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Mesmo sem lei, Governo Bolsonaro utiliza AGU para defender mineração em Terras Indígenas
Contestações na Justiça defendem exploração em territórios não demarcados e em áreas vizinhas (Reprodução/Internet)
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02 de abril de 2022
Com informações da Folhapress
BRASÍLIA – O Governo Jair Bolsonaro (PL) vem atuando, por meio de contestações elaboradas pela Advocacia-Geral da União (AGU), para garantir a mineração em Terras Indígenas que ainda não foram efetivamente demarcadas.
Os documentos produzidos pela AGU também têm sido utilizados para embasar a exploração em áreas próximas a terras já homologadas, apesar do impacto da atividade nas comunidades indígenas.
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Esses pareceres consideram válida a existência de títulos minerários que incidem em Terras Indígenas, negam a omissão de órgãos do governo, diante dos 20 mil garimpeiros que prosseguem, ilegalmente, na terra Yanomami, a maior do Brasil, e dizem ser impossível garantir a segurança contínua de comunidades Yanomami atacadas por grupos de garimpeiros armados.
A Folha analisou um conjunto de 26 documentos elaborados pela AGU a partir de 2019 para contestar ações do Ministério Público Federal (MPF) contra a mineração em Terras Indígenas na Amazônia. As ações foram protocoladas na Justiça Federal no Amazonas, Pará e em Roraima.
Em 17 documentos, há uma defesa de atividades ou de títulos de mineração em Terras Indígenas, apesar da inexistência de lei que garanta a exploração mineral nesses territórios.
Nas ações, a AGU atuou como representante jurídica da Agência Nacional de Mineração (ANM), da Funai Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Bolsonaro apresentou ao Congresso, em fevereiro de 2020, um projeto de lei que libera a mineração em Terras Indígenas. O propósito é regulamentar, dois pontos da Constituição Federal, que condicionam o avanço de empreendimentos de mineração a um aval do próprio Congresso e a consultas aos povos indígenas.
A proposta leva a assinatura do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Agora, desafeto de Bolsonaro. Também assina a proposta o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque.
O projeto ficou parado até março deste ano, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o Centrão decidiram patrocinar uma tramitação expressa da proposta, sem ouvir os indígenas e sem passagem pelas comissões especiais da Câmara.
Um requerimento para votação de urgência foi aprovado pelo plenário, em 9 de março, e a votação está prevista para abril.
Documentos elaborados por integrantes da AGU registram a posição favorável do governo à mineração em Terras Indígenas e o drible à ausência de uma lei que regulamente os pontos da Constituição.
O MPF apresentou uma série de ações civis públicas na Justiça, especialmente, no Amazonas e no Pará, em que pede a anulação de requerimentos minerários protocolados na ANM com incidência sobre Terras Indígenas.
A AGU, representando a ANM, contestou em pelo menos 11 pareceres a extensão dos pedidos dos procuradores da República para que a vedação de garimpos inclua áreas vizinhas e áreas que se estendam apenas parcialmente sobre Terras Indígenas.
“Somente os processos que se sobrepõem integralmente à Terra Indígena deverão ser indeferidos, e não todos com qualquer ou até insignificante interferência em área afetada aos interesses e direitos indígenas”, afirmou a AGU.
A defesa feita é que o empresário responsável por requerimento junto à ANM tem o direito de excluir áreas relacionadas a territórios demarcados. E isso vem ocorrendo na prática. É comum essa exclusão, com continuidade de autorizações de pesquisa em territórios colados a Terras Indígenas.
Uma portaria interministerial de 2015, entretanto, estabelece que empreendimentos minerários, num raio de dez quilômetros de uma Terra Indígena, precisam de análise dos impactos sobre as comunidades tradicionais para obtenção de licença ambiental.
Ainda conforme as contestações feitas pela AGU, territórios em fase de identificação e delimitação não devem servir de “substrato legal” para negativas de exploração de minérios.
“Antes de o decreto presidencial homologar o procedimento demarcatório, não há que se falar em Terra Indígena regularmente reconhecida e delimitada para fins de afetação aos interesses dos índios”, afirmou a AGU nos pareceres.
Segundo a Funai, há 237 processos de demarcação em fase de estudos e delimitações ainda não concluídos, sem homologação das áreas. Bolsonaro já disse que não demarcará um centímetro de Terra Indígena em seu mandato.
Requerimentos
Apesar da ofensiva do governo, ações do MPF vêm resultando em decisões favoráveis na 1ª instância da Justiça, inclusive, com confirmação por turma do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região.
Em 15 de dezembro de 2021, o TRF-1 confirmou decisão da Justiça Federal, no Pará, que obrigou a anulação de requerimentos minerários em Terras Indígenas, homologadas ou não, e em áreas vizinhas.
No Amazonas, ações do MPF identificaram mais de mil requerimentos minerários que passam por Terras Indígenas. No Pará, são 1.700.
Questionada pela reportagem sobre as contestações elaboradas, a AGU afirmou que respostas deveriam ser dadas pelos órgãos que representa.
Em nota, a ANM afirmou ser a autarquia federal responsável pela gestão da atividade minerária no País e que se pauta na Constituição, na legislação federal e “em observância às decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário”.
“A ANM atua em parceria com PF, MPF, MPs estaduais e demais órgãos competentes no combate às práticas ilícitas, tais como usurpação de bem público e crimes ambientais ligados à exploração de bens minerais”, disse.
Representando a Funai numa ação do MPF movida no Pará, a AGU reafirmou a existência de títulos minerários incidentes em Terras Indígenas e disse que o uso dos títulos poderá ocorrer quando houver uma lei regulamentando a exploração de minérios nesses territórios.
“Esses títulos existirão em nome de seus detentores, mas as autorizações de pesquisa e lavras minerais não poderão ser concedidas enquanto não houver a regulamentação”, cita um parecer de 2020.
O governo manifestou, ainda, desinteresse em participar de acordo sobre retirada de garimpeiros na terra Yanomami, negou omissão diante do agravamento do problema no território em Roraima e disse ser impossível garantir uma presença ininterrupta da Força Nacional de Segurança Pública em comunidades ameaçadas por garimpeiros armados, como suporte à atuação da Funai.
Procurada, a Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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