Prefeita do Amazonas aciona ‘Lei Maria da Penha’ para se proteger de adversário político

No Amazonas, é a primeira vez que se tem notícia de que uma mulher acionou a 'Lei Maria da Penha' contra um adversário político (Thiago Alencar/CENARIUM)
Priscilla Peixoto e Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – O juiz Diego Martinez Fervenza Cantoario, da Vara de Plantão da Comarca de Nhamundá (a 545 quilômetros de Manaus), impôs medida protetiva em benefício da atual prefeita do município, Raimunda Marina Brito Pandolfo (União Brasil), contra o ex-prefeito da mesma cidade, Gledson Hadson Paulain Machado, o “Nenê Machado”, adversário político dela.

A decisão foi tomada, nesta sexta-feira, 4, com base na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e tem duração de seis meses, podendo ser prorrogada. A prefeita conseguiu provar para a Justiça que foi agredida e corre risco com Gledson Hadson. A REVISTA CENARIUM teve acesso à decisão judicial com exclusividade. Procurada, Raimunda Pandolfo não quis se manifestar.

No Amazonas, é a primeira vez que se tem notícia de que uma mulher acionou a “Lei Maria da Penha” contra um adversário político e, conforme a decisão, Nenê está “proibido de se aproximar a menos de 500 metros da vítima e de manter qualquer forma de comunicação com a agredida e seus familiares, inclusive, via redes sociais”.

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Trecho da medida protetiva em benefício da atual prefeita de Nhamundá (Reprodução)

No despacho, o magistrado determinou ainda que reporte às autoridades qualquer comportamento do ex-prefeito que fuja ao estabelecido. “(…) deverá comunicar à autoridade policial qualquer comportamento do requerido que importe em descumprimento das medidas protetivas” e, em caso de necessidade de prorrogação das medidas, “deverá requerer, previamente, ao juízo competente, por meio de advogado ou defensor público, ou comparecer, pessoalmente, à secretaria deste juízo (…)”, consta um trecho do documento.

Trecho da medida protetiva em benefício da atual prefeita de Nhamundá (Reprodução)

O juiz orientou ainda que, caso a prefeita tenha interesse em abrir ação contra o agressor pela “suposta prática de crimes contra a honra (calúnia, difamação ou injúria)” ela “deverá apresentar queixa-crime por meio de advogado ou defensor público, dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime“.

Cantoario ressalta que a vítima também não deve se aproximar do ex-prefeito se ele estiver na casa de familiares, e não poderá utilizar redes sociais nem aplicativos de mensagens para se comunicar com ele. Conforme o documento, Gledson Machado tem o prazo de cinco dias para entrar com uma impugnação contra a medida.

O magistrado ainda autorizou o uso da força policial para que o oficial de Justiça notificasse o agressor (Reprodução/TJAM)

Inédito no AM

Segundo a delegada Débora Mafra, titular da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM), não há notícias de outro caso em que uma mulher seja acolhida pela Lei Maria da Penha dentro deste contexto político no Amazonas.

Não recordo de nenhum outro caso e, com certeza, esta decisão é uma inovação no mundo jurídico, trazendo um aumento de proteção às mulheres, as quais necessitam se sentir amparadas, principalmente, no campo político, onde ainda as mulheres sofrem muitas violências“, diz a delegada, salientando que “as mulheres na política precisam se sentir seguras para desenvolverem o mandato com tranquilidade”, disse a delegada.

Maria da Penha

A advogada criminalista, ativista pelos direitos da mulher e presidente da Associação Manas, (que acolhe mulheres vítimas de violência) Amanda Pinheiro explica, em resumo, que a Lei Maria da Penha alcança mulheres em situação de violência doméstica, intrafamiliar, relação íntima de afeto e violência praticada contra a mulher por conta do gênero.

A lei alcança, sim, a violência praticada em virtude do gênero feminino no intuito de diminuir mulheres, comprometer sua autoestima, determinação, subjugar a uma situação de submissão inferior em relação ao gênero. Na questão de relação íntima de afeto se inclui também amigos íntimos, pessoas que mantêm uma convivência frequente/rotineira, como por exemplo, colegas de trabalho, pois existe ali relação de afeto e convivência diária e, se tem como comprovar isso, se enquadra na Lei Maria da Penha“, explica Amanda que complementa:

Ao que me consta no caso em questão é que, provavelmente, essas pessoas tenham relação, seja de proximidade, ou íntima de afeto, amizade pública, além do ambiente de trabalho de ambos que é a política – com destaque para a prefeitura e lugares incomuns, essa mulher veio a sofrer alguma ameaça e ela precisou resguardar-se mediante à decisão Maria da Penha. Então, essa inovação aqui no nosso Estado abre precedentes para que outras mulheres, que possam sofrer este tipo de violação de direitos, seja ameaça, risco à integridade física, moral, psicológica, patrimonial ou sexual no mesmo ambiente de trabalho. Cabe lembrar também que não configura assédio moral ou sexual, pois não existe uma hierarquia entre as parte”, destaca a advoga.

Leia também: Conheça leis esenciais para enfrentamento da violência contra a mulher

Na leitura do antropólogo e cientista político Ademir Ramos, o direito da mulher e a luta feminina, principalmente, em espaços de poder é pauta em constante avanço, ainda que a passos lentos. “O direito da mulher está em voga, a luta feminina continua e os direitos humanos continuam em pauta. Nesse contexto, é importante destacar a questão de gênero e acredito que o Brasil avança no viés positivo quando tem uma lei como Maria da Penha para garantir a integridade e liberdade da mulher, mesmo em espaços como o deste caso”, considera.

Polícia Federal

A atual polêmica é mais um capítulo do ex-prefeito com a Justiça. Em março de 2017, a Polícia Federal prendeu Gledson em flagrante por extração ilegal de seixo no município de Faro, no Pará. Durante o procedimento, a PF apreendeu um arsenal de armas pesadas e equipamentos para extração mineral. A denúncia apontou que Nenê estaria explorando ouro em terras indígenas.

Gledson também foi alvo de investigação do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) instaurada em setembro de 2021, a partir de denúncia de enriquecimento ilícito. O patrimônio de Gledson mostrou-se incompatível com o salário recebido pelo cargo de servidor técnico da Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM). O capital social aponta empresas registradas no nome do ex-prefeito, com bens acima da capacidade financeira.

Em dezembro de 2022, a prefeitura do município de Nhamundá o denunciou por movimentar mais de R$ 300 mil das contas públicas municipais após término do seu mandato. De acordo com a denúncia, o ex-gestor utilizou o token (dispositivo gerador de senhas) do município para fazer transações bancárias.

Denúncia apontou que o ex-prefeito movimentou R$ 334.478,55 das contas do município após sair do cargo (Reprodução)




A queixa foi protocolada no Ministério Público Federal (MPF), Tribunal de Contas da União (TCU) e Polícia Federal (PF) quase dois anos após o início do mandato da atual prefeita, Marina Pandolfo (União Brasil). Segundo a prefeitura, o valor de R$ 334.478,55 foi transferido no dia 11 de janeiro de 2021.

Conforme se comprova, por meio de extrato bancário e documentos em anexo, o anterior prefeito municipal de Nhamundá, senhor Gledson Hadson Paulain Machado, realizou movimentação bancária nas contas de titularidade do município após o término de seu mandato, mais precisamente no dia 11 de janeiro de 2021, no valor de R$ 334.478,55 (trezentos e trinta e quatro mil, quatrocentos e setenta e oito reais e cinquenta e cinco centavos)“, diz trecho do documento.

Registro da movimentação denunciada pela Prefeitura de Nhamundá (Reprodução)

À época, a prefeitura do município pediu aos órgãos que as medidas administrativas e judiciais necessárias fossem tomadas pelo MPF, TCU e PF. “Em face de todo o exposto, requer-se a Vossa Excelência que, após exercer o juízo de admissibilidade, seja recebida e autuada a presente denúncia“, concluiu.

REVISTA CENARIUM tentou contato com o ex-prefeito Gledson Hadson Paulain, mas não obteve retorno.

Denúncia do MPF

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