Metapneumovírus acende alerta para monitoramento epidemiológico


Por: Lucas Ferrante**

10 de janeiro de 2025
Metapneumovírus acende alerta para monitoramento epidemiológico
Modelo estrutural do hMPV (Roger Harris/Science Photo Library/Getty Images)

Um recente surto de metapneumovírus humano (hMPV) na China acendeu um alerta global sobre a necessidade de sistemas robustos de monitoramento epidemiológico. Identificado em 2001, o hMPV pertence à mesma família do vírus sincicial respiratório (VSR) e pode causar infecções respiratórias que vão desde sintomas leves até bronquiolite e pneumonia graves, especialmente em crianças, idosos e imunossuprimidos. O aumento inesperado de casos foi detectado por um sistema pós-pandemia implementado para monitorar infecções respiratórias atípicas, destacando a importância de vigilância ativa para conter potenciais crises pandêmicas.

Atualmente, Manaus, identificada pelo Journal of Public Health Policy como um dos epicentros globais da COVID-19, enfrenta um novo aumento nos casos de síndromes respiratórias. Enquanto na China o monitoramento eficaz possibilitou uma resposta rápida, na Amazônia brasileira a realidade é outra. Estudos indicam que a região enfrenta desafios significativos em saúde pública, sendo vulnerável não apenas à COVID-19, mas também a novas ameaças como o hMPV. A falta de sistemas de vigilância semelhantes no Brasil coloca populações indígenas, comunidades tradicionais e grandes centros urbanos como Manaus em alto risco de serem epicentros de crises sanitárias como apontado em estudo publicado recentemente também no Journal of Public Health Policy. Desde 2021, após o pico da segunda onda de COVID-19, temos destacado a necessidade de criar um sistema eficiente de monitoramento epidemiológico capaz de detectar tanto novos vírus introduzidos na região quanto aqueles que possam emergir devido a saltos zoonóticos. Essa necessidade foi apontada pelo periódico científico Regional Environmental Change.

Paciente com Covid-19 em Manaus, Amazonas (Reprodução/Raphael Alves)
Manaus: lições de uma tragédia epidemiológica

Manaus, que foi um dos epicentros mais atingidos pela pandemia de COVID-19, ilustra como a negligência política e a ausência de sistemas de monitoramento sem interferência politica podem levar a crises de saúde pública. Um estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities demonstrou que, em outubro de 2020, apenas 46% da população havia sido exposta ao SARS-CoV-2, contradizendo a falsa narrativa de imunidade coletiva. A retomada prematura de atividades, como as aulas presenciais, foi identificada como o principal fator responsável pela devastadora segunda onda, que sobrecarregou os hospitais da cidade e causou um elevado número de mortes, apesar do alerta epidemiológico previamente publicado por mim e minha equipe no periódico Nature Medicine e uma nota técnica entregue ao Ministério Público.

Além disso, o modelo de Manaus demonstra como a alta mobilidade humana e o relaxamento precoce de medidas de contenção podem facilitar a disseminação de patógenos. Estudos que coordenei, publicados no Preventive Medicine Reports e no Journal of Public Health Policy, destacaram o papel da mobilidade urbana e subnotificações em Manaus como fatores chave do aumento de casos de variantes do coronavírus altamente transmissíveis, como a Gama e a Ômicron, durante as ondas subsequentes da pandemia. A ausência de monitoramento epidemiológico consistente deixou a região despreparada para enfrentar essas variantes, expondo a população a um ciclo de surtos repetidos apesar das vacinas​​.

China x Brasil: Uma Comparação Necessária

Enquanto a China detectou precocemente o aumento de casos de hMPV graças a um sistema robusto de vigilância, no Brasil ainda falta uma estrutura similar para identificar doenças emergentes. A resposta chinesa incluiu medidas preventivas como uso de máscaras e distanciamento social, inspiradas nas estratégias adotadas durante a pandemia de COVID-19. Em contraste, a falta de monitoramento adequado na Amazônia aumenta a vulnerabilidade da região a novas ameaças epidemiológicas, como o hMPV, que poderia facilmente se espalhar sem ser detectado.

O surto de metapneumovírus humano na China serve como um aviso urgente para regiões vulneráveis como a Amazônia. A ausência de sistemas adequados de vigilância epidemiológica na região pode transformar surtos locais em pandemias globais, como foi o caso da COVID-19, com o surgimento da variante Gamma (P.1) em Manaus. Isso ocorreu devido ao retorno das aulas presenciais sem a devida vacinação, uma irresponsabilidade comprovada do governador Wilson Lima, do secretário de Educação Luís Fabian e da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), que minimizaram e negaram o risco de uma segunda onda, como demonstrado pelo periódico Preventive Medicine Reports.

A Amazônia, com sua rica biodiversidade e desafios estruturais, precisa urgentemente de políticas públicas focadas em monitoramento ativo e infraestrutura de saúde. Sem essas mudanças, o mundo pode enfrentar uma nova pandemia com consequências ainda mais devastadoras. Atualmente, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) em Manaus estão registrando um aumento significativo no número de doenças respiratórias. No entanto, a resposta da vigilância epidemiológica tem se mostrado insuficiente para identificar e apontar as causas desse surto, evidenciando falhas no sistema de monitoramento e controle da situação mais uma vez.

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(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas, mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia). É o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nos dois maiores periódicos científicos do mundo, Science e Nature. Atualmente, é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Ferrante coordenou estudos científicos que previram o risco de uma segunda onda de COVID-19 para a Amazônia com seis meses de antecedência, investigou o primeiro caso de reinfecção por coronavírus na região amazônica e elaborou a nota técnica que fundamentou a necessidade de um lockdown em Curitiba, evitando o colapso do sistema de saúde do Paraná e prevenindo 1.500 óbitos. Seu trabalho lhe rendeu o prêmio de melhor artigo científico no periódico Journal of Public Health Policy, pelo estudo que demonstrou como o Brasil se tornou o epicentro global da COVID-19.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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