Mata Atlântica perde 3 milhões de hectares em 39 anos
Por: Ana Cláudia Leocádio
27 de maio de 2025
BRASÍLIA (DF) – Bioma com a menor cobertura de florestas nativas do Brasil, a Mata Atlântica perdeu, nos últimos 39 anos, 3 milhões de hectares de cobertura vegetal e apresentou aumento no desmatamento de 2%, entre 2023 e 2024, segundo Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, do MapBiomas, lançado neste mês de maio. Foi o único aumento registrado entre os seis biomas brasileiros.
A perda de florestas em 2024 na Mata Atlântica foi de 13.472 hectares, ante 13.212, no ano anterior, o que corresponde a 1,1% de todo o desmate registrado no País, resultado considerado estável pelos especialistas, porque mais de 90% dessa perda decorre dos extremos climáticos, que devastaram o Rio Grande do Sul. Sem isso, o bioma teria registrado uma queda de 20% no desmatamento em um ano.
Presente em 15 Estados brasileiros, o bioma é o lar de 70% da população do País e tem uma lei específica que dá função social à floresta e estabelece regras para seu uso e proteção. Aprovada em novembro de 2006 pelo Congresso Nacional, a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006) levou 14 anos em discussão até se tornar o potente instrumento de proteção aos 26% de florestas ainda remanescentes.

Segundo a analista para a Mata Atlântica do MapBiomas, Natália Crusco, se for considerada apenas a presença de florestas maduras, com mais de 40 anos, o percentual cai para 12%, o que requer ainda mais esforços na conservação, regeneração e restauração.
Apesar dos 3 milhões de hectares perdidos nos últimos 39 anos, desde que a lei de proteção do bioma entrou em vigor, já foram restaurados 800 mil hectares. “Como bioma vulnerável, toda área que se ganha de floresta é superimportante para a preservação”, comemora a especialista.
Um dos exemplos de sucesso de projeto de restauração é o desenvolvido pelo renomado fotógrafo Sebastião Salgado, que faleceu na última sexta-feira, 23, e sua mulher, Lélia Wanick, na fazenda da família, em Aimorés, interior de Minas Gerais. Já foram plantadas mais de 2 milhões de árvores pelo Instituto Terra, criado para coordenar o projeto de reflorestamento, e que caminha para a recuperação das nascentes do Rio Doce, de grande importância para a Mata Atlântica.

Conforme Crusco, o aumento do desmatamento registrado ano passado no bioma foi causado pelos extremos climáticos, com as enchentes ocasionadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul, o que representou 93% de tudo o que foi desmatado em 2024 na Mata Atlântica. “Considerando que a Mata Atlântica é um bioma bastante ameaçado e vulnerável, qualquer perda de vegetação nativa nesse bioma traz um grande impacto”, avalia Crusco.
Houve episódios significativos registrados também em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em 2024, como aqueles em São Sebastião (SP), em 2023, mas não teve o tamanho do impacto que ocorreu no Rio Grande do Sul, onde os deslizamentos de terras casados pelo alto volume pluviométrico causaram a destruição. De 3.022 hectares perdidos na Mata Atlântica, associados aos eventos climáticos, 2.800 foram no Estado gaúcho.
Essa realidade colocou o Rio Grande do Sul como o Estado com maior aumento proporcional no desmatamento, em 2024. Conforme a especialista, os Estados de Minas Gerais e Bahia seguem liderando o ranking dos que mais desmatam o bioma, principalmente na região de encontro da Mata Atlântica com outros dois biomas, que compartilham o Cerrado e a Caatinga e concentram a maior parte dos municípios com altos índices de desmatamento.
Segundo o MapBiomas, 40% do território mineiro está localizado na Mata Atlântica, enquanto a Bahia tem 19%. Minas é o Estado com maior área desmatada. Junto com o Rio Grande do Sul, as três unidades da federação concentram 86% de tudo o que foi desmatado no bioma, ano passado, um patamar alto para os analistas.
Minas Gerais também tem 54% de seu território dentro do Cerrado e 6% na Caatinga. A Bahia tem 18% no Cerrado e 62% na Caatinga, enquanto o Rio Grande do Sul está todo dentro da Mata Atlântica.
Os dados do MapBiomas Alerta, realizados desde 2019, mostram que o auge da supressão de florestas no bioma ocorreu nos anos de 2021 e 2022, com quase 30 mil hectares derrubados e cada ano.
Padrão de desmatamento
De acordo com Natália Crusco, o padrão de desmatamento na Mata Atlântica é diferente de outros biomas, porque registra pequenos eventos de desmate de até 1 hectare e que cresceram três vezes mais, em 2024, se comparado aos desmates de áreas maiores, de 100 hectares.
“Esses desmatamentos estão localizados nessa região de contato entre Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, que é também onde estão os municípios que mais desmatam dentro do bioma”, ressaltou Natália Crusco. Os desmates acima de 100 hectares ocorreram em Minas Gerais e Bahia.
Segundo o MapBiomas, assim como na média nacional onde a agropecuária representa 97% de pressão ao desmatamento, na Mata Atlântica esse vetor chega a 71%. A expansão urbana também castiga o bioma, assim como a fragmentação da floresta, muito espalhada.
“O trabalho é que a gente consiga conectar esses fragmentos para que a floresta continue provendo os serviços ecossistêmicos, fazendo a regulação de água, de clima. A nossa segurança alimentar, inclusive, depende que essas florestas sejam conectadas”, explicou Crusco.
Para a especialista do MapBiomas, a Lei da Mata Atlântica é essencial para a manutenção da floresta em pé, que não pode ser enfraquecida em nenhuma hipótese. O que anima Crusco é o surgimento de projetos de restauração e regeneração, sobretudo em áreas de reserva legal, de conservação, que deverão favorecer a preservação das nascentes dos rios.
“Acho que é mais importante a gente manter o que ainda tem de formação e, para gente conseguir aumentar essas áreas de floresta, é importante fazer cumprir a Lei da Mata Atlântica”, reitera.
Em nota publicada nessa segunda-feira, 26, a Fundação SOS Mata Atlântica destaca a grande ameaça que o Projeto de Lei 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, traz para o bioma, porque inseriu “um jabuti” que desmonta a legislação aprovada desde 2006.

“A medida revoga os parágrafos 1º e 2º do artigo 14 da legislação em vigor, permitindo que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração – justamente as porções mais maduras e estratégicas do bioma – possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais”, alerta a fundação.
Conforme a SOS Mata Atlântica, a mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. “A decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 24% restantes da cobertura original da Mata Atlântica, especialmente os 12% restantes de florestas maduras”, afirma. O projeto foi aprovado pelo Senado e aguarda análise da Câmara dos Deputados.
Leilão na Bolsa de Valores
Em abril deste ano, o governo federal lançou o 2º Leilão Eco Invest , na Bolsa de Valores de São Paulo, para mobilizar recursos para financiar projetos de recuperação de terras degradadas e promover a conversão dessas áreas em sistemas produtivos sustentáveis. A meta é recuperar 1 milhão de hectares de terras degradadas, nos biomas da Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal.
“É importante que a gente não perca mais área de floresta e que as pessoas passem a entender que elas fazem parte da Mata Atlântica, elas não são elementos separados, e juntos a gente precisa fazer essa floresta, esse bioma continuar vivendo”, conclama a especialista, que exalta a Lei da Mata Atlântica, que pode servir de exemplo para a proteção de outros biomas.
Conforme Crusco, as áreas de escorregamento estão localizadas em áreas íngremes, que tem os efeitos climáticos potencializados caso estejam sem a cobertura florestal, daí a importância de florestar essas regiões vulneráveis.
Unidades da Federação localizados na Mata Atlântica
Estados (%) do bioma na UF
- Alagoas – 53%
- Bahia – 19%
- Espírito Santo – 100%
- Goiás – 2%
- Mato Grosso do Sul – 10%
- Minas Gerais – 40%
- Paraíba – 7%
- Paraná – 98%
- Pernambuco – 16%
- Rio de Janeiro – 100%
- Rio Grande do Norte – 4%
- Rio Grande do Sul – 31%
- Santa Catarina – 100%
- São Paulo – 81%
- Sergipe – 45%
Fonte: RAD 2024/MapBiomas