Marina encara quase sete horas de sessão na Câmara e resiste a ataques da oposição
Por: Ana Cláudia Leocádio
02 de julho de 2025
BRASÍLIA (DF) – A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, voltou a ser atacada, nesta quarta-feira, 2, durante uma audiência pública na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. Ela permaneceu por quase 7 horas respondendo a questionamentos de deputados federais após ser convocada para ir ao colegiado. Marina chegou a ser acusada de adotar estratégias ensinadas por mentores de esquerda, que se assemelhariam às adotadas por movimentos como as Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc) e pelo grupo terrorista Hamas.
Para evitar que ocorresse o mesmo que ocorreu na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal em 27 de maio deste ano, quando Marina retirou-se da audiência após se sentir desrespeitada, agora, a ministra disse que pediu a Deus para ter serenidade ao participar da sessão na Câmara dos Deputados.

A ministra foi convocada para a audiência por dois requerimentos, um do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) e outro do presidente da Comissão de Agricultura, Rodolfo Nogueira (PL-MS). O questionamento de Melo era sobre a Avenida da Liberdade, uma estrada de 13 quilômetros que está sendo construída em Belém (PA) e que recebe críticas porque ocasionou desmatamento para ser construída, num momento em que a capital paraense se prepara para receber a 30ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP30).
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Durante a sessão, Marina disse que nada podia ajudar no esclarecimento, porque a obra não foi licenciada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas sim pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semas) do Estado do Pará, a quem o parlamentar poderia encaminhar os questionamentos.
Sem contestar os dados apresentados por Marina, Evair de Melo preferiu tecer considerações sobre o discurso adotado pela ministra que, segundo ele, está baseado nos ensinamentos de Saul Alinsk, considerado o organizador dos métodos comunitários. Para Melo, entrar em discussão com a ministra é inócuo porque ela “tem uma incrível capacidade de repetições, de discurso, de oratória, de dados”. “Ela pode vir aqui 300 vezes, que a retórica dela é exatamente a mesma”, afirmou.

O deputado foi além, e usou a palavra adestramento para se referir à forma como a ministra expõe as ideias, o que causou revolta dos deputados governistas que o acusaram de tratá-la como animal. O parlamentar afirmou, ainda, que o comportamento de Marina não era isolado e faz parte de uma conspiração global. “Esse modo da ministra, a estratégia dela é a mesma que a Farc colombiana usa, é a mesma que o movimento revolucionário da América Central usa, é a mesma tática, é a mesma estrutura que o Hamas e o Hezbollah usam, é a mesma tática”, declarou.
Evair também acusou Marina de sair pela tangente e jogar a responsabilidade para o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e cobrou a ministra pelas obras da rodovia BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), e pelas operações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na cidade de Apuí, no Sul do Amazonas. Segundo ele, as ações de fiscalização estariam assediando os produtores do município. Marina disse que o Ibama foi solicitado pelo governo do Amazonas para dar apoio no combate ao desmatamento na região.
Autor do segundo requerimento, Rodolfo Nogueira começou a sessão afirmando que a ministra protagoniza um dos capítulos mais contraditórios e desastrosos da política ambiental brasileira, com aumento de desmatamento na Amazônia de 482%.

O requerimento aprovado era para esclarecer também sobre a participação de Marina na marcha do Acampamento Terra Livre (ATL), em abril deste ano, que segundo ele teria terminado numa tentativa de invasão ao Congresso, semelhante aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o que a ministra negou. Nogueira também queria saber sobre o volume de multas aplicadas pelo Ibama, além da demora na liberação de novos defensivos agrícolas.
“Ao contrário da narrativa da senhora, a culpa do desmatamento não é mais do Bolsonaro. A culpa dos incêndios, das queimadas, do aumento das queimadas não é do (ex)-presidente Bolsonaro. A culpa hoje é de São Pedro”, acusou. Ele também cobrou respostas sobre a estrada em Belém.
Defesa
Marina defendeu sua participação no ATL, como ato de apoio às causas indígenas e disse que saiu da marcha antes da chegada ao Congresso. Também detalhou como funciona a liberação dos defensivos e os motivos que levam a não liberar certos produtos. Ela refutou as acusações de catástrofe no desmatamento e detalhou como recebeu o Ministério do Meio Ambiente, em 2023, que precisou ser recomposto, assim como as estruturas do Ibama e ICMbio.
Na sessão, a ministra destacou que as instituições tiveram suas capacidades de fiscalização elevadas, com reforço de pessoal, aporte de recursos financeiros, entre outras ações, que colaboram para os resultados que estão sendo contestados pelos deputados, como aumento de operações e de aplicação de multas.
“E graças a esses esforços, sob a orientação do Presidente Lula, que tem compromisso de desmatamento zero, até 2030, nós alcançamos o resultado de redução do desmatamento de 46% na Amazônia, nos dois primeiros anos, e de 32% no País inteiro”, afirmou a ministra.
A sessão durou mais de sete horas e foi alternada por elogios e desagravos dos deputados da bancada governista e ataques da oposição, principalmente a ala bolsonarista, que acusa a ministra de impedir o desenvolvimento do Brasil e prejudicar os agricultores, que necessitam ser regularizados. Na audiência, os deputados chegaram até a chamar os servidores do Ibama de “bandidos” por causa do confisco de gados, colocados ilegalmente em terras públicas ou indígenas. Para Marina, os deputados estão dando a ela poderes que ela não tem de resolver porque não está em todos os ministérios.
Sobre a BR-319
O único parlamentar da bancada do Amazonas a participar, o deputado Alberto Neto (PL-AM) entrou rapidamente na reunião para questionar as operações do Ibama e ICMbio no Amazonas, cobrar a regularização fundiária e perguntar se Marina era contra ou a favor da pavimentação da BR-319. Ele também pediu que a ministra peça demissão, porque não conta com o apoio do governo na Câmara. O parlamentar argumentou que a base do governo sequer tentou transformar a convocação em convite.
Marina já havia respondido sobre a BR-319 várias vezes, durante a audiência, explicando que não existe pedido da licença de instalação (LI) entregue ao Ibama pelo Ministério dos Transportes, mas esclareceu que agora o ministro da pasta, Renan Filho, está fazendo tudo como precisa ser feito, com a realização da avaliação ambiental estratégica e elaboração da política de governança.

A ministra justificou que, apenas porque desde 2003 defende a necessidade dessa avaliação estratégica para a pavimentação dos 400 quilômetros do trecho do meio, as pessoas encaram sua posição como contrária à pavimentação da rodovia que liga Manaus a Porto Velho-RO. Ela voltou a dizer que esteve fora do governo por 15 anos e não asfaltaram a estrada, preferindo colocá-la como bode expiatório pelo que chamou de incompetência de quem fala e não realiza.
“Mas é fácil ter um bode expiatório, porque fica fácil também ganhar eleição. É só botar a culpa na Marina. Eu virei o maior cabo eleitoral de algumas pessoas nessas regiões, a maior cabo eleitoral e não fazem por incompetência, falta de compromisso. E a culpa é da Marina, vai ser para os próximos séculos, não tem problema”, ressaltou a ministra.
Ao final da sessão, ela voltou a abordar o assunto da rodovia e disse que é necessário tomar todas as providências antes da chegada do asfalto, porque, se deixar para depois poderá ser tarde para a Amazônia. Para a ministra, tudo tem que ser feito com base na lei.
“Por isso que o ministro Renan não está brigando com a realidade, com a ciência. Vamos fazer avaliação ambiental estratégica para a área de abrangência e vamos criar unidade de conservação de um lado e do outro, porque a estrada é para as pessoas irem para Rondônia, para ir no médico, para levar as crianças para a escola, não é isso que está sendo dito? Então é a unidade de conservação de um lado unidade de conservação do outro um processo de governança, mas isso não se faz depois que faz a estrada. Ou faz agora ou se botar o asfalto acabou. E não é acabou só com a Amazônia, acabou com o futuro do Brasil, principalmente com o agronegócio”, ressaltou Marina.
Após várias intervenções agressivas contra a ministra, como fala do deputado Cabo Gilberto (PL-PB), pedindo calma a ela, quando foi contestado pela falta de respeito. Em determinado momento, Marina disse ter se sentido agredida. “Eu quero falar no tempo que eu tenho porque eu fui terrivelmente agredida. Como eu disse, eu já me senti reparada, em parte, pelas palavras do meu conterrâneo de bancada da Rede Sustentabilidade, que é o meu partido. Estou aqui com 100% da minha bancada e os aliados da federação, da frente ampla que elegeu o Presidente Lula para salvar a democracia”, afirmou.