Marco Temporal: Governo Lula quer negociar com ruralistas para evitar derrubada de veto
23 de outubro de 2023
Homem cuida de gado. (Bruno Cecim/Agência Pará)
Da Revista Cenarium Amazônia*
BRASÍLIA – Ministros do Governo Lula (PT) querem apresentar uma contraproposta para tentar evitar que a bancada ruralista derrube o veto do Marco Temporal no Congresso. A ideia é negociar regras claras para indenizações a produtores rurais cujas terras se tornem reservas indígenas.
Ao analisar o projeto do marco temporal, Lula decidiu vetar os principais pontos, inclusive o que previa que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos originários já na época da promulgação da Constituição, em 1988. Outro trecho vetado tratava sobre as indenizações.
O petista diz que a decisão foi tomada com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que rejeitou a tese de um marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Indígenas de várias etnias se manifestam contra o marco temporal, durante marcha em Brasília – Pedro Ladeira – 30.ago.23/Folhapress
Segundo argumentos jurídicos do governo, apesar de a corte já ter previsto a necessidade de indenizações, o texto que estava no projeto aprovado pelo Congresso não estava de acordo com o STF. Por isso, essa parte também foi vetada.
Como alternativa, aliados de Lula que fazem a articulação com congressistas e também com produtores rurais tentam acalmar a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das maiores do Congresso, com a abertura de uma negociação em torno de um projeto para tratar apenas sobre as indenizações.
Logo após a confirmação dos vetos, na sexta-feira (20), a bancada ruralista divulgou que se articula para derrubar os atos de Lula e retomar o texto do marco temporal, aprovado no Congresso, para que as terras indígenas se restrinjam à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição de 1988.
Para que o veto ao marco seja derrubado são necessários os votos de 257 deputados e de 41 senadores, computados separadamente. A bancada ruralista diz ter 303 deputados e 50 senadores
No entanto, a estratégia de apresentar as regras de indenizações como uma contraproposta não é unânime. Alguns integrantes do governo questionam como essas reparações seriam pagas. Outros dizem que, ao elaborar com clareza esse novo projeto, seria possível prever um calendário de pagamentos que não pese para as contas públicas.
Outro fator a ser considerado é que já há uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em andamento na Câmara que trata de indenizações para quem tinha terra em região que se tornou reserva indígena. Essa PEC prevê um valor tanto pela terra nua quanto pelas benfeitorias feitas no terreno, como construção de casas.
Alguns juristas apontam que o texto constitucional deixa claro apenas a necessidade de indenização por benfeitorias. Mas o STF, ao julgar a tese do marco temporal, já incluiu na decisão a previsão de que a indenização seja também pela terra nua, a pessoas que adquiriram de boa-fé a terra que veio a ser demarcada posteriormente.
Integrantes do governo Lula afirmam que a decisão do Supremo será cumprida, mas que ainda é preciso analisar detalhadamente o conteúdo da PEC que os ruralistas pretendem acelerar na Câmara.
Apesar de a FPA ser forte na Câmara e no Senado, a tramitação de uma proposta de emenda à Constituição é lenta e, portanto, não deve ser concluída neste ano.
Não há previsão de quando os vetos do marco temporal serão votados no Congresso. Enquanto isso, o governo tenta ganhar tempo para negociar com os parlamentares.
Lideranças indígenas protestam em Brasília contra a tese do marco temporal. (Cimi – 23.jun.2022/Divulgação)
Lula, inclusive, inovou em seu governo ao criar o Ministério dos Povos Indígenas e subiu a rampa em 1º de janeiro ao lado do cacique Raoni, numa demonstração de que seu governo respeitaria a diversidade.
Por isso, interlocutores de Lula apontaram que o governo teve de fazer um cálculo político. Na balança, pesaram os diferentes entendimentos de seus apoiadores à esquerda e dos ruralistas no Congresso.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em maio com apoio da bancada ruralista e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), como parte da ofensiva do Congresso contra o STF em meio a uma disputa de poderes em torno do assunto.
O Congresso aprovou a proposta no fim de setembro, em reação à decisão do STF de declarar inconstitucional a tese do marco.
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