Maués, Capital Nacional do Guaraná
Por: Iraildes Caldas Torres
23 de novembro de 2025Maués, é um município localizado no Médio Amazonas, área leste do Amazonas, entre os rios Madeira e Tapajós. Uma cidade que tem origem com os indígenas Munduruku e Sateré-Mawé, cujos indícios de presença destes povos datam do século XV (1660), conforme sinalização de Cerqua (1980). Não obstante, somente em meados do século XVIII é que tem início o povoamento da Mundurucânia, região compreendida entre os rios Madeira e Amazonas. É, pois, em 1895 (século XIX) que é criada a comarca de Maués e em 1896 é elevada à categoria de cidade com a denominação Maués que significa “cidade dos papagaios inteligentes e faladores”. MAU – significa curioso, inteligente, abelhudo. UES – é a ave da casta dos papagaios.
O guaraná é a planta aclimatada pelos indígenas Sateré-Mawé e, embora não tenha indício de que esta planta tenha vindo com eles quando atravessaram o Atlântico, não se pode deixar de reconhecer que ela sempre esteve com eles, na sua origem. O guaraná é a planta que nasceu do olho direito do herói mítico criador da etnia Sateré-Mawé. É uma planta mítica e sagrada, mas, não só isso, é o demiurgo ou o ser, que dá vida e garante bom êxito às ações politico-sociais do povo mawé. Este povo tem no guaraná o seu tecido simbólico-transcendenta e material. Uma espécie de práxis transformadora capaz de contribuir para a produção da vida. Os indígenas Sateré-Mawé não buscavam força no Deus cristão, embora eles não pudessem prescindir dele que o chamam de Tupana. A força, todavia, é buscada no guaraná (Torres, 2018).
Não se trata apenas de uma planta ou de uma fruta de cujos substratos se obtém uma bebida, é, antes de tudo, uma força espiritual e política, uma oikonomia, em torno do qual se estabelece a práxis do povo Sateré-Mawé.Enfim, o guaraná é o ordenador da vida em sociedade, é ele que conduz os indígenas pelas veredas do bem, levando-os a encontrarem o sentido transcendental de sua existência.
Para podermos compreender o alcance do aspecto transcendental que envolve o povo Sateré-Mawé é preciso, em primeiro lugar, termos presente o fato de que o guaraná é um elemento de fazimento e refazimento da vida, onde ocorre o processo de hominização dos indígenas mawé. Não admira, pois, que, neste domínio, estes indígenas tenham pensado por muito tempo que o guaraná os conduziu ao pináculo de sua história, consubstanciado na Terra sem Males, uma utopia dos Tupinambá de quem são descendentes. A Terra sem Males para os Tupinambá é uma espécie de paraíso genesiano, lugar de fartura onde jorra leite e mel. É o horizonte ou a síntese da História e de sua esperança salvífica frente ao sagrado e aos seus entes transcendentais.
O guaraná rege a vida dos Sateré-Mawé, é o eixo teleológico da existência coletiva deste povo, seu equilíbrio e longevidade. Longevidade no sentido de prosperidade e continuidade da etnia no tempo e no espaço. O guaraná é uma força integralizadora que tece as relações sociais dentro da comunidade no âmbito do trabalho, da organização social e da política, transbordando-se para o aspecto transcendental da utopia e da perenidade do povo no curso da história.
No aspecto da materialidade, o guaraná constitui-se na atividade econômica mais significativa do ponto de vista rentável, para o povo Sateré-Mawé. O cultivo da planta e o beneficiamento do fruto gera um produto altamente valoroso, cuja safra do guaraná é comercializada no âmbito nacional e internacional.
A Lei 15.216, de 22 de setembro de 2025 que conferiu o título de Capital Nacional do Guaraná ao Município de Maués é, antes de tudo, uma homenagem ao povo Sateré-Mawé, cujo legado do cultivo do guaraná e de sua ontologia mítico/político/transcendental enobrece a cidade de Maués. Sem levar em conta este legado ontológico fenece o significado substantivo da capital nacional do guaraná, pois, para os indígenas Sateré-Mawé, o valor do guaraná está no seu significado mítico/político/transcendental. Não se pode separar a criatura de sua ontologia, das coisas que constituem a própria criatura.