Marina rebate cobranças sobre BR-319 e diz que ficou 15 anos fora do poder


04 de setembro de 2024
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Roque de Sá/Agência Senado)
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Roque de Sá/Agência Senado)

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reagiu, nesta quarta-feira, 4, às cobranças que lhe são feitas pelo não asfaltamento da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), e atualmente está no epicentro dos focos de incêndios na Amazônia, ao lado das rodovias 163 e 230, a Transamazônica. Segundo a ministra, ela esteve 15 anos sem função pública ou qualquer influência no governo e a obra não foi executada.

“Foram 15 anos em que eu não tinha nenhuma função pública, eu era a professora Marina. Quinze anos. Por que não fizeram a estrada? Quatro anos, por que não fizeram? É porque não é fácil de fazer. Mas encontraram um caminho fácil, de dizer que a responsabilidade é da ministra Marina Silva. Não tem problema. Tudo o que está sendo imputado à minha pessoa eu recebo como um presente de Deus”, afirmou a ministra, durante a audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado, para a qual foi convidada para falar das ações de sua pasta no combate às queimadas no Pantanal e Amazônia.

Marina Silva classificou como “fajuta” a licença prévia concedida, segundo ela, “no fechar das luzes do governo anterior”, desrespeitando o parecer técnico dos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pela análise dos pedidos de licenças dos empreendimentos.

Ministra participou de audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado (Roque de Sá/Agência Senado)

No dia 25 de julho, uma decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas suspendeu a Licença Prévia (LP n° 672/2022) para a reconstrução e asfaltamento do Trecho do Meio da BR-319 (Manaus-Porto Velho), em atendimento à uma ação civil pública ajuizada pelo Observatório do Clima, que pedia a anulação da licença, concedida último ano do governo de Jair Bolsonaro.

Na ação, o Observatório do Clima, dentre várias alegações, apontou que a licença desconsiderou dados técnicos, análises científicas e uma série de pareceres elaborados pelo próprio Ibama ao longo do processo de licenciamento ambiental. Ao deferir o pedido, a juíza Mara Elisa Andrade acatou “a necessidade de preexistência de governança ambiental e controle do desmatamento antes da recuperação da rodovia, sob pena de não se evitar o dano ambiental já previsto para as áreas do entorno”.

A liminar foi mantida, no último dia 23 de agosto, pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), João Batista Moreira, ao rejeitar o recurso apresentado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit/Ministério dos Transportes) e pela União.

Na avaliação da ministra Marina, essa reviravolta no licenciamento da rodovia ocorreu porque se tentou burlar a lei, num tema que requer todo o cuidado diante do novo quadro de extremos climáticos que o mundo e o Brasil enfrentam. “Porque os atalhos nunca levam ao lugar determinado”, afirmou.

Questionada pelo senador Chico Rodrigues (PSB-RR), do porquê não liberar a rodovia e transformá-la numa “estrada-parque” para atender aos anseios dos defensores de seu asfaltamento e, assim, tirar Manaus e Roraima do isolamento terrestre, principalmente durante o período de estiagem, Marina lembrou da experiência que teve com a BR-163, que começa no Rio Grande do Sul e termina em Santarém, no Pará.

Segundo a ministra, no primeiro governo Lula (2003-2006), após longas discussões, avaliações ambientais e consórcios de municípios empresariais para a execução da obra, o Ibama concedeu a licença com todos os rigores exigidos pela legislação. “A licença foi dada com todos os cuidados e rigor que quem entende do assunto sabe fazer atendendo ao apelo. Sabe o que que aconteceu? Depois tudo aquilo foi abandonado”, lembrou Marina Silva, enfatizando que as únicas florestas que existem hoje ao longo da rodovia são aquelas criadas como unidades de conservação, à época, e que atualmente encontram-se ameaçadas por projetos de lei para extingui-las.

Vista aérea de trecho da BR-319 (Orlando K. Junior/Fundação Amazonas Sustentável)

Ao chegar para o terceiro governo Lula, Marina disse que se comprometeu com o ministro dos Transportes, Renan Filho, de fazerem em conjunto uma avaliação ambiental estratégica da BR-319, mas agora com a liminar de suspensão de licença, tudo ficou paralisado.

“São quase 500 quilômetros de um caminho que foi feito no passado, no meio do coração da floresta, que se tiver o impacto que os estudos estão mostrando que tem, é altamente deletério para tudo isso que estamos discutindo aqui. E se for fazer, tem que escutar o que a ciência está dizendo e foi isso que o presidente Lula disse: vou encaminhar para estudos. Os estudos não eliminam o licenciamento”, completou.

MMA pede novo marco regulatório

Além de prestar contas, a audiência na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado serviu para que a ministra Marina Silva também pedisse apoio aos senadores para que aprovem um marco regulatório, que crie a figura da emergência climática no país de forma permanente, para que o orçamento para essa finalidade fique de fora do teto de gastos.

Atualmente, a legislação só permite que se atue diante do desastre já ocorrido, o que dificulta o tempo e a efetividade das ações governamentais. Segundo a ministra, algumas alterações legislativas já ocorreram para melhorar o atendimento aos estados no combate às queimadas, como a contratação mais célere de brigadistas e helicópteros, mas é preciso avançar porque a cada ano a situação tende a piorar.

Atualmente, há 1942 municípios em situação de vulnerabilidade climática, seja para cheia, seja para seca. Dos 26 estados e do Distrito Federal, apenas o Rio Grande do Sul e Santa Catarina não enfrentam escassez hídrica e nove estados apresentaram seca em 100% de seus territórios, segundo o ministério.

Outra proposta em estudo é o aumento da pena para quem toca fogo de forma intencional. Para a ministra, está na hora de mostrar ao país que o crime não compensa e a melhor resposta do povo, agora nesse momento de extrema estiagem e pouca precipitação, é não tocar fogo em lugar nenhum.

‘Quem coloca fogo é bandido’, diz presidente do Ibama

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, refutou a ideia de que, em muitas comunidades rurais na Amazônia, existe a prática de se colocar fogo na mata nessa época da estiagem, principalmente em áreas de roça, e chamou de bandido quem pratica esse tipo de ação. “Não acho que é cultural, não, eu acho que é crime, quem coloca fogo é bandido”, afirmou.

Segundo Agostinho, o Código Penal, de 1940, já estabelece pena de até seis anos de prisão para quem comete incêndio e que há pessoas usando o fogo como vandalismo, outros como estratégia de desmate para depois fazer uso econômico da área. “Não acho que a gente tem que minimizar, dizer que isso é cultural, isso é um crime, punido no nosso Código Penal, punido pela lei dos crimes ambientais, que precisa ser enfrentado pela sociedade”.

O dirigente disse que as pessoas precisam entender que seus atos tem consequências e quem coloca fogo na floresta sabe que não vai ter estrutura para controlá-lo. Por conta de se enfrentar a pior estiagem, não é hora de “tocar fogo”. “A sociedade precisa agir e a gente precisa ser muito duro com quem coloca fogo”, completou.

Sobre os trabalhos do Ibama no combate aos incêndios, Agostinho disse que são três mil brigadistas em atividade, além dos Corpos de Bombeiros dos Estados envolvidos e brigadas locais de fazendas e voluntárias. O Estado do Mato Grosso, segundo ele, concentra atualmente o maior número de focos de incêndios.

Leia mais: Senado vai ouvir Marina Silva sobre combate a incêndios florestais
Editado por Adrisa De Góes

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