Metais e microrganismos poluem corpos d’água de Belém, aponta pesquisa


Por: Fabyo Cruz

10 de fevereiro de 2025
Vista aérea na cidade de Belém (Márcio Nagano/CENARIUM)
Vista aérea na cidade de Belém (Márcio Nagano/CENARIUM)

BELÉM (PA) – Um estudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), publicado em 2024, revelou um quadro alarmante da qualidade da água em canais de drenagem e rios de Belém, capital paraense. A pesquisa identificou uma grande diversidade de microrganismos potencialmente perigosos, incluindo bactérias resistentes a antibióticos e vírus causadores de doenças gastrointestinais, além de níveis elevados de metais pesados. O cenário é agravado pela precariedade do saneamento básico, que expõe a população a riscos cada vez maiores.

Os pesquisadores analisaram oito pontos de coleta em diferentes bacias hidrográficas de Belém e encontraram 473 famílias de bactérias e 83 de vírus nos corpos d’água. Entre os microrganismos detectados estavam o norovírus GI e GII, sapovírus, astrovírus, bocavírus, adenovírus e crAssphage, todos associados a infecções gastrointestinais. Além disso, foram identificadas bactérias como Escherichia coli enteroinvasiva e Shigella spp., responsáveis por surtos de diarreia e infecções intestinais.

Pontos de captação de água dos canais de drenagem e águas superficiais analisadas pelo IEC (Reprodução)

Outro dado preocupante foi a presença de 66 genes de resistência bacteriana, incluindo o blaKPC, que confere resistência a antibióticos da classe dos carbapenêmicos, usados como último recurso no tratamento de infecções graves. Essa resistência, aliada à contaminação fecal generalizada, representa uma ameaça significativa à saúde pública.

A contaminação por metais pesados também foi um ponto de alerta. Foram encontrados níveis elevados de cádmio (Cd), ferro (Fe) e manganês (Mn), que, em excesso, podem causar desde alterações na qualidade da água até doenças graves, como insuficiência renal, osteoporose e câncer.

Mapa dos pontos de coleta da drenagem canais e as águas superficiais analisadas no estudo (Reprodução)
Saneamento precário

A degradação dos corpos d’água de Belém está diretamente relacionada à falta de saneamento básico. Segundo a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), apenas 12,99% do esgoto gerado na cidade é tratado, enquanto o restante é despejado diretamente em rios e canais sem qualquer tipo de tratamento.

O engenheiro sanitarista Valdinei Silva, professor do Instituto Federal do Pará (IFPA) e vice-presidente da Abes-PA, em entrevista à CENARIUM, reforça essa relação histórica entre a precariedade do saneamento e a degradação ambiental. Ele cita pesquisas realizadas desde os anos 1980 que já alertavam para os impactos da carga orgânica despejada nos corpos d’água da cidade.

“Cada habitante produz cerca de 54 gramas de demanda bioquímica de oxigênio, que é um parâmetro usado para indicar o potencial de redução de oxigênio na água. Em um estudo de 2002, estimamos que 40 toneladas de carga orgânica eram lançadas diariamente na Baía do Guajará”, afirma o especialista.

Valdinei Silva (ao centro), professor do IFPA e vice-presidente da Abes-PA (Reprodução/Abes-PA)

Silva destaca que, mesmo há décadas, já se sabia que os canais da cidade não suportariam a quantidade de esgoto despejada. “Em 1985, havia a ideia de instalar tanques sépticos nas residências para tratar o esgoto antes do descarte, mas mesmo naquela época os estudos mostraram que a capacidade dos canais já era insuficiente. Agora, com o crescimento populacional desordenado, a situação se tornou ainda pior”, explica.

Além do impacto ambiental, o professor alerta para os riscos diretos à saúde da população. “É muito comum ouvirmos pessoas dizendo: ‘Ah, mas eu já tomei banho nesse canal há 15 ou 20 anos’. Naquela época, os canais ainda tinham uma troca mais dinâmica com o rio e a Baía do Guajará. Hoje, a carga orgânica lançada é tão grande que o oxigênio na água é reduzido drasticamente, favorecendo processos anaeróbicos que deixam a água escura e extremamente poluída”, ressalta.

Silva afirma que muitas pessoas ignoram o fato de que, quando a maré sobe, a água contaminada invade as ruas, expondo moradores a diversos agentes infecciosos. “Se não há um sistema de tratamento de esgoto, para onde ele vai? Para os canais e rios. É necessário ter precaução ao pisar na água durante a maré alta em Belém, pois ela carrega uma grande quantidade de contaminantes”, alerta.

Medidas necessárias

Diante desse cenário, os pesquisadores do IEC reforçam a necessidade de ações imediatas para reduzir os impactos da poluição hídrica. Entre as medidas sugeridas estão:

• Ampliação do tratamento de esgoto e investimentos em infraestrutura sanitária para evitar o despejo direto nos rios e canais;
• Monitoramento contínuo da qualidade da água para identificar focos de contaminação e atuar preventivamente;
• Campanhas educativas para conscientizar a população sobre o descarte correto de resíduos e a importância da preservação dos corpos d’água;
• Fiscalização ambiental mais rigorosa, com punições para o despejo irregular de esgoto e resíduos industriais.

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Editado por Adrisa De Góes

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