 500 anos, o Brasil não alcançou a condição de nação desenvolvida — segue na marcha como emergente ou em desenvolvimento.  Mas, diante do comportamento da maioria dos parlamentares, o país está bem próximo da barbárie, no que se refere aos povos originários (indígenas) e tradicionais (quilombolas).

Para os políticos da ultradireita, dominantes no Congresso, a existência dos povos originários e tradicionais é empecilho ao desenvolvimento do país — sofisma descabido, que sustenta e tenta justificar a matança desses brasileiros, de acordo com a política do governo passado. A Amazônia Legal abriga a maioria de mais de 1 milhão dos indígenas e mais de 80% dos quilombolas — remanescentes dos negros sequestrados em países do continente africano, para serem escravizados e remunerados com tortura e morte.

A lógica dos políticos de alma colonialista e retrógrada é extremamente perversa. Se em mais de 500 anos o Brasil não conseguiu ser um país desenvolvido, não serão os 12% dos 8,547 milhões de km² do território brasileiro, ocupados pelos povos indígenas, o maior obstáculo para que se alcance a condição de nação desenvolvida.

A aprovação do Marco Temporal, pelo Congresso, estabelece que os povos indígenas têm direito ao território ocupado até 1988, ano da proclamação da Constituição Cidadã, após o fim da ditadura militar. O entendimento é tão infame quanto o genocídio dos primeiros ocupantes do país, que seguem aviltados em seus direitos desde o início da colonização.

Essa violência contínua contra os povos indígenas decorre da inércia dos sucessivos governos.  A Constituição, elaborada na ditadura militar, e a promulgada em 1988 estabeleceram prazo para a demarcação das terras desses povos, que vivem há séculos, oprimidos pelos colonizadores, ruralistas e grileiros. O cumprimento do ditame constitucional sempre foi postergado. O Estado brasileiro desprezou a determinação da Carta Magna. Cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar a emenda à Constituição que criou o marco temporal, um artifício jurídico voltado à opressão dos povos originários e que, provavelmente, em breve, se estenderá às populações tradicionais. Nenhuma decisão contrária ao direito à terra dos povos originários e tradicionais será compatível com a Constituição Cidadão nem justa.  O Marco Temporal é a porteira escancarada para o genocídio.

(*)Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas residindo em Brasília há 62 anos, é jornalista há 42 anos. Ela trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e, atualmente, ocupa o cargo de subeditora de Opinião, no Correio Braziliense.

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